quinta-feira, 28 de março de 2024

Pitacos de março, fechando o verão em nosso país

Não queria terminar o mês de março sem mais um pitaco. Afinal, vários fatos dignos de comentário vêm ocorrendo em nosso país. O primeiro deles, uma homenagem à Marielle e Anderson - sempre presentes - e à prisão dos irmãos Brazão, autoridades de relevo e figuras proeminentes do impoluto estado do Rio. (Eu poderia usar adjetivo mais simples, mas o Rio merece a ironia contida na frase). *** Afinal, trata-se de um conselheiro do Tribunal de Contas do Rio, colegiado de que faz parte qualquer membro aprovado no dificílimo concurso da indicação política, dos tapinhas nas costas, acordos e promessas não republicanas. Situação que não é exclusiva do Rio, para ser justo e tem lugar em todos os demais estados da União. O segundo irmão, deputado federal, representante de parcela importante de eleitores do Rio, o que não deve causar qualquer estranheza, dado o histórico eleitoral do Rio. *** Recordando, foi ali, em 1988, que eleitores bem humorados, frente à falta de opções, lançaram a candidatura à Prefeitura do Rio do Macaco Tião (um dos habitantes mais populares do Zoo). Foi também o eleitorado carioca, quem elegeu os últimos 5 governadores, todos com uma mesma trajetória: do governo para a prisão. Sem contar o juiz Witzel, dos pulinhos em comemoração a ação letal da PM, afastado em processo de impeachment. *** Pode-se discutir o desencanto da população carioca com a política, ela que já teve o privilégio de ter convivido, por tanto tempo, com o centro do poder político do país. Talvez por isso, melhor que todos nós, consciente da qualidade da política e de nossos políticos. *** Pode-se discutir a força e a pressão bárbara e selvagem exercida sobre o carioca, pelos grupos do narcotráfico, das milícias, dos jogos de azar, ou de sua fusão nas organizações do crime. Embora nosso passado político do coronelato e seus jagunços, da política dos governadores da primeira república, dos currais eleitorais, dos votos de marmita e daqueles fraudados das cédulas analógicas, não fosse menos violento, corrupto e criminoso. Apenas sem as mídias e redes sociais. *** Inegável, no entanto, observar, constatar e enfatizar que não existem vazios na política. E, no espaço deixado abandonado pelo Estado - que alguns ainda insistem em desejar tornar mínimo-, o que resta é a ocupação por grupos de bandidos e pelo terror. Em respeito ao Rio de Janeiro e sua gente, devemos reconhecer que não é apenas aquele estado que se encontra nas garras das Orcrims que, tal qual a ação das máfias e a exemplo do filme, baseado no excelente romance de “O Poderoso Chefão” (de Coppola e Mário Puzzo, respectivamente), uma vez conquistado o poder, resolvem adotar um processo de higienização, que as torne mais aceitáveis, atuando em negócios de maior respeito e socialmente reconhecidos. *** O que inclui a formação de quadros de elite, ostentanto elevadas qualificações. Para então, à moda de Michael Corleone, chegarem a ser indicados ou se candidatarem a um cargo político de relevo e expressão, como um governo de Estado, uma vaga na Câmara ou no Senado, na polícia, nos órgãos de segurança e na própria magistratura. *** Um segundo ponto que merece ser tratado, e que vem ocupando a atenção do país, da mídia e das redes: a ida do ex-presidente, tornado inelegível e sempre caricato Bozo, à embaixada da Hungria. Para dizer que, depois de seu filho caçula, Jair Renan, ter se tornado réu por vários crimes, todos bastante relacionados ao sobrenome que ostenta – lavagem de dinheiro, falsidade ideológica, uso de documento falso – não causa espanto o covardão ter ido se hospedar na embaixada da Hungria. *** A lamentar que tenha sido um órgão de imprensa internacional o responsável pela matéria ou denúncia do comportamento suspeito de quem talvez ache melhor já ir... Quanto à alegação dos advogados de defesa do inelegível, e das mensagens de bolsotários nas redes sociais, de que ele mantém contatos e agenda de encontros em representações diplomáticas no país, para analisar, acompanhar e discutir a evolução dos acontecimentos internacionais, reconheço ter havido benéfica mudança de postura de quem, até recentemente, fazia questão de se mostrar um pária. *** Ainda assim, a alegação não para de pé. Não apenas por Bozo ter desrespeitado a determinação do Ministro Alexandre de Moraes, de não cruzar as fronteiras do país, razão de ter tido de entregar o seu passaporte; mas por ter permanecido em território em que vigora o princípio da extraterritorialidade internacional por 2 dias. Mais uma vez, fico triste que nossos meios de comunicação tenham perdido sua capacidade investigativa. Era imperativo que, frente às alegações de manter contatos e visitar embaixadas para troca de informações, algum repórter fosse a campo pesquisar em quantas e quais ocasiões, o ex-presidente tenha frequentado representações diplomáticas de outros países. *** Poderia deixar de mencionar, em respeito a todos nós, a reunião com embaixadores para discursar contra nosso sistema eleitoral. Em minha visão, o país poderia perceber que além de covarde e fujão, nosso presidente é um cara de pau, pinóquio mal acabado e mal encerado. *** No Congresso, Lira continua seu jogo de pressão sobre o governo, quem sabe em busca de cargos, quem sabe de recursos ou verbas, quem sabe em busca de algum futuro para sua carreira na Câmara, a partir de 2025. A economia vai se comportando cada vez mais positivamente, com queda esperada da inflação, queda do desemprego formal, aumento da criação de vagas de trabalho de carteira assinada, queda – embora a conta gotas – dos juros; aumento da arrecadação e da renda real do trabalhador. *** Infelizmente, em contraponto, as pesquisas de opinião mostram a incapacidade de o governo romper a bolha das fake news e divulgar os avanços que vêm sendo feitos em vários campos. (Exceção feita à saúde, abalada por desejos inconfessáveis do centrão, pela dengue e pelo tratamento dispensado aos Yanomamis; pelo tratamento tópico contra os mineradores e aos empresários incendiários do ogronegócio; e pela questão da segurança pública, deixada nas mãos e interesses da bancada do boi-bala e bomba, ou da tiro-porrada e bomba). E mais trágico ainda, sob a ameaça do Banco Central, influenciado por seu presidente, tornar-se autônomo, inclusive do ponto de vista do orçamento, e acabar por retirar do governo o poder que o povo lhe atribuiu de adotar políticas econômicas: monetária, fiscal, cambial e industrial.

segunda-feira, 11 de março de 2024

Banco Central: independente e com autonomia financeira ampla ou uma Instituição Pública de Estado?

