quinta-feira, 23 de julho de 2020

A título de esclarecimento, ainda a reforma tributária, e as razões da urgência de se alterar o ICMS


Afirmamos no pitaco de ontem que a dificuldade de se fazer uma reforma tributária tem como justificativa o fato de estar em discussão questões vinculadas à distribuição de renda da sociedade.
Naquela oportunidade, nos referíamos a Giambiagi e Além e ao seu livro Finanças Públicas Teoria e Prática no Brasil – amplamente utilizado como bibliografia básica nas melhores Faculdades de Economia. No livro, os autores apontam, ao menos, cinco tipos distintos de abordagem quanto à distribuição da renda, passíveis de serem afetadas por uma reforma.
De onde se origina sua complexidade.
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Em linhas gerais, a análise pode se dar em termos funcionais (salários, lucros, alugueis) – por exemplo, o país deve tributar mais os salários, mantendo sua tradição, ou os lucros e outras fontes de renda, da propriedade?
Deve buscar promover uma distribuição pessoal de forma a que um grupo de 10% possa se apropriar de 10% da renda? Ou aceitamos que 10% da população mais rica possa deter algo em torno de 43% da renda do país, com o 1% mais rico se apropriando de mais de 33 vezes da renda apropriada pelos 50% ou metade, mais pobre.
Ou o critério regional, onde se discute a tributação maior de regiões mais ricas, de forma a afetar os critérios de decisões locacionais, estimulando uma maior transferência de atividades econômicas para regiões menos desenvolvidas? Ou ainda a discussão presente no ICMS, quanto à adoção do princípio da origem ou do destino, questão que abordaremos a seguir.
Ou questões relativas à decisão de se repassar maiores recursos para o governo ou, na esfera pública, a questão federativa, que debate a apropriação e distribuição dos recursos entre União, estados e municípios.
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Tal complexidade nos leva a perceber a razão de alguns analistas acreditarem que a melhor forma de se proceder a uma reforma seja a de fazê-la por etapas, fatiando. Segundo esses estudiosos, e parece ser a intenção do ministério da Economia, discute-se e aprova-se, primeiro, medidas capazes de gerarem algum consenso.
Aprovadas as mudanças consensuais, o que já traria um ganho, seriam propostas medidas consideradas as de segundo maior grau de conflito. E assim, sucessivamente.
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Em minha opinião, e respeitando a visão divergente, sou contrário a tal encaminhamento, pela simples razão de que mudanças tributárias, em geral, implicam em mudanças legais que exigem foro qualificado, mudanças constitucionais e as dificuldades e desgastes de suas aprovações.
Ora, estabelecidos pontos de consenso, em uma Casa Legislativa em que os interesses populares em geral, têm uma representação muito mais dispersa, frágil e desorganizadas que aquela dos interesses economicamente mais robustos, não é difícil se prever que os pontos alterados serão aqueles coincidentes com os interesses dos mais poderosos.
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Uma vez feitas tais mudanças, as dificuldades naturais da continuidade da discussão acarretam a paralisação da sequência do processo de discussão e mudanças. Com ganhos óbvios para apenas parcela da sociedade, em prejuízo, talvez, de sua ampla maioria.
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Considerando-se as propostas em debate no país, é preciso lembrar que,  exceto a proposta mais complexa apresentada no Senado, a mudança principal tem como foco a redução da complexidade da legislação atual, especialmente em razão da sistemática de operacionalização da principal fonte de receitas do país, o ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transportes e Comunicação.
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Isso, por que a Constituição de 88 determinou a competência dos estados da Federação para instituir, cobrar e legislar sobre o ICMS, o que acabou gerando a possibilidade de criação de 27 legislações sobre um imposto que incide sobre produtos cuja circulação não é limitada ao território de um único estado.
Em outras palavras, produzido em São Paulo, para ser vendido em qualquer outro estado da União, o produtor terá montar uma equipe de auxiliares que conheçam e entendam de cada legislação estadual específica. Com todas as suas alterações, concessões, isenções, casos especiais de tributação.
De fato, um custo elevado e um desperdício de recursos de monta.
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Assim, a principal proposta em debate visa uniformizar as legislações, buscando recuperar a filosofia original da criação do ICMS, e violentada inúmeras vezes pelo próprio fisco, na busca de condições de cobrança e fiscalização mais facilitadas para o Estado.
