terça-feira, 11 de julho de 2023

Razões e alguns dos benefícios da reforma tributária

 



Link do youtube: https://youtu.be/Oc8SnZwNxns

A Constituição de 1988, artigo 155 e emendas posteriores,  definiu a competência dos Estados e do Distrito Federal, para instituir impostos sobre a  circulação de mercadorias e prestação de  serviços de transportes (interestadual e intermunicipal) e comunicação.

Em pitaco anterior, assinalamos que o caráter de não cumulatividade do imposto foi definido pela própria Lei Maior, ao determinar que fosse abatido do total a ser recolhido com a venda em operação posterior (a venda do sapato, por exemplo) o valor  pago em etapa de produção anterior (venda de couro ou solado)

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Vale dizer que a tradição da não cumulatividade dos impostos incidentes sobre a produção e o consumo é consagrada desde a reforma promovida pela ditadura militar, o que os transforma em impostos sobre valor agregado ou adicionado - IVA.

Em seu livro Finanças Públicas: Teoria e Prática no Brasil, Giambiagi e Ana C. Além, assinalam que o Brasil  foi o segundo país do mundo a adotar tal sistemática moderna de tributação, atrás apenas da França.

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Ainda a título de referência histórica, desde sua criação nos anos 60, o ICM caracterizava-se pela adoção de uma alíquota uniforme.

Daí que, se fosse aplicada uma mesma alíquota sobre a base de cálculo em cada uma das etapas de uma cadeia de produção, o valor final recolhido deveria corresponder à aplicação da alíquota sobre o preço final do produto, pago pelo consumidor.

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Desejando fortalecer a noção do federalismo, a ideia da Constituição de 88 - artigo 155 e seus parágrafos - era permitir maior autonomia aos estados e municípios, assegurando-lhes o direito de legislarem sobre tributos de sua competência.

Quanto à forma de repartição e apropriação da arrecadação com o ICMS, optou-se pela adoção do princípio da origem, em contraposição ao principio do destino.

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Se a produção e venda de um bem se dá no interior de um estado, a escolha do princípio, se origem ou destino não vai trazer qualquer problema, já que a origem do produto (sua produção ou venda) será coincidente com o local de sua venda para consumo, ou seu destino. Qualquer dos princípios gerará recursos para o mesmo estado.

O problema surge quando o produto gerado por uma empresa localizada em um estado é destinado ou vendido em outra unidade da federação. Ou seja: o bem gerado por empresa mineira é vendido para consumidor cearense.

Neste caso, se vigora o princípio da origem (do bem) o valor arrecadado será apropriado pelo estado mineiro. Ao contrário, pelo princípio do destino,  a receita será do estado cearense, onde se encontrava o consumidor, agente destinatário do bem produzido.

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Na verdade, o problema que surge com a definição dessa sistemática nos obriga a perguntar sobre o objetivo fundamental e o interesse que move todo o governante ou político, a saber, a promoção de um processo de desenvolvimento econômico que permita ampliar as oportunidades de geração de emprego e renda para a população de seu estado.

Visando alcançar essa finalidade, buscam  fornecer as condições que permitam a criação de um ambiente de negócios saudável,  fortalecendo um mercado capaz de estimular o desenvolvimento de atividades produtivas, tecnologicamente modernas e competitivas.

Tal objetivo exige, além de investimentos na infraestrutura física (sítios adequados à instalação de complexos industriais, canais de comunicação e rotas alternativas para o escoamento da produção, entre outros), um outro tipo de infraestrutura, imaterial, que se efetiva na maior e melhor qualificação e capacitação dos recursos humanos da região, com a formação e manutenção de centros técnicos e universidades de excelência, além de centos de pesquisa.

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Embora tais estruturas sejam classificadas como sendo de maior preocupação e maior responsabilidade do setor público, elas devem ser complementadas ou suplementadas pelo necessário investimento privado, destinado a financiar os gastos capazes de alavancarem um  crescimento genuino, lastreado no processo de acumulação de capital e de seus efeitos cumulativos.  