Nosso país vive um curioso paradoxo: de um lado, anuncia-se um crescimento de 2,9% do PIB no ano de 2023, supreendendo positivamente aos “mercados” (leia-se os donos do poder econômico). A taxa de desemprego de 7,8% em 2023, é a menor desde 2014 e mantém viés de baixa neste início de ano. A renda de cada morador dos domicílios brasileiros ficou maior em 16,5% na média familiar mensal (sem descontar a inflação). A própria inflação caiu, puxando para baixo os juros. O Brasil manteve o posto de 9ª maior economia do planeta, o que não é pouco. A Petrobras apresenta o segundo maior lucro líquido de sua história, de 124,6 bilhões de reais, o terceiro maior entre as companhias petrolíferas do mundo. Assim, vai poder criar um Fundo de 1 bilhão de dólares para investir em projetos de baixo carbono. Isso, sem prejuízo de pagamento normal de dividendos a seus acionistas. *** Apesar dos resultados, pesquisas de opinião pública revelam que 38% dos entrevistados acham que a economia piorou (Instituto Quaest), o que é contraditório. A menos que a população esteja com o pensamento, correto, de economistas como Eduardo Giannetti, para quem o PIB não é uma boa medida de riqueza e desenvolvimento do país (Exame, 16 de junho de 2022), ou do professor Stiglitz, Nobel de Economia, que busca desenvolver o FIB, índice de Felicidade Interna Bruta. *** Quanto à Petrobras e seus acionistas rentistas, a reação não causa estranheza. Estranho foi uma empresa PÚBLICA, optar por pagar dividendos elevados aos capitalistas em anos anteriores, sem se preocupar em assegurar recursos para financiar fontes alternativas de energia, que permitissem ao país e ao povo brasileiro se beneficiar de processo essencial de transição energética. Afinal, os acionistas (rent seekers) só desejam auferir e extrair os maiores ganhos possíveis, para suportarem, cheios de grana, o derretimento do planeta causado pelas mudanças climáticas, resultado do aquecimento global, que eles negam. *** Parte da explicação para o contrassenso pode ser atribuída ao grau polarização que experimentamos, alimentada por extremistas e fascistas que sonham em adequar a democracia a seus valores, princípios (se existentes!) e preces. A teologia da dominação avança em todo mundo, e manipula a população brasileira, cujo tempo para fazer leituras criíticas e se informar acaba sendo consumido em ações voltadas à garantia de sua sobrevivência. Dessa forma, a população não se dá conta do objetivo do projeto a que serve de massa de manobra. Outra explicação consiste no fracasso da nossa democracia dita representativa dar conta de, pela via eleitoral e em meio ao ambiente dominado pelo neoliberalismo e individualismo exacerbados, atender aos reclamos e demandas dos mais desfavorecidos. *** Para estes mais miseráveis e famintos (de tudo!), as eleições servem somente para permitir um rodízio de nomes no governo, a cada dois ou quatro anos, além da renovação de promessas e de seus estoques de sonhos e ilusões, transformados em frustrações logo em seguida. Privada de educação formal, essa população intui que, qualquer que seja o eleito, de qualquer ideologia partidária ou viés político, as medidas por ele adotadas irão beneficiar sempre a um mesmo público: os super-ricos, os rentistas, a minoria privilegiada, dona do poder que sua fortuna o permite comprar sem qualquer pudor. Em minha opinião, essa pode ser uma das causas da decisão de voto tomada sob o argumento do desespero, a influência de caráter extremamente autoritário e messiânico, vendedor de ilusões, hierarquia e ordem. *** Enquanto isso, Brasília acompanha a utilização de vários instrumentos e mecanismos de pressão e chantagem praticados pelo Congresso e seus membros centrais. O que dá tempo ao Legislativo para manter o governo refém de suas vontades e arrebatamentos, e agravando mais a avaliação negativa do governo. Tal situação faz com que, embora fossem urgentes o encaminhamento pelo governo das propostas para discussão e regulamentação da Reforma tributária aprovada, e o exercício de sua liderança no aprofundamento desta reforma, para etapas de discussão de alterações na tributação da renda, grandes fortunas e propriedades, o executivo passa seu tempo negociando, não sem dar passos atrás em projetos de incentivos, enquanto grupos de deputados apresentam propostas de regulamentação que visam abrandar mais o texto que resolver o problema de caixa do governo. *** Nessa direção, da discussão de o que fazer com o bode propositalmente colocado na sala, Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central e seus colegas de Diretoria Colegiada, cuja remuneração situa-se abaixo de ridículos 20 mil reais, elabora e entrega a um senador que passa a agir como seu preposto, uma Proposta de Emenda Constitucional, a PEC 65, já apelidada de 64+1, em homenagem aos 60 anos do golpe da ditadura militar. Tal proposta não discutida com o corpo funcional do Banco, com técnicos do governo, nem com a sociedade, visa transformar o Banco Central, de autarquia especial, em empresa pública especial, com poder de polícia, e principalmente: autonomia financeira para poder fixar os salários sem estar sujeito à determinação do Orçamento Geral da União – OGU. *** Esta empresa passaria a ter como receita própria ou principal, a receita definida de forma incorreta como senhoriagem (como o demonstra o professor José Luiz Oreiro em publicação de 8 de março), além de rendimentos de títulos mantidos em seu poder para fazer política monetária e rendimentos de variações cambiais sobre as reservas mantida pelo país. Pelo projeto, senhoriagem não é o valor de face da cédula de papel moeda que o BC determinou que a Casa da Moeda imprimise, para circular pelo seu valor de face subtraído o custo da impressão desta cédula, mas seria dada pelo custo de oportunidade de agentes financeiros manterem títulos que rendem juros no lugar do papel moeda que nada rende. *** Fosse essa a receita de senhoriagem, bastaria o BC puxar sempre para cima a taxa de juros ou Selic, paga pelos títulos, para expandir o interesse das instituições financeiras em manter menos moeda e gerar mais receita. Ou seja: para bancar seus salários de mais de 100 mil (da diretoria, não necessariamente de seus auditores), bastaria o BC elevar os juros via Copom e, i) quebrar a economia do país e impossibilitar seu crescimento, via investimentos, criação de emprego e renda); ii) dados os juros elevados, provocar o aumento do déficit global e da relação Dívida/PIB, colocando cada vez mais o governo dependente dos donos de recursos em condições de bancarem os empréstimos ao governo; iii) atrair o influxo de capitais externos especulativos e rentistas para nosso país, promovendo queda do valor do dólar frente a nossa moeda. *** Ou seja: o BC controlaria não só a política monetária mas, indiretamente, política fiscal (de juros sempre necessariamente maiores), a política cambial e até a política industrial vitimada pela destruição da indústria nacional. Sob a desculpa de elevar salários, se esconderia a verdadeira vontade dos economistas liberais ou do mercado: tirar do governo democraticamente eleito, e passar aos interesses do mercado, a capacidade de governar e adotar as propostas que o fizeram vencer as eleições. *** Este projeto seria mais reforçado por retirar o BC do controle do CMN (dominado pelo governo) e passar seu controle e fiscalização para o Congresso e os representantes eleitos sob o patrocínio do poder e a influência de pesados e escusos interesses financeiros e da mídia corporativa. A teoria da captura, e sua evolução posterior, teria laboratório privilegiado para aplicação prática e experimentos que permitissem o avanço do conhecimento na área. *** Diz a Ciência Política que ao Estado está assegurado o MONOPÓLIO da violência institucional, da violência armada, exercido por meio de suas forças militares, de defesa e segurança. Também é reconhecido o MONOPÓLIO da arrecadação de tributos pelo Estado, sob a Receita Federal. Pode se admitir que, por delegação do Presidente da República, a Constituição Federal dá ao Itamaraty poder de representação externa do país. Esquece o malfadado projeto que também o BC, por força do contido no artigo 164 de nossa Constituição detém a competência exclusiva ou o MONOPÓLIO da emissão monetária e controle da liquidez, equiparando-se aos outros tipos de monopólios e órgãos que os exercem, na definição do que são as INSTITUIÇÕES TÍPICAS DE ESTADO. Jamais uma empresa.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Detalhando o processo orçamentário em nosso país