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Mas, além desse cipoal de leis, decretos, regulamentos, o ICMS ainda responde por outros problemas graves, como por exemplo, as guerras fiscais.
Para entender tais conflitos, é necessário destacar que a definição desse imposto adotou como ponto de partida o princípio da origem. Ou seja: a receita arrecadada da circulação de um bem, é apropriada pelo Estado em que ela foi produzida e não onde foi consumida.
Como São Paulo é considerado o estado mais industrializado do país, em seu território estão instaladas as principais indústrias e produtores do país. Logo, ele é o mais rico. E pode criar condições de economias externas, como relações com centros técnicos e escolas formadoras de mão de obra de maior qualificação, condições de geração de energia, transporte, redes de comunicação mais desenvolvidas, etc.
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Todos esses fatores acabam atraindo para aquele estado as empresas desejosas de se instalarem no Brasil. O que reforça e realimenta o ciclo. Mais empresas, mais produção, maior geração de riqueza, maior arrecadação, e mais condições de infraestrutura para a instalação de empresas.
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A ruptura de tal circuito teria de se dar pela alteração da sistemática, do princípio da origem para o do destino, discussão que nunca avançou, ou por meio de guerras fiscais.
Na prática, para atrair empresas, gerar emprego e renda, os governantes passaram a oferecer isenções de impostos para empresas produtoras dispostas a se localizarem em territórios, muitas vezes de viabilidade locacional questionável.
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O que significa que, para receberem o investimento, os governantes concediam benefícios vultosos e por vários anos a empresas, privilegiando-as em termos das condições de concorrerem nos mercados.
Para compensar a perda da arrecadação, ampliavam impostos sobre outros produtos, onerando ainda mais a população.
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Várias outras distorções do ponto de vista da neutralidade econômica em termos de alocação de recursos, privilégio para setores econômicos, interferência nos mercados e nas condições de competitividade, são todos decorrentes da forma que o ICMS tem operado e isso precisa ser corrigido com urgência.
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Mas, se unificar o ICMS com outros tributos que incidem sobre a produção, geração e circulação de mercadorias e serviços, na formulação de um IVA amplo, é urgente, não resolve a maior questão acarretada por esse tipo de tributo.
A de reduzir a competitividade dos produtos nacionais, por encarecer o seu preço, já que o imposto é embutido no valor cobrado pelo produtor, e pior, a de permanecer sendo um imposto regressivo, pago em sua maior proporção por todos os que têm menor capacidade de pagamento.
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Afinal, se a alíquota é a mesma, digamos 18% sobre um produto, tanto o pobre que recebe salário mínimo quanto o mais rico, com renda de 10 mil mensal, irão pagar o mesmo valor em termos absolutos.
O que é a principal causa de nossa desigualdade colossal.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Guedes mente. Na reforma tributária, ou é um Pinóquio contumaz ou apenas um (mau) oportunista


Ou o ministro Guedes deliberada... mente. Ou mente pura e simples...mente.
Senão vejamos.
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Reformas tributárias em nosso país foram sempre resultado de modificações mais amplas no nosso aparato legal, sempre atreladas à promulgação de Constituições, fruto de rupturas mais profundas do próprio regime de governo ou associadas a golpes exitosos contra a normalidade institucional.
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Ao meu juízo, excetuada a de 1891, associada à implantação da República, a rigor podem ser classificadas como democráticas as Constituições de 46 e a Constituição Cidadã de 1988.
Dessa forma, talvez pudéssemos classificar a reforma tributária patrocinada pelo primeiro governo da ditadura militar,  dos anos 1965/66, como a única reforma autêntica no campo da tributação que conseguiu ser realizada em nosso país.
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Ainda assim, a referência ao governo autoritário se faz necessária, para assinalar a dificuldade de se aprovar qualquer reforma tributária em períodos de normalidade, de forma a permitir que a sociedade possa contar com fontes de financiamento modernos, inovadores, afinadas com a dinâmica das mudanças sociais.
É que, como nos lembra Giambiagi, a questão tributária é extremamente complexa, por implicar na discussão de como deverá se dividir a renda da sociedade, em modo amplo.