Com o gasto de investimento, alimenta-se o processo multiplicador da renda, com a necessidade de atendimento da demanda de empresas recém instaladas servindo à expansão das atividades fornecedoras de insumos ou de complementos, todas dispostas a expandir a produção e o emprego, ampliarem a contratação de mão de obra e o nível de renda, o que deverá promover um ciclo virtuoso de aumento do comércio e novas contratações, etc.

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Se, por si só, a atração de empresas seria capaz de disparar um ciclo virtuoso de crescimento, tal preocupação, acompanhada da autonomia estadual para legislar sobre o ICMS de um lado, e da sistemática de arrecadação pelo princípio da origem, por outro, provocaram uma consequência trágica para as finanças estaduais: a guerra fiscal.

Desejosos de atrair empresas para se instalarem em seu território, e melhorar tanto o ambiente de negócios, emprego e renda, quanto fazer crescer a arrecadação do estado, os interesses políticos dos governantes os levou a abrirem uma concorrência desleal para atração de novos investimento, caracterizando uma verdadeira guerra fiscal.

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Importante arma dessa guerra foi a concessão de incentivos de várias espécies, mas principalmente fiscais,  às novas empresas, alguns com prazo de extensão por períodos de vários anos.

Para compensar a perda de receita daí advinda, os governadores apelaram para a promoção de alterações possíveis nas legislações do seu principal imposto, alterando alíquotas de outros produtos e criando uma legislação cada vez mais disfuncional e um emaranhado de leis cujo acompanhamento e interpretação exigia das empresas a montagem de batalhões de técnicos e especialistas que redundavam em custos elevados e perda de eficiência e lucratividade.

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Essas são algumas correções que a atual reforma se propõe a corrigir, na direção mais que correta, necessária.

Assim, a simplificação, a unificação dos impostos sobre o consumo em duas grandes categorias (IBS e CBS) e a adoção do princípio do destino são os pontos benéficos a serem citados

Apenas que, com o compromisso assumido por vários estados, de isentar o recolhimento de impostos originados no seu território frente à necessidade de manutenção de finanças saudáveis, será necessário um período de transição bastante flexível para a adoção integral do princípio do destino.


segunda-feira, 10 de julho de 2023

Aprovada na Câmara, a Reforma Tributária é a que o país necessita?

 




Também no link: https://youtu.be/s5Y-e6fJ4Kk

Não por acaso, passaram-se 58 anos para a aprovação de uma reforma tributária que viesse substituir, ainda que parcialmente, aquela instituída no bojo das reformas autoritárias pela ditadura militar, em 1965.

Em sua dissertação de mestrado, aprofundada depois em sua tese de doutorado,  o professor Fabrício Augusto de Oliveira foi de rara felicidade ao explicitar a característica básica daquela reforma: promover o processo de acumulação capitalista a todo custo no país, que permitisse estimular um processo de crescimento econômico, distinto e muito distante, de um processo de desenvolvimento econômico genuino.

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Apoiado e financiado pelas várias frações da classe capitalista, de origem nacional ou não, atuando no país, a filosofia da reforma advinda do golpe militar não se preocupou em promover a incorporação das massas trabalhadoras, a melhoria de sua condição de vida e reprodução, o aumento de sua renda e qualificação, capazes de gerar um mercado amplo e dinâmico, o que acarretou um  desenvolvimento do tipo meia boca, gerador de um padrão de centralização e concentração de renda; de vergonhosa desigualdade; na contra-mão de um autêntico sistema tributário em sintonia com princípios universais como o da equidade.

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Apesar de classificar os tributos em quatro grandes categorias – impostos sobre comércio exterior, sobre o patrimônio e a renda, sobre a produção e a circulação de bens e serviços; além de impostos únicos -, a arrecadação tributária privilegiou a cobrança dos impostos de tipo indireto, com destaque para o ICM (mais tarde, ICMS) e o IPI.

Várias observações podem e devem ser feitas em relação a estes impostos indiretos, cujo nome decorre de o consumidor, sujeito que paga o tributo embutido no preço do produto que adquire, não ser o responsável pelo recolhimento do imposto aos cofres públicos.

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Desde sua criação estes impostos indiretos já assumiam a forma de imposto sobre valor agregado, o que simplificava a fiscalização tributária, uma vez que o tributo pago na etapa anterior da produção era creditado e abatido do valor a ser recolhido quando da venda posterior.