 


link do youtube: https://youtu.be/yiQVJBv7EbI

O Artigo 165 da Constituição Federal de 1988, incluído no Capítulo II - DAS FINANÇAS PÚBLICAS, Seção II que trata DOS ORÇAMENTOS, atribui ao Executivo a obrigatoriedade de apresentação de um conjunto de leis que estabelecerão o Plano Plurianual (de ação)  – PPA, as diretrizes orçamentárias – a LDO e os orçamentos anuais -LOA.

Era objetivo do Constituinte a adoção, pela Administração Pública, de um processo de planejamento visando racionalizar a utilização de recursos para atingir a objetivos socialmente aprovados eleitoralmente, tanto a longo prazo quanto no curto prazo.

Sob essa ótica, o processo deveria vincular e tornar compatível ao Plano, tanto as diretrizes orçamentárias quanto a peça orçamentária anual, assegurando a compatibilidade, consistência e coerência entre tais leis.

***

Para o constituinte, o objetivo do PPA seria viabilizar e organizar a ação pública, definindo e apresentando à sociedade o conjunto de políticas públicas para 4 anos, composto por objetivos, programas, metas e iniciativas de ações a serem adotadas para sua implementação.

Em sua elaboração o PPA deve apresentar uma visão de futuro, os macrodesafios identificados e os valores que guiariam o comportamento da Administração Pública, de forma a permitir à sociedade acompanhar e fiscalizar o cumprimento das promessas eleitorais.

Por ser voltado ao futuro incerto e mutável, o planejamento deve ser entendido como uma documento indicativo, NÃO IMPOSITIVO, o que permite correção de rumos, alterações e ajustes.

***

Quanto à LDO, o legislador exigiu que definisse o conjunto de metas e prioridades da Administração, servindo também para balizar e orientar a LOA que irá vigorar no ano seguinte. Seguindo a lógica já referida, a Lei determina a compatibilidade da LDO com o PPA.

Quanto à LOA, é o documento que deve apresentar os números de receita e despesas que caracterizam tanto o Orçamento Fiscal, como o Orçamento da Seguridade Social e o Orçamento de Investimento das Estatais. Tais valores constam de ações que integram os programas e iniciativas do Plano. 

***

Assinala- se que o PPA não se restringe ao aspecto orçamentário, sendo dotado de abrangência muito maior.

E que em todas as etapas desse processo, o Legislativo é chamado a exercer o papel de representação dos interesses da sociedade, seus vários grupos e classes sociais.

***

Quanto ao Orçamento Fiscal, é ele que deve estabelecer as Receitas tributárias (impostos, taxas e contribuições), a que se somam as receitas financeiras, receitas de propriedade e outras extraordinárias, enquanto do lado das Despesas devem ser indicados os gastos necessários ao funcionamento da máquina pública,  compostos de pagamento de funcionários, assistência social e previdência, material de consumo, equipamentos,  energia e água entre outros, além das despesas financeiras, como os juros da dívida pública.

Da comparação entre as receitas e despesas, é que surge o resultado fiscal: se as receitas são maiores que as despesas, haverá superavit. Ao contrário, quando as despesas, deixando de fora aquela prevista para pagamento de juros, superar a arrecadação, teremos a ocorrência do chamado déficit primário, o bicho papão do equilíbrio orçamentário e da economia do país, seja lá o que este equilíbrio possa significar. [Ou: se Receitas Totais menos (Despesas – Juros) < O, surge o déficit primário].

***

De imediato, alerta-se que são os superávits primários que asseguram o pagamento dos juros da dívida pública, que é aquela quantia de recursos que os mais ricos emprestaram ao governo em anos em que os gastos superaram a arrecadação ou o resultado foi negativo.

O que permite entender a razão de tanta cobrança dos mercados, dos banqueiros, dos analistas financeiros, grandes empresários e até da mídia, para que o governo adote como dogma de fé e sua principal tarefa, impedir o surgimento de déficits primários. Déficits zero ganham o altar da devoção dos mais ricos e os gastos públicos passam a ser condenados às chamas do inferno.