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Ao tratar da reforma patrocinada pela ditadura militar (em que o consenso era automaticamente compulsório) Fábio Giambiaggi, em seu reconhecido livro Finanças Públicas Teoria e Prática no Brasil (em co-autoria com Ana Cláudia Além, 4ª edição, Elsevier, 2011),  traz o seguinte comentário:
“O principal aspecto modernizador da reforma foi a mudança da sistemática de arrecadação, priorizando a tributação sobre o valor agregado, em vez de “em cascata” – referente a impostos cumulativos.” (itálicos originais) (p. 248)
Em nota de rodapé, prossegue:
“Um fato que merece ser destacado é que a adoção do IVA no Brasil – ainda que sem ter este nome precedeu o uso desse instrumento tributário na própria comunidade econômica europeia, com exceção da França. O Brasil, portanto, em 1967, passou a ter um dos sistemas tributários mais modernos do mundo na época.” (p. 248)
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Por esse motivo, ou falta de informação sobre a evolução das finanças públicas em nosso país, já que estava mais preocupado com leituras de Keynes (três vezes, em inglês) ou com as finanças do Chile de Pinochet, não é há como se admirar com a afirmação de Guedes da importância da proposta do governo, apresentada ontem na Câmara, que moderniza e inova o sistema tributário, com a proposta da criação de impostos com a sistemática do IVA, valor agregado.
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O próprio ICMS, por mais retrógrado e confuso que possa ter se tornado, trabalha em Minas Gerais com o conceito de valor adicionado fiscal...
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Pior é que o ministro nem sequer apresentou uma reforma, que não tem estruturada.
O que fez foi apresentar um remendo, uma meia-sola, de proposta natimorta.
Oportunista, o que o sinistro fez foi tentar pegar uma carona na proposta do deputado Baleia Rossi  (baseada em outra de autoria de Bernard Appy) que visa unificar vários tributos com características semelhantes, incidentes sobre a produção e circulação de mercadorias (o IPI, o PIS, o Cofins da esfera federal, com o ICMS estadual e o ISS municipal)  em apenas um único, o IVA.
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A proposta de Guedes, unificando apenas os tributos federais Pis e Cofins, nasce portanto já embutida no projeto em discussão na Câmara, não trazendo qualquer novidade exceto a da unificação da alíquota de 12%. Ou seja, nada inova e não é ampla o suficiente para solucionar qualquer questão.
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Mas, antes de prosseguir, devo trazer uma palavra de alerta aos leitores deste pitaco.
Não foram os funcionários públicos, esses demônios corporativistas e que só pensam em promover sangrias no cofre do Estado brasileiro que deturparam nosso imposto de características inovadoras em 1966. Não foram os burocratas ou os gestores públicos, que promoveram tantas distorções no nosso sistema de tributação sobre valor agregado, que o transformaram nesse lodaçal de regras, decretos, regulamentos, regimes especiais.
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Esses funcionários, embora com estabilidade para não terem de se submeter a ordens e interesses pouco republicanos de governantes de plantão, sem risco de perda do emprego, apenas se comportaram como o fazem na maioria das vezes.
Cumpriram ordens. Determinações dos militares em cargos do Executivo, ou da esfera política dos governos, dos ocupantes de cargos investidos de autoridade, e que até os anos 1980 eram ou apaniguados, protegidos dos fardados, ou conhecidos como tecnocratas, também sob as bençãos da tropa.
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Foram esses militares e seu séquito que, detentores de poder usurpado por um golpe autoritário, sempre se curvaram aos interesses maiores, e foram abrindo tantas exceções, regimes especiais, tratamentos diferenciados que culminaram na barafunda do cipoal que hoje criticam.
E seu objetivo não era apenas o de criar confusão. Mas o de atender ao interesse dos grupos de empresários, poderosos, que em última análise buscavam burlar o pagamento da carga de tributos, negociando e obtendo vantagens particulares.
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Os empresários hoje sofrem e criticam o que eles mesmos, com sua limitada e falaciosa preocupação com a responsabilidade social foram protagonistas. E beneficiários.
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E isso permanece. Sob desculpas várias.
Como é exemplo, a manutenção do regime do Simples.
E a Zona Franca de Manaus que não pode sofrer alteração (apesar de estar-se discutindo uma PEC). E também as empresas de transporte coletivo, não atingidas pela nova alíquota.
