quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Governo e Legislativo e outros interesses: a questão fiscal e a desoneração da folha




 link do youtube: https://youtu.be/k124Y0ASCjc

A disputa pelo controle e exercício do poder entre um governo de viés progressista, eleito por  amplo arco de alianças (da centro-direita à esquerda) e um Legislativo de perfil conservador, com destaque para representantes da extrema direita e  ultraliberais próximos do anarcocapitalismo, abre espaço para que ganhe peso e importância o grupo do Centrão.

 

Fiel da balança, e sem qualquer pudor em adotar comportamentos pouco republicanos, este grupo  reveste-se de face moderna do velho patrimonialismo - de assalto e  apropriação do Estado e seus recursos por interesses privados, em benefício de grupos privilegiados, quando não  motivados pela preservação e reprodução das forças políticas retrógradas que representam.

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Beirando a chantagem em vários processos de negociação (por cargos e verbas!) o Centrão não se preocupa em aprovar as medidas necessárias para sanar os graves e urgentes problemas de nosso país, a saber: a modernização de um regime de tributação que simplifique e amplie a arrecadação, ao tempo em que promove um sistema tributário mais justo, equânime e eficiente, eliminando distorções vergonhosas e excludentes.

 

Ampliada a arrecadação, com o objetivo de promover a justiça social, o governo poderá elaborar e  implementar um plano racional visando financiar gastos que criem um ambiente favorável de negócios, capaz de estimular um processo de investimentos privados que alavanquem nosso desenvolvimento econômico e social, com crescimento da produção e renda e mais justa distribuição das riquezas geradas.

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A prática de postergação e letargia, característica do Legislativo, apenas acentua o sentimento de frustração da população alijada de qualquer perspectiva de melhora de suas condições de vida.

 

Afinal, se foi aprovada e promulgada a proposta governamental do novo regime fiscal e de controle de gastos públicos (que inclui, de forma equivocada e subalterna aos interesses dos mercados financeiros, a meta de déficit primário zero para 2024), não há sinais de qualquer outro avanço mais significativo, nem de aprovação do arremedo de reforma tributária de unificação, uniformização e simplificação dos impostos indiretos – o IVA.

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Quanto a essa “reforma”, vale alertar ser o IVA,  o tipo de tributo mais iníquo, incidente sobre o consumo de forma indireta, em desrespeito ao princípio internacionalmente consagrado da capacidade contributiva, onde quem mais tem, mais paga.

Isso porque os mais pobres pagam o mesmo percentual e valor, na aquisição de bens duráveis, que o valor pago pelos mais ricos, supondo zerada a alíquota dos alimentos da cesta básica.

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Sem contar o choro, lobbies e pressões para setores específicos terem alíquotas diferenciadas, mais reduzidas.

Enquanto isso, uma verdadeira e necessária reforma, mais justa e que nos aproxima de padrões de tributação das economias democráticas mais desenvolvidas, fica parada nos gabinetes e comissões da Câmara, como a taxação de offshores, de fundos exclusivos, de apostas; ou a instituição do imposto sobre patrimônio e heranças ou o aumento da progressividade do Imposto de renda.

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Curiosamente, agindo rapidamente na defesa de interesses dos mais privilegiados, o Congresso aprova a desoneração da folha de pagamentos, vetada por Lula e sob ameaça de derrubada do veto por pressão dos setores beneficiados, supostamente geradores de empregos.

Sobre a proposta de desoneração destacamos tratar-se de mais uma jabuticaba tupiniquim pois,  se a concessão de benefícios fiscais (isenções, incentivos) a setores e agentes econômicos potencialmente aptos a competirem e conquistarem espaços importantes no mercado é  política econômica adotada pelas principais economias do mundo, ela é adotada com prazo de validade determinado.

Sem as prorrogações que eternizam os mecanismos de redução de custos de operação para superação de problemas conjunturais com os agentes se defrontam.

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Ao lado da eternização de privilégios, a proposta de concessão de benefícios não define objetivos, não fixa metas quantitativas nem cronograma de obtenção de resultados, gerando a ausência de controle, fiscalização e avaliação da medida.

A política transforma-se, assim, em ilustração do patrimonialismo, da escandalosa força e influência de setores econômicos dominantes. Em detrimento da ampla maioria da sociedade.

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Iniciada no governo Dilma como resposta à crise econômica, e visando promover a desoneração da folha de pagamentos para permitir a manutenção ou expansão do nível de emprego para um número restrito de setores, a medida foi sendo ampliada, sem a comprovação de ter trazido os benefícios previstos.

 

De concreto, a troca da contribuição patronal de 20% sobre a folha de pagamento por um percentual entre 1 e 4% do faturamento bruto ampliou o déficit da Previdência Social, o que levou a que todos os governantes (inclusive Dilma) tentassem, inutilmente, reverter a medida.  

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Estudo feito pelo IPEA, com dados de 2009 a 2015 extraídos da Relação Anual de Informações Sociais concluiu que “no geral, os resultados obtidos apontam para a ausência de efeitos da política sobre o volume de empregos”.

Na mesma direção outros estudos e analistas, utilizando metodologias distintas,  chegaram à igual conclusão: o efeito duvidoso sobre o emprego e produção, ao lado de  perda crescente de receita para a Previdência.

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A reação e a ameaça de derrubada do veto de Lula apenas encobre a real intenção da medida: reduzir custos e ampliar as margens de lucros dos setores escolhidos.

Que não se incomodam de gerar mais déficits para a Previdência, com impactos para as contas públicas e a previsão de déficit primário e privilegia os empresários constantemente em busca de fugir a sua responsabilidade de contribuir com uma parcela para o modelo de financiamento tripartite da Seguridade Social, entre governo, empresários e trabalhadores,  e que é base – cada vez mais destroçada – de nosso pacto laboral.