***

O que equivale a afirmar que para pagar aos ricos, prega-se a redução dos custos. Que custos?

Elementar meu caro Watson: os gastos sociais, os benefícios sociais, os gastos previdenciários (razão de tantas reformas sempre prejudiciais à população), o aumento de saláros dos funcionalismo, normalmente tratados como um grupo de profissionais desprovidos de inteligência, iniciativa, competência e capacidade para cumprir as funções que deles se espera.

Em resumo:  gastos vinculados à presença necessária do Estado na economia, para reduzir o vergonhoso padrão de distribuição de renda e de oportunidades ou para assegurar condições mínimas de sobrevivência digna para amplas faixas da população. Vários destes gastos são criticados por economistas de inspiração liberal, aliados aos mercados, que os acusam de ser fruto de uma visão utópica de sociedade, menos injusta. Visão impossível de ser posta em prática, embora presente como regra (letra) morta em nossa Constituição.

São exemplos as despesas com o sistema de saúde público, com o ensino gratuito universal, com segurança e mobilidade que permitam ao cidadão ir e vir com tranquilidade e liberdade.

***

Outro motivo de queixa são aqueles gastos que, uma vez não realizados decretariam a instauração do caos no funcionamento da máquina pública, o que serviria para expor as gritantes deficiências do Estado gestor e trariam, de carona, a eterna e fantasiosa, por falsa, proposta de entregar a gestão dos bens públicos ao sistema de mercado, onde eficiência e qualidade são hipóteses mais que resultados.

Abrem-se assim, espaços para o ingresso da iniciativa privada, em busca de lucros, em setores onde o retorno público, mensurado por maiores e melhores condições de vida deveriam ser a métrica.

***

No Brasil, agrava-se esta situação pelo fato de o orçamento fiscal que vimos abordando baseia-se, pelo lado da receita, em uma tributação regressiva e iníqua sobre o consumo, atingindo a ricos e pobres de mesma forma, impedindo a implementação de se fazer justiça tributária, o que exigiria maior incidência e tributação sobre as rendas mais elevadas das classes mais ricas e poderosas.

Além disso, interesses financeiros poderosos e pouco transparentes acabam contribuindo para a formação de corpos legislativos caracterizados por um arremedo de participação  “DEMOCRÁTICA” (apenas por serem escolhidos pelo voto popular) mas sempre dispostos a conceder benefícios apenas a uma classe de pessoas. Dessa forma, visando reduzir os custos da produção e da atividade econômica, vê-se uma verdeira enxurrada de leis concedendo  subsídios, incentivos.

Tal farra de bondades caracteriza verdadeiro “gasto fiscal”, apenas que  não aparente. Nesse caso, a receita se reduz pela menor incidência tributária que atinge a tais empreendimentos.

Se do lado da receita os problemas são sérios e nunca discutidos como necessário, a situação não tem alívio, examinada pela ótica da despesa.

***

Classificadas em dois grupos: 1) de  despesas obrigatórias - que não podem deixar de ser liquidadas, como pagamento de pessoal, aposentadorias e benefícios sociais, encargos da dívida e etc.  – e 2) de despesas  discricionárias, que o governo pode empregar para as finalidades e objetivos de ampliar o desenvolvimento e o crescimento econômico expressos no PPA, perto de 95% da despesa fiscal corresponde às obrigatórias.

Tal situação engessa a atuação do governo, deixando margem limitada de recursos para financiamento de gastos destinados a ampliar os investimentos e aprimorar a qualidade dos serviços públicos. Também impede ao governo adotar ações que visam o crescimento econômico e a geração que daí decorre, de aumento do emprego e da renda.

***

Daí a nossa afirmação em pitaco anterior de tratar-se de um golpe legislativo a tentativa do Congresso de apoderar-se de recursos orçamentários, sob a falsa premissa de que conhecem melhor as carências e necessidades das comunidades que representam.

Repetimos: essa afirmação rompe a ideia da Constituição de um sistema de Planejamento racional, sujeito a coordenação, consistência e coerência interna.

De outro lado permite a conclusão óbvia: nosso regime democrático, supostamente baseado na possibilidade de rodízio de poder pelo sistema do voto, é um engodo. Falso, por não conseguir atender às necessidades reais, de grupos mais populares, cujas demandas são sempre postas de lado e acusadas de serem gastos excessivos.

Por fim, a busca de um superávit primário ou de déficit zero, ou em síntese a busca de austeridade é apenas mais uma forma de manifestação de que os recursos extraídos de toda a sociedade devem atender apenas aos interesses dos mais poderosos. Ou seja, uma forma política da apropriação de recursos pelos que tudo 

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Fim de carnaval; início de ano ou o ano já traz motivos suficientes para atenção?

 


Pelo link do youtube: 


https://youtu.be/fWVeHiiY7wo

Dentre o conjunto de experiências que conformam o senso comum, uma noção muito difundida atribui uma capacidade de expansão ilimitada ao conhecimento.

De acordo com a experiência popular, isso se dá uma vez que, enquanto a quantidade de conhecimento detida pelo transmissor não se reduz, novo conhecimento será gerado e incorporado ao sujeito alvo da processo de transmissão.

Situação que ilustra a característica positiva identificada pelo filósofo Antonio Gramsci no conhecimento popular, que todos têm e produzem.

***

Mas muitos alertam que nem sempre o conhecimento vulgar ou prático é positivo ou está correto. Afinal, se uma mentira repetida várias vezes tem o poder de ser reconhecida e aceita como uma verdade, ela não tem o poder de ser,  nem de mudar a verdade.

Ainda que difundida pela máquina de propaganda de Goebbels, ou pelas narrativas e fake news que invadem cada vez mais as redes sociais.

Irresistível não citar Umberto Eco, para quem “ a internet deu voz a uma legião de imbecis”.

***

De igual forma, o senso comum viraliza uma grande asneira, ao afirmar que no Brasil, o ano só começa depois do carnaval. O que é totalmente fake.

Que eu tenha ficado desde dezembro curtindo o recesso de festas de fim de ano, que tenha passado janeiro sem qualquer pitaco e esteja retomando-os apenas agora, findo o carnaval, não significa que não tenha havido motivos para manifestação.

O motivo de meu silêncio está mais na conta de minha incapacidade de tratar temas tão complexos e sobre os quais não apresento o domínio necessário.