Mas, qualquer que seja a justificativa, difícil entender que, enquanto o setor de serviços em geral sofrerá um aumento de arrecadação, contra o qual estão reclamando, os bancos – coitadinhos – estarão sujeitos à alíquota de apenas 5,8%.
Nunca é demais lembrar que Guedes é banqueiro.
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E sua proposta real, a única de um sujeito que só pensa naquilo nem é essa unificação.
Menos ainda a questão da eliminação da regressividade que envergonha nosso país e é uma das principais razões de nossa indecorosa distribuição de renda, e entrave reconhecido a nosso processo de desenvolvimento e mesmo crescimento econômico.
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Junto à questão compreensível de não promover uma reforma com perda ou redução de arrecadação, o que Guedes quer, além de fugir da implementação de um imposto sobre Grandes Fortunas, é criar o moderninho Imposto sobre Movimentações Financeiras. A rediviva CPMF.
Mas não pela CPMF, que mesmo sendo também regressiva, até considero ter pontos positivos (permitir rastrear o dinheiro!).
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A proposta de Guedes e de Marcos Cintra, seu ex-escudeiro é a criação do imposto único. Sob a sistemática que será testada, em seu potencial arrecadatório com a nova CPMF.
Afinal, Guedes, no fundo só quer dar boa vida a empresários e aqueles que vivem de rendas (não de salários). Evitando tributar lucros, dividendos, patrimônio, forçando a deterioração da previdência e eliminando qualquer ônus sobre a folha de salários.
Para ao final, chegar a eliminar o INSS e poder promover sua ideia de previdência complementar. Privada.
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Para quem sabe ele até voltar ao mercado financeiro, como gestor de fundos de previdência.
Da proposta da Câmara, mais limitada que a que está sendo tratada no Senado, tratamos em outros pitacos, já que o tema é não apenas espinhoso, como complexo e vasto.

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Gilmar Mendes e o alerta ao Exército para evitar o genocídio. Que Guedes parece perseguir, junto com sua CPMF


O dia era 18 de março de 2016 e o país atravessava instantes de grave crise política e institucional que a oposição derrotada nas eleições presidenciais de 2014 prometeu manter em pressão alta.
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Repetia-se, sob a liderança de Aécio Neves, herdeiro de Tancredo Neves, político democrata considerado  arqui-rival de Carlos Lacerda, o comportamento condenado por seu avô em relação a Getúlio Vargas, por ocasião da eleição de 1952.
Então, Lacerda teria dito que Getúlio não poderia ser candidato. Se candidato,  não poderia ser eleito. Eleito, não poderia tomar posse. Caso tomasse posse, não poderia governar.
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Aécio, hoje envolvido em delações, investigação e denúncias várias e distintas por corrupão teria assumido o compromisso de por em prática a proposta de Lacerda, apenas que em relação ao governo Dilma.
Razão porque adotou comportamento no Legislativo destinado não aprovar qualquer proposta ou projeto enviado pelo governo, de forma a retirar do Executivo as mínimas condições procurar estancar a crise econômica em que o país mergulhara já em 2014.
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No caso de análise e aprovação de algum projeto do Executivo, o resultado era o da criação de um autêntico monstrengo, tantas as mudanças e emendas destinadas a frustrarem o resultado proposto. O país vivia o período de aprovaçao de um conjunto de pautas bombas, ao tempo em que a Operação Lava Jato a cada dia descobria e trazia à luz mais e mais denúncias de corrupção que envolviam gestores nomeados pelo governo, em setores em que a presença do setor público era quase exclusiva.
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Agindo como caixa de ressonância, praticamente toda a mídia de cunho conservador, principalmente a televisiva, bombardeava a nação com as notícias da Lava Jato, as críticas daí decorrentes aos políticos, com destaque para as críticas ao governo, criando as condições para que a crise institucional e políticase se somassem e  se alastrassem, ganhando cada vez mais substância e força.
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É nesse cenário de crise e incapacidade do governo Dilma de estabelecer uma interlocução confiável com o Legislativo que surgiu, como se fosse a última cartada do governo, a nomeação de Lula para ocupar o cargo de ministro da Casa Civil, responsável por retomar as negociações com o Congresso.
Por questão de justiça, há que se realçar que, embora os problemas do governo Dilma não se limitavam a sua relação com o Congresso, poucas foram as tentativas – tímidas - de Dilma, no sentido de abortar, travar ou dificultar que a Justiça, o MP ou a Polícia Federal exercessem seu dever.