Desnecessário dizer que tal sistemática não era suficiente para impedir que empresários mal intencionados fizessem uso de documentos falsos ou adulterados,  apropriando-se de créditos inexistentes, quando não deixando de promover o recolhimento de forma intencional.

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Afinal, a legislação previa a prescrição do direito de cobrança dos tributos, transcorridos 5 anos da data do fato gerador.

Independente disso, os tributos sobre renda ou propriedade, em que é possível individualizar e cobrar de forma direta os beneficiários, permitindo alcançar de forma mais simples os contribuintes mais ricos e maiores nunca tiveram a importância devida na arrecadação.

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Nenhuma novidade.

Se um país necessita arrecadar 1000 unidades monetárias para cobrir os gastos de seu governo, pode fazê-lo cobrando 800 dos indivíduos mais favorecidos (com maior renda, propriedades ou patrimônios) e 200 de todo o restante da população via impostos sobre consumo ou, ao contrário, cobrar 800 de todos os cidadãos via impostos indiretos e apenas 200 diretamente da identificação daqueles que mais podem pagar.

No primeiro caso, o  sistema tributário atenderia ao princípio da equidade, de cobrar de forma mais justa de cada indivíduo.

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Isso poderia ser feito verificando o benefício de cada contribuinte em relação aos serviços prestados pelo setor público. Alternativamente, de forma menos complexa e mais adequada a promover maior justiça social poderia buscar adotar o princípio da capacidade contributiva, onde quem mais tem, mais pode, paga mais. Em acréscimo contribuiria para a promoção da função distributiva do gasto público.

Se formulado para favorecer a cobrança de impostos diretos - a cobrança dos 800 daqueles que mais podem - o sistema tributário dotaria o país de um tipo de arrecadação mais progressiva: onde o mais rico e de maior capacidade, pagaria uma proporção maior de sua renda.

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A opção por se privilegiar os impostos indiretos, resultaria em um sistema mais regressivo.

Um exemplo ilustra esta situação: ao comprar um mesmo bem com preço de 1000, se a alíquota é de 18%, tanto o rico como o pobre pagam o mesmo valor de 180.

Mas 180 é uma proporção muito mais elevada em relação à renda do cidadão que ganha salário de 1500 (a proporção da renda seria de 180 dividida por 1500, ou 12%) do que se o comprador tivesse um salário de 30 mil (nesse caso, a proporção seria de 0,6%).

O mais rico paga muito menos,  proporcionalmente a sua renda.  Ou seja: na direção contrária ao princípio da capacidade contributiva.

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O exemplo mostra que restará ao mais rico uma parcela maior de sua renda, disponível para financiar seu padrão de vida, sua educação e saúde, sua alimentação e seu lazer,  permitindo até sobrar dinheiro no final do mês, para poupar e poder aplicar financeiramente.

O imposto sobre circulação de bens ajuda a concentrar ainda mais a renda e as propriedades, patrimônio e fortunas.

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Pois bem, a reforma tributária aprovada agora, como algo histórico por fundir cinco tributos sobre produção e circulação, apenas dá maior eficiência e racionalidade ao cálculo do valor que produtores e comerciantes deverão recolher aos cofres públicos. Apenas simplifica o cálculo a ser feito e reduz o custo da manutenção de equipes de analistas, advogados, contadores, administradores e técnicos que as empresas vieram tendo que contratar e manter, ao longo desses anos, como resultado do cipoal de leis (o ICMS tinha legislação própria para vários produtos e para cada um dos 27 estados e Distrito Federal).

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Ao reduzir o custo das empresas, permitindo o aumento de seus lucros, entende-se a razão de tanto aplauso e apoio das classes empresariais à sua aprovação.

Quanto a uma reforma mais justa e necessária, que alcançasse as grandes fortunas, propriedades, rendas elevadas de trabalho e,  inclusive, de aplicações financeiras, cobrando mais dos que mais podem, essa ficará para um momento posterior.

Quem sabe o longo prazo. Tempo em que, nas palavras de Keynes, estaremos todos mortos.