***

Não falo das discussões econômicas e do embate vergonhoso pela disputa de verbas orçamentárias, travada de um lado por um Congresso que visa mais os interesses paroquiais de seus membros que a melhoria das condições de vida do povo.

Um Congresso a um passo de ser taxado de chantagista, que negocia verbas na tentativa de manutenção de um governo refém, Legilativo muito próximo de se tornar completamente venal.

Um Legislativo que obriga ao pagamento escandaloso de verbas destinadas a emendas parlamentares, impositivas, sob o argumento de que suas nobres excelências (ou excrescências) sabem melhor das necessidades dos rincões transformados em currais, de onde se originam.

***

Vejo aqui um desrespeito à própria Constituição Federal cidadã, que ao tratar do processo orçamentário determina que o governo de plantão apresente, no primeiro ano de seu mandato, um PPA – Plano de Ação Plurianual, a ser deliberado, votado e aprovado pelo Congresso, para vigorar a partir do segundo ano, como lei. Com vigência para os próximos 4 anos (entrando no primeiro ano de mandato do sucessor).

Ora, se há um plano estratégico para o país, elaborado com contribuições de nossos representantes, ações financiadas fora desse escopo e de forma completamente descoordenada são apenas uma forma falaciosa de atender melhor aos interesses da comunidade. Atende sim, ao interesses eleitoreiros.

***

Da igual forma, expandir os valores do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário para cerca de 5 bilhões de reais não é apenas chantagem deslavada ou um acinte. Considero um ato de agressão. Um tapa na cara da população que passa fome e padece da miséria, dependendo de auxílios sociais para manterem um mínimo de padrão de vida e dignidade.

Mas, esses gastos, que o Executivo veta, e cujos vetos estão sob a ameaça de serem derrubados tendo em vista um alegado respeito a pretensa separação e autonomia entre os Poderes, não são os gastos que a midia, na defesa de seus interesses empresariais e de seus anunciantes – banqueiros, financistas, agrotrogloditas, aproveitadores de negócios de toda origem ou espécie – acusam de estarem estourando as metas fiscais, expandindo gastos populistas, ampliando a dívida e prejudicando o ambiente de negócios no Brasil.

***

Impedindo a queda das taxas de juros, a expansão do crédito e dos investimentos, enfim, o crescimento dos lucros do país. Isso, quando os maiores bancos anunciaram trágica queda de lucros no ano de 2023, para a bagatela de 97 bilhões. Isso em um país que estudos de dados da Receita indicam que  a renda da parcela dos mais ricos ampliou 3 vezes mais que a da maioria da população e pode dobrar em 5 anos. Ou que aumentou quase 4 pontos percentuais a proporção do bolo apropriada pela parcela de 1% mais rico, dos quais, o milésimo mais rico apoderou-se de 80%.

Mas a medida de reoneração da folha de pagamento, adotada por Medida Provisória pelo governo já nos últimos dias de 2023, e que o Congresso ameaça vetar, é capaz de unir congressistas, empresários e até os donos de meios de comunicação que ganham com a desoneração aprovada pelo Legislativo para vigorar até 2027.

***

E dá-lhe editoriais malcriados a desancarem a gastança do governo, incapaz de fazer a reforma administrativa que eles cobram, atingindo servidores e serviços públicos, para que, revoltada e mau atendida, a população mais carente ocupe as ruas em manifestações pela privatização do que o governo “é incapaz de fazer”.

Ora, já falamos antes que entendemos a desoneração como a forma de retirar do empresário nacional a sua cota de participação no financiamento tripartite (governo e empregados, nas outras partes) e solidário, inclusive intergeracional que é a base de sustentação do regime de Previdência Social que os mercados querem privatizados.

***

São muitas as questões econômicas e de políticas públicas, de cunho fiscal, monetária, industrial. Mas devo ainda tratar de outras duas questões: o escândalo das provas, em mais uma reunião ministerial que deverá entrar para os anais da história (a de abril de 19 e agora julho de 22) de tentativa de derrubada do Estado Democrático de Direito sob a liderança do golpista que chefiava o Executivo.

Mais uma vez sendo o covarde que sempre foi, o inelegível mentiu aos seus companheiros de que a reunião não estava sendo gravada. Depois propôs o golpe pela virada de mesa. Antes das eleições. De forma a melar o jogo.

Quanto aos atos de violência, nada mais fez que os incitar. Afinal, se não cancela as eleições – golpe 1 - e não as vence, haveria um caos no país, com risco de sair preso do Planalto.

***

Claro que os patridiotas iriam agir, como já estavam agindo a julgar pela confissão de heleninho, com a cara que qualquer mau-caráter usaria sem rubor. Isso, para mostrar de vez de material são feitos nossos militares.

Guedes ficou em silêncio. Para quem trabalhou no governo Pinochet, teria outra forma de se comportar?

***

Volto a tratar dos pitacos e agora com mais constância. Afinal, muitas questões preocupantes assolam nossa realidade e, mesmo que eu não seja o mais capacitado a tratá-las, não posso perder a oportunidade de dar alertas.

Afinal, como tratarei pitaco próximo, nessa democracia de araque que parece estarmos vivendo (vide A ordem do Capital de Clara Mattei), todo cuidado e alerta é pouco.

 

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Governo e Legislativo e outros interesses: a questão fiscal e a desoneração da folha




 link do youtube: https://youtu.be/k124Y0ASCjc

A disputa pelo controle e exercício do poder entre um governo de viés progressista, eleito por  amplo arco de alianças (da centro-direita à esquerda) e um Legislativo de perfil conservador, com destaque para representantes da extrema direita e  ultraliberais próximos do anarcocapitalismo, abre espaço para que ganhe peso e importância o grupo do Centrão.

 

Fiel da balança, e sem qualquer pudor em adotar comportamentos pouco republicanos, este grupo  reveste-se de face moderna do velho patrimonialismo - de assalto e  apropriação do Estado e seus recursos por interesses privados, em benefício de grupos privilegiados, quando não  motivados pela preservação e reprodução das forças políticas retrógradas que representam.

***

Beirando a chantagem em vários processos de negociação (por cargos e verbas!) o Centrão não se preocupa em aprovar as medidas necessárias para sanar os graves e urgentes problemas de nosso país, a saber: a modernização de um regime de tributação que simplifique e amplie a arrecadação, ao tempo em que promove um sistema tributário mais justo, equânime e eficiente, eliminando distorções vergonhosas e excludentes.