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Assim chegamos ao dia 18 de março de 2016, depois da nomeação e um dia após a posse de Lula na Casa Civil do governo Dilma, em que o Ministro Gilmar Mendes decidiu monocraticamente suspender a posse do ex-presidente, analisando ação impetrada pelo partido de Aécio e “mas otros” corruptos amigos.
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Para dar suporte à decisão de suspensão, sob o argumento de desvio de finalidade do ato de sua nomeação para o cargo, sob a justificativa de que a nomeação apenas visava conceder ao ex-presidente o benefício de foro privilegiado, a grande imprensa, Rede Globo, Estadão, Folha, todos repercutiram de forma avassaladora os áudios vazados pelo juiz Sérgio Moro, de conversa da presidente Dilma e Lula.
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Àquela altura, pouco importava a legalidade da gravação, o fato de a conversa ter se dado depois do período de tempo autorizado para que fosse efetuada a gravação,  o desrespeito à figura da presidenta da República, nada.
Importava apenas dar força ao juiz então tido, pela Globo em especial, como o paladino da moralidade e o super-herói defensor da sociedade brasileira contra a corrupção.
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A decisão do ministro Gilmar Mendes na ocasião ainda mantinha e enaltecia a presença de Moro, no comando da Lava-Jato em Curitiba.
Só três anos mais tarde, em 2019, mesmo defendendo a decisão adotada naquela ocasião,  Gilmar Mendes reconheceu que não tinha o conhecimento amplo necessário para embasar sua convicção.
Já nessa hora, a Vaza Jato era de conhecimento público e todos os cidadãos sérios já sabiam quem era, o caráter ou a completa ausência dele, e os interesses escusos que moviam Sérgio Moro.
A ponto de Mendes ter se tornado um dos principais críticos de toda a operação que visava passar o país a limpo.
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Afinal, não é cometendo crimes e descumprindo a lei que quem quer que seja pode querer impor a ideia do império da lei.
Moro já provou o bandido que pode existir nos mais celebrados magistrados em busca de um julgamento justo e imparcial.
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Quanto a Gilmar Mendes, que naquela ocasião foi tão elogiado por todo o mundo político e social “de respeito”, continuou sua trajetória, desfilando sua personalidade caracterizada por incomensurável vaidade, sempre boquirroto, falastrão, inconveniente, grosseiro até.
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Assim, não há como não lembrar sua contribuição para o golpe, cujo desfecho foi a queda da presidenta democraticamente eleita, Dilma; a trágica passagem de Temer pelo poder e seus encontros sem agenda e nas sombras dos Palácios, com empresários de peso; até a eleição do sociopata que ocupa hoje o poder e desgoverna esse país.
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Independente disso, Gilmar está certo.
Muito se fala em uma função precípua do Exército,  em um país que não tem qualquer tradição militar de peso, exceto ser a polícia de nossas fronteiras e servir para combater sua própria população, em “combates” completamente desiguais, como a do combate aos poucos e maltrapilhos e mal armados “guerrilheiros do Araguaia” ou pior ainda, os guerrilheiros urbanos.
O glorioso Exército Brasileiro é muito mais lembrado pelos golpes de que participa e sua sede de poder, fundado em sua crença de ser a Instituição mais conhecedora dos problemas e mais capacitada a implantar soluções  para o bem do país.
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Mas, a presença de militares no loteamento feito pelo governo Bolsonaro, para blindar o ex-capitão em sua tarefa de provocar a destruição, a desconstrução das instituições e por fim à democracia e ao Estado de Direito, deve ser sempre destacada.
De igual forma, denunciar que o Exército, como Instituição, está sendo conduzida por alguns poucos de seus líderes, incluídos os da reserva, mesmo que inconscientemente para um projeto que pode, mais à frente ser questionado como genocida é, mais que uma crítica, um alerta.
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Gilmar Mendes está dando uma demonstração de estar mais preocupado com a imagem dessa respeitada Instituição e em preservá-la, que algumas de suas lideranças de visão obnubildada pela sua suposta onisciência.
Genocídio de população carcerária, de índios de várias tribos amazônicas, de toda a população de pobres, de periferia, comunidades sem condições de habitação digna, incentivados a não respeitarem as recomendações que se impõem em plena crise sanitária, é a isso que Bolsonaro parece querer conduzir o país, levando o Exército a reboque.