 

Ampliada a arrecadação, com o objetivo de promover a justiça social, o governo poderá elaborar e  implementar um plano racional visando financiar gastos que criem um ambiente favorável de negócios, capaz de estimular um processo de investimentos privados que alavanquem nosso desenvolvimento econômico e social, com crescimento da produção e renda e mais justa distribuição das riquezas geradas.

***

A prática de postergação e letargia, característica do Legislativo, apenas acentua o sentimento de frustração da população alijada de qualquer perspectiva de melhora de suas condições de vida.

 

Afinal, se foi aprovada e promulgada a proposta governamental do novo regime fiscal e de controle de gastos públicos (que inclui, de forma equivocada e subalterna aos interesses dos mercados financeiros, a meta de déficit primário zero para 2024), não há sinais de qualquer outro avanço mais significativo, nem de aprovação do arremedo de reforma tributária de unificação, uniformização e simplificação dos impostos indiretos – o IVA.

***

Quanto a essa “reforma”, vale alertar ser o IVA,  o tipo de tributo mais iníquo, incidente sobre o consumo de forma indireta, em desrespeito ao princípio internacionalmente consagrado da capacidade contributiva, onde quem mais tem, mais paga.

Isso porque os mais pobres pagam o mesmo percentual e valor, na aquisição de bens duráveis, que o valor pago pelos mais ricos, supondo zerada a alíquota dos alimentos da cesta básica.

***

Sem contar o choro, lobbies e pressões para setores específicos terem alíquotas diferenciadas, mais reduzidas.

Enquanto isso, uma verdadeira e necessária reforma, mais justa e que nos aproxima de padrões de tributação das economias democráticas mais desenvolvidas, fica parada nos gabinetes e comissões da Câmara, como a taxação de offshores, de fundos exclusivos, de apostas; ou a instituição do imposto sobre patrimônio e heranças ou o aumento da progressividade do Imposto de renda.

***

Curiosamente, agindo rapidamente na defesa de interesses dos mais privilegiados, o Congresso aprova a desoneração da folha de pagamentos, vetada por Lula e sob ameaça de derrubada do veto por pressão dos setores beneficiados, supostamente geradores de empregos.

Sobre a proposta de desoneração destacamos tratar-se de mais uma jabuticaba tupiniquim pois,  se a concessão de benefícios fiscais (isenções, incentivos) a setores e agentes econômicos potencialmente aptos a competirem e conquistarem espaços importantes no mercado é  política econômica adotada pelas principais economias do mundo, ela é adotada com prazo de validade determinado.

Sem as prorrogações que eternizam os mecanismos de redução de custos de operação para superação de problemas conjunturais com os agentes se defrontam.

***

Ao lado da eternização de privilégios, a proposta de concessão de benefícios não define objetivos, não fixa metas quantitativas nem cronograma de obtenção de resultados, gerando a ausência de controle, fiscalização e avaliação da medida.

A política transforma-se, assim, em ilustração do patrimonialismo, da escandalosa força e influência de setores econômicos dominantes. Em detrimento da ampla maioria da sociedade.

***

Iniciada no governo Dilma como resposta à crise econômica, e visando promover a desoneração da folha de pagamentos para permitir a manutenção ou expansão do nível de emprego para um número restrito de setores, a medida foi sendo ampliada, sem a comprovação de ter trazido os benefícios previstos.

 

De concreto, a troca da contribuição patronal de 20% sobre a folha de pagamento por um percentual entre 1 e 4% do faturamento bruto ampliou o déficit da Previdência Social, o que levou a que todos os governantes (inclusive Dilma) tentassem, inutilmente, reverter a medida.  

***

Estudo feito pelo IPEA, com dados de 2009 a 2015 extraídos da Relação Anual de Informações Sociais concluiu que “no geral, os resultados obtidos apontam para a ausência de efeitos da política sobre o volume de empregos”.

Na mesma direção outros estudos e analistas, utilizando metodologias distintas,  chegaram à igual conclusão: o efeito duvidoso sobre o emprego e produção, ao lado de  perda crescente de receita para a Previdência.

***

A reação e a ameaça de derrubada do veto de Lula apenas encobre a real intenção da medida: reduzir custos e ampliar as margens de lucros dos setores escolhidos.

Que não se incomodam de gerar mais déficits para a Previdência, com impactos para as contas públicas e a previsão de déficit primário e privilegia os empresários constantemente em busca de fugir a sua responsabilidade de contribuir com uma parcela para o modelo de financiamento tripartite da Seguridade Social, entre governo, empresários e trabalhadores,  e que é base – cada vez mais destroçada – de nosso pacto laboral.

terça-feira, 24 de outubro de 2023

Uma visão de planejamento e política econômica e industrial necessária para o pais mais rico e mais justo





link: https://youtu.be/QMkX5oVEEWQ 

Pitaco da semana passada, mencionava haver uma luz de esperança em nosso país, dada por sinais de crescimento não sustentado de nossa economia, a partir da elevação de gastos públicos em programas de transferência de renda e pelo consumo das famílias beneficiárias destes programas.

O aparente otimismo baseia-se nas previsões de um crescimento do PIB próximo dos 3%, que recoloca o Brasil dentre as 10 maiores economias do mundo, e gera um quadro de expectativas positivas fruto do ambiente de estabilidade criado pelas políticas econômicas.

***

A retomada de um ambiente de confiança, não nos exime de fazer algumas observações necessárias, para qualificar melhor nosso raciocínio.

A primeira e principal observação trata de que este crescimento tem muito pouco valor, se não adotarmos políticas para distribuir de forma mais justa e equânime seus benefícios.

Outra observação diz respeito à importância, para a expectativa de expansão do consumo das famílias, do relançamento, resgate, reforço e ampliação do Bolsa Família, com regras mais bem definidas (inclusive quanto a contrapartidas), que permite a criação de um clima de otimismo junto a todos os agentes econômicos.

***

Como o amigo, colega e professor Daniel Amorim, observou em comentário ao pitaco, “a literatura científica tem mostrado a existência de uma relação inversa e significativa entre índice de incerteza da política econômica e variáveis como investimentos e PIB” uma vez que a criação de um ambiente positivo traz estabilidade, reduz a incerteza macroeconômica e permite previsibilidade.

***

Uma terceira observação, necessária, vincula a expectativa de aumento do consumo ao programa Desenrola Brasil, desenhado pelo governo a partir de aperfeiçoamento de ideia original do ex-candidato Ciro Gomes.

Em suas várias fases, e a partir de livre negociação entre vários tipos de credores (agentes financeiros, administradoras de cartão, empresas varejistas e fornecedoras de serviços públicos) e as mais de 76 milhões de pessoas endividadas e inadimplentes, o programa estimulou a oferta de descontos significativos que facilitam a renegociação e o refinanciamento das dívidas. Adicionalmente, e com o mesmo intuito, incluiu o perdão/cancelamento de todas as dívidas de até 100 reais, beneficiando a 1,5 milhão de pessoas.

***

Outra observação compara este programa Desenrola com outros programas de ajuda, estímulo à reestruturação e apoio financeiro a outros segmentos econômicos como o PROER, em 1995, voltado ao sistema bancário nacional; o PROES, visando ao saneamento dos bancos públicos, como parte do programa de privatização do governo FHC; o refinanciamento de dívidas dos grandes agricultores, principalmente junto ao Banco do Brasil, ainda no anos 95/96.   

Restaurando a dignidade e até a cidadania, este PROER dos inadimplentes nos autoriza a parafrasear o slogan de propaganda famosa: “restaurar o auto respeito, a confiança e possibilitar que milhões de pessoas voltem a andar e a fazer compras de cabeça erguida, com o nome limpo na praça não tem preço”. 

***

Uma última observação se deve ao alerta de que, por mais deva ser comemorada a melhoria da expectativa de crescimento de nossa economia, trata-se de uma expansão não sustentada ou, do tipo voo de galinha, como alguns economistas e analistas de mercado insistem em classificar.

Explico: tanto os gastos públicos para o reequipamento e a reestruturação de uma série de instituições e políticas sucateadas pela insânia que passou como autêntico vendaval no último governo; quanto os gastos de consumo mais elevados,  aguardados, não são suficientes para assegurar a retomada ou continuidade do crescimento de nossa economia nos anos a seguir.

***

O alerta feito no pitaco anterior levou alguns seguidores dos pitacos a solicitarem uma melhor  explicação deste fenômeno.

Para atendê-los, há que se admitir que tanto gastos públicos quanto de consumo ampliam a demanda total do país. Mas não asseguram, exceto em alguns setores como o de serviços (comércio, serviços pessoais, etc.),   que para o atendimento dessa maior demanda, não bastará o maior uso e venda de produtos em estoques, ou apenas a ampliação das jornadas de trabalho, com horas e turnos extras. No limite, com a contratação de temporários.

***

A expansão da oferta ou produção por adoção das formas citadas nos mostra que que tal processo não dá origem, necessariamente, a um processo de investimento. Nem mesmo de expansão do nível de emprego com novas contratações de trabalhadores, salvo aquelas temporárias que, por seu caráter de incerteza não elevam o nível de confiança e mais gastos.

Não se nega que as vendas aumentam, junto com lucros e até remunerações (extraordinárias), o que não garante que, em anos posteriores, o país terá condições de produzir mais, e melhor, nem de expandir a força de trabalho empregada.

***

Para um crescimento autêntico, sustentado, necessita-se  a realização de gastos de investimento ou acumulação de capital, em volume maior que o mínimo necessário para repor as máquinas e equipamentos desgastados pelo uso ou tempo. É necessário haver investimento líquido, novo, positivo (superior ao de reposição).

Além do ambiente saudável de negócios e da segurança de manutenção das regras do jogo, este crescimento depende de programação de estímulo e desenvolvimento, em especial creditício, à realização de investimentos em obras de infraestrutura,  na modernização da indústria, agora sob novo padrão tecnológico e nova matriz energética, o que demanda programas de conversão energética, que visem a inserir o parque produtivo em um novo paradigma de desenvolvimento tecnológico, avançado e ambientalmente sustentável.

***

Isso exige o resgate da institucionalidade de um processo de planejamento e programação, com acompanhamento, controles e fiscalização de cronograma físico e, especialmente financeiro de obras.

Impede que o governo promova cortes e bloqueios de verbas orçamentárias, na busca de um equivocado equilíbrio fiscal, com destaque para cortes de verbas vinculadas à educação, centros de pesquisa e formação de pessoal qualificado, institutos de desenvolvimento de pesquisas científicas e tecnológicas, além da saúde e prevenção sanitária.

A retomada de um processo de desenvolvimento via inversões que ampliam a capacidade produtiva, a partir de implementação de um política econômica consistente, principalmente do ponto de vista da ampliação das operações de crédito,  além de crescimento sustentado traz como benefício a redução da importância do capital financeiro e dos ganhos especulativos de caráter “rent seeking” (em busca de lucros individuais, a qualquer custo), promovendo um reequilíbrio de forças e interesses entre este capital estéril e o capital produtivo, gerador de riqueza, emprego e um padrão de vida mais justo e equânime.

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Pitacos e reflexões sobre conteúdos das redes sociais

 



link do youtube: https://youtu.be/cuxU9ByVY08

Circula nas redes sociais texto atribuído ao farmacêutico Meyer M. Treinkman, de resposta crítica a recomendação feita pelo líder supremo do Irã, o aiatolá Ruhollah Khomeini, para o mundo muçulmano boicotar tudo e qualquer coisa de  origem judia.

Apesar de bastante comum, este tipo de campanha de boicote a produtos e a determinadas marcas, sempre tive muitas dúvidas quanto à eficácia de tal comportamento. E não de agora.

***

Sempre fui reticente quanto à capacidade de um boicote de consumidores, por exemplo, a determinada marca de combustível ou à compra de carne de boi em geral ou de determinado frigorífico, provocar a queda do preço considerado abusivo.

Também sempre duvidei da eficácia de um boicote a qualquer marca determinada por que seu fabricante não adota uma abordagem com base na E-S-G (governança ambiental, social e corporativa), ou desrespeita ou descumpre a legislação trabalhista, ou por questões de crenças religiosas, ou simpatias políticas.

***

Sem citar produtos ou marcas, todos sabemos da cultura do boicote de que o Brasil tem se tornado terreno cada vez mais fértil, tendência revigorada pelas redes sociais e transformada em ‘campanhas de cancelamento’ (até de pessoas!).