Uma lástima que o Exército não se dê conta de tal risco.
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Enquanto alguns militares põem mais lenha na fervura, Guedes aproveita para “passar a boiada” com sua proposta, que comentaremos no próximo pitaco, de não desonerar a folha de pagamentos para 17 setores, de forma a não restar outra alternativa senão a receita final de implantação de seu projeto de precarização total de direitos trabalhistas e pauperização da população idosa, com o contraponto dos ganhos fantásticos do sistema financeiro privado, especialmente do setor previdenciário.
Assim, ele quer implantar a contratação por hora pondo fim ao regime de contratação mensalista e à existência assegurada do salário mínimo mensal.
Em contraponto, implanta um programa de Renda Brasil, destinado a ampliar o valor concedido pelo Bolsa Família, financiado por nova taxação, de transações financeiras, digitais. No fim, e mais sofisticada, uma CPMF cuja principal finalidade é assegurar recursos para a tal renda mínima universal.
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Sendo Guedes quem é, longe de sua intenção criar um imposto sobre grandes fortunas, ou grandes patrimônios. Que alcançaria os mais abastados, mais ricos e mais poderosos. Seus patrões e associados.
Para ele é preferível a criação de um imposto, mais um, de caráter cumulativo, em cascata, onerando, se verdadeira a ideia,  o incipiente mercado do ‘e-commerce’. Embora recente, e com grande impulso na pandemia, o que Guedes irá conseguir é reduzir as compras àquelas operações tradicionais, em que as pessoas se acotovelavam nas lojas, e o contato com o vendedor era pessoal.
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Mais provável é que tal imposto seja para toda transação, e mais uma vez, Guedes mostra total desprezo pela realidade: também a criação do IPMF, posteriormente transformado em CPMF, foi recurso com destinação carimbada para a Saúde de Adib Jatene.
Pelo menos em tese, já que o recurso que entra no regime de Caixa Único do Tesouro, hoje, como naqueles tempos irá, ao final, estar transportando goiabada para políticos de maior peso e representatividade. Enquanto isso, a saúde patinava. Como no futuro, a renda básica irá escorrer por entre dedos de pessoas famélicas, sem outra expectativa.
Sem dignidade, sem razão para viver. Sem aposentadoria.
Sem qualquer remorso de Guedes, que cumpriu sua missão de contribuir com os seus...

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Hipocrisia. Esse é o real motivo das reações à coluna de Schwartsman desejando a morte de Bolsonaro


É justo que eu inicie esse pitaco afirmando que  achei de muito mau gosto o título da coluna de Hélio Schwartsman, publicada na Folha de São Paulo no dia 8 de julho, “Por que quero que Bolsonaro morra”.
Considerei ainda mais grave a frase inserida no primeiro parágrafo daquele texto, em que o colunista dá sequência a sua manifestação  amoral, em que afirma textualmente: “Torço para que o quadro se agrave e ele morra”.
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Mas esse pitaco não é para julgá-lo. Menos ainda para condená-lo. Bem ao contrário.
Nesse sentido, classificar seu comportamento como amoral é sinal de respeito ao seu texto.
Explico. É o próprio jornalista que afirma que “... embora ensinamentos religiosos e éticas deontológicas preconizem que não devemos desejar mal ao próximo, aqueles que abraçam éticas consequencialistas não estão amarrados pela moral tradicional.”
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Em seguida o autor se explica: “no consequencialismo, ações são valoradas pelos resultados que produzem.” E daí a confissão de sua opção consequencialista: “O sacrifício de um indivíduo pode ser válido, se dele advier um bem maior.”
Em respeito a Schwartzman considero que sua postura é amoral, no sentido de que não se prende à moral comum. Entenda-se essa moral como o leitor assim o desejar.
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Curioso é que, ao abrir o parágrafo seguinte, o colunista reafirma o valor que deve ser atribuído à vida de Bolsonaro, como a de qualquer indivíduo, chegando mesmo a considerar que “... sua perda (de vida) seria lamentável”.
Daí prossegue afirmando que a morte do presidente seria filosoficamente defensável, no consequencialismo, se estivermos seguros de  que irá acarretar na preservação de maior número de vidas.