Reconheço que minhas dúvidas em relação ao boicote sempre tiveram como base a dificuldade de se obter a adesão de um número expressivo de consumidores, seja de forma individual ou em pequenos grupos familiares ou sociais, portadores de um forte sentimento de objetivo comum, capaz de atingir um grau de coordenação e controle que concretizasse a ideia de que, “agindo em conjunto, sem consumir, a demanda reduziria e, pela lei da procura e da oferta, os preços cairiam”.

***

Claro, este raciocínio tem como ponto de partida o  pressuposto equivocado e enganoso da existência de uma “lei da procura e oferta”. Lei que, conta a lenda, para o professor Delfim Neto, foi mais uma das várias outras tantas leis que não pegou em nosso país, virando letra morta.

É que fora dos manuais neoclássicos, em que desempenhava a função de omitir a influência e o poder de alguns agentes econômicos no mercado, essa lei só se aplicava, na prática, a raríssimos casos, sob condições particularíssimas - menos a regra que a exceção.

E isso era ensinado nos livros e cursos de introdução à Economia. Lição que mais tarde se fazia acompanhar da surrada máxima de que “na prática, a teoria é outra”.

***

A dificuldade de coordenação deste tipo de ações, a que sempre fiz referência, caiu por terra com o advento da internet e o desenvolvimento das famigeradas redes (anti)sociais.

O que pode ser ilustrado por exemplos de facilidade de troca de mensagens e postagens, como são os “flashmob” - grupo de pessoas recrutadas para se reunirem repentina e instantaneamente em um ambiente público, para promoverem uma apresentação que transmita alguma mensagem; ou mesmo para combinar previamente local e hora das atuais brigas de torcidas organizadas.  

***

Quanto à resposta do farmacêutico, minha primeira sensação é a de que trata-se de texto muito interessante e instrutivo. Contém várias informações que normalmente são desconhecidas ou caem no esquecimento. Deste ponto de vista, a  oportunidade que nos oferece de ampliar os nossos conhecimentos é  digna de consideração e agradecimento.

No entanto, ao meu ver, o texto é desigual e profundamente racista.

Desigual, por que, se formos aceitar a definição do Google, os judeus são membros de uma religião, o judaísmo; não de um grupo étnico. O site de buscas nos fornece, inclusive, uma explicação: a dispersão dos judeus (grupo étnico) pelo mundo, desde tempos antigos. O que os levou a diversas miscigenações (casamentos, conversões, etc.) que fizeram a etnia perder força frente à religião. Menos o vínculo genético, mais o espiritual.

***

A desigualdade do texto se dá porque confunde a origem étnica, com a religião, e até o país de origem das mentes brilhantes que lista. Assim, considera tanto  um gênio como Freud, austríaco e ATEU, crítico da religião;  quanto Ehrlich, alemão; um Paul Samuelson destaque de minha área, a Economia, americano;  e um Salk, norte-americano; refere-se a Bella Schick, húngara; Ludwig Traube, do Digitalis (e Digoxina), polonês; Minkowsky, da insulina, nascido na Lituânia, e os classifica a todos como judeus. Ainda na Economia cita como judeus ao russo Kuznetz; ao americano Milton Friedan; Arrow, Sollow, Markowitz, todos americanos.

Curiosamente, não lista o alemão  Karl Marx, filho de casal de rabinos. Nem se refere à família de judeus de origem alemã, os Rothschild, banqueiros de fama internacional. Talvez pela ligação com com o dinheiro, visto como instrumento de opressão, exploração e até perseguição! Algo sujo(?)

***

Como a ninguém passa despercebido o fenômeno da drenagem de cerébros (‘brain drain’), prática adotada desde sempre pelos EUA, não deve surpreender o fato de que foram os judeus de maior qualificação que tiveram a preferência de abrigo naquele país: os intelectuais, filósofos,  cientistas, pesquisadores, artistas, músicos. A estes, o país americano forneceu financiamento, acesso aos melhores laboratórios e equipamentos, além de um ambiente propício a que dessem vazão a sua genialidade de forma a produzir, principalmente, conhecimento.

Quanto aos “Zés, o homem comum do povo judeu”, que devem ter tido uma vida boa, simples, normal, sem nada de excepcional, os registros não tratam.

E  de Abraão, até os nossos dias, deve ter havido muitos milhões a mais de judeus comuns que  que os gênios listados.

***

Além disso, o texto é profundamente racista: islamofóbico. Ignora a importância da civilização mesopotâmica, assíria, egípcia; os avanços gerados pelos árabes na astronomia, química, e até na medicina: a pesquisa nos informa que, a partir de estudos de tratados de Hipócrates e  Galeno eles promoveram várias inovações, como a ideia da criação dos hospitais e de farmácias.

Mas, não é só. Poderíamos falar de Ibn Sina, ou Avicenna, autor de Canone da Medicina, obra utilizada no ensino médico por séculos, que descrevia diversas patologias de desordens centrais  e seus possíveis tratamentos, como as manias e alucinações, pesadelos, demências, epilepsia, derrame, paralisias, tremores e até distúrbios sexuais. A descrição que nos legou de estruturas anatômicas e de regiões do cérebro deixaram marcas: o nome das regiões e estruturas, utilizados ainda hoje.  

***

Interessante é que o texto apresenta uma  cronologia, faz uso de dados numéricos, esquecendo-se de que não fosse a matemática, os algarismos e a álgebra, nem mesmo o texto mesmo poderia ser escrito.

Pois é! Falando agora de evolução científica e tecnológica, a máquina de guerra montada por Israel e alguns dos judeus lá instalados (sionistas militaristas) é assombrosa. Mas, a principal arma utilizada: o corte do fornecimento de alimentos, água, energia, luz, combustíveis, a privação da liberdade de locomoção, é prática tão antiga quanto outros cercos, entre os quais o de Troia.

Aliás, os judeus que invadiram o Congresso americano pedindo imediato cessar fogo também são árabes terroristas?

Vale a reflexão:  quem é o responsável pela lavagem cerebral feita nas crianças árabes, que os leva depois a reconhecer como inimigo aquele que coloca sua sobrevivência em risco todo o tempo,? Seriam os palestinos radicais que, como eles, cresceram subjugados e submetidos a um tratamento que não é tolerado nem para animais?