Para imediatamente se questionar: “Estamos?”
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Ora, qualquer intérprete do texto, minimamente isento,  poderá perceber que o jornalista não estava, de fato, desejando a morte do presidente, por mais que existem indícios vários sinalizando que o comportamento irresponsável de Bolsonaro pode sim, ser julgado e condenado como promotor de autêntico genocídio.
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De quebra, qualquer ocorrência funesta inesperada e não desejada serviria para impedir a deterioração de nossa democracia e a desconstrução institucional que parece ser o único objetivo do governo de Bolsonaro.
Com a possibilidade de esse limão servir como insumo para que se extraísse daí uma limonada: o exemplo serviria sempre como um obstáculo para que outros sociopatas pudessem adotar comportamentos análogos.
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Em minha opinião, a tentativa do colunista atrair a atenção e provocar um debate por meio da utilização de um artifício tão grosseiro, redundou em resultado oposto ao desejado.
Além de não provocar o debate necessário – o comportamento criminoso do presidente – conseguiu reunir ao lado da vida, da saúde, do presidente não apenas os seus valentes bolsotários clássicos, mas um grande contingente de pessoas de boa vontade e de alma e mente puras.  
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O jornalista vai ser punido pela opção por um título infeliz.
Tal qual o prefeito de Itabuna, que em meio ao que em meu entendimento seria apenas um desabafo, viu toda a imprensa e toda a crítica cair sobre sua cabeça.
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Acontece que admito ter visto pouco da gravação com o prefeito, mas o que me lembro de ter visto e ouvido, pareceu-me ser um político afirmando ter se sujeitado a pressões de toda espécie para que o comércio e a economia voltassem a funcionar – ainda que de forma irresponsável, sem que ele cedesse a tais forças. E se não cedeu, o fez em defesa da vida.
Até que, num momento, tais pressões ficaram insuportáveis. E seu desgaste chegou ao limite. A ponto de jogar tudo para cima, expresso na frase que se tornou símbolo da irresponsabilidade da autoridade: a partir de 9 de julho abre tudo. Morra quem tiver que morrer.
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Mesmo não concordando com o prefeito, eu entendo sua postura de desistir de remar contra a maré, contra a sociedade que se rebela contra quem está lutando por preservá-la e à vida.
Já que a principal autoridade do país utiliza o mesmo argumento e reforça as cobranças de que a economia volte a funcionar, já que a ‘chuva’ que irá alcançar a todos, independente de seu comportamento ou vontade só será prejudicial e fatal até, para uma ‘minoria de idosos com comorbidades’, fica difícil ficar contra a onda avassaladora que vem em sua direção. Pronta para te atropelar sem qualquer comiseração.
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Mas o que explica toda a reação à coluna de título infeliz de Schwartzman? O que leva a que o Secretário Especial de Comunicação Social, Fábio Wajngarten – aquele mesmo que decidia onde aplicar recursos de comunicação do governo, tendo interesse inequívoco em empresas privadas que atuam no setor, viesse a público condenar ao colunista e até ao jornal, a quem acusa de uso de linguagem odiosa, de artigo ‘fora de qualquer padrão jornalístico’?
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O que justifica, deixando de lado razões ligadas à subserviência e à sabujice em relação a quem é seu tolerante patrão, que o secretario tornado célebre por suposta prática de advocacia administrativa, chegue ao cúmulo de querer lembrar que não exite direito fundamental absoluto capaz de superar a lei? O que o leva a mais uma vez, tentar defender o indefensável: a interpelação do jornalista e a solicitaçaõ de abertura de inquérito pela Polícia Federal,  tendo como base a anacrônica lei de Segurança Nacional.
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Comportamento ridículo, resultado da transformação em ato criminoso de mera manifestação de vontade ou desejo.
Ora, pior e criminoso é o que comete o secretário lambe-botas, quando compara o jornalista que pensa a um criminoso, inimputável, como Adélio Bispo. Como se ambas as ações se equivalessem.
Em sendo assim, fica claro que o secretário comete o crime de calúnia. E merece que o colunista abra contra ele um processo.
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Para finalizar, qual a resposta para tamanha reação à coluna de título infeliz?
Em minha opinião, uma só: hipocrisia.
Hipocrisia de parte de uma sociedade que não pode desejar, ou manifestar a vontade de que alguém morra, seja quem quer que seja. Por não ser de bom tom, que alguém ignore o “primeiro mandamento de todo homem de bem – que é jamais desejar o mal ou a morte a outro ser humano” (trecho de carta publicada no Painel do Leitor da Folha, assinada por lideranças de várias organizações da sociedade civil, como o Secovi-SP, o Instituto de Engenharia, a Abemi, o SindusCon-SP, entre outros).
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Hipocrisia que se torna flagrante quando o desejo de morte não faz referência a algum poderoso de plantão.
E que revelam reação nenhuma, embora existentes aos borbotões. Como são exemplo as frases ditas por homens de bem e puros de alma, entre as quais as seguintes:
- “Bandido bom é bandido morto”;
- ‘ por isso mesmo é que sou favorável à pena de morte”
Ou ainda quando a afirmação não é explícita, mas traz em seu bojo essa mesma justificativa: ‘por isso que sou favorável a armar a população’.
Ou então tentativas de aprovação em lei da figura criminosa do excludente de ilicitude, para ficar apenas em alguns poucos exemplos.

Ricardo Nunes é um caso isolado? Empresários têm razão de reclamar os impostos que pagam(?!?!?)


Jogada de marketing ou não, há que se reconhecer que a iniciativa dos dirigentes lojistas em patrocinar o Dia Livre de Impostos é uma iniciativa que traz benefícios genuínos à grande maioria dos consumidores.
Realizada no dia 4 de junho último, apenas na modalidade on-line em função da pandemia da Covid-19, o evento contou com um número menor de participantes, ainda assim significativo, em torno de 290 estabelecimentos, compreendendo setores tão diversos quanto supermercados, postos de combustíveis, padarias, restaurantes, drogarias.
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Segundo os organizadores, o evento tem como objetivos, além de protestar contra o elevado peso da carga tributária, promover a conscientização da população em relação à quantidade de impostos e ao ônus que essa parcela representa no preço final do produto
Parcela que não representa qualquer produção e, cuja má utilização por parte do ente arrecadador - o Estado em seus distintos níveis de governo – justifica a crítica de que essa carga de impostos não acarreta qualquer benefício, seja no nível da satisfação individual, seja no nível mais macro, vinculado ao retorno efetivo dos impostos para a sociedade, em termos de quantidade e qualidade de serviços prestados à população.
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Por dever de consciência, e até como homenagem, não poderia me furtar  nesse momento de crise sanitária que o país e o mundo atravessam, de lembrar da existência por mais precária que seja, do Sistema Único de Saúde – SUS, no Brasil.
Sistema que permite – se se pode afirmar tal coisa, sem que  várias qualificações sejam feitas, que grande parte da população sem recursos sejam atendidos, alguns mais felizardos, até tratados. Situação completamente oposta àquela que ocorre nos Estados Unidos, para citar o país que serve para alguns de nós como paradigma, onde todo o tratamento é particular e cobrado a preços exorbitantes.
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Inegável, entretanto, e é sempre obrigatório mencionar a péssima qualidade do gasto público em nosso país. Especialmente quando se pensa na efetividade do gasto, em termos de benefícios para toda a população.
Principalmente em áreas como a de Saúde, Educação e a tormentosa área do Saneamento.
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Mas, voltando ao tema inicial de nosso pitaco, o dia livre de impostos permitiu a concessão de descontos de até 70% em alguns produtos, como constave no anúncio feito por parte de alguns estabelecimentos.
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Alerto entretanto, que o objetivo do pitaco de hoje não é apenas uma digressão sobre tributos, carga tributária, suas mazelas e propostas de alteração em curso.
O que não impede de fazer algumas considerações, ligeiras, sobre o tema.
Assim, o Valor Econômico de hoje, 9 de julho, traz a informação de que relatório publicado ontem pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico -  OCDE, mostra que o Brasil ultrapassou a França, nesse ano de 2020, sendo responsável pela quarta maior cobrança de imposto sobre empresas, entre 109 pesquisados.
Segundo a OCDE, a taxação em nosso país alcança 34%  da renda das companhias, contra uma média de 20% nos demais países.
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Aqui, estamos tratando de impostos sobre lucros, já que o próprio ministro Paulo Guedes anunciava no ano passado sua proposta de reduzir tal carga para 15%, compensando tal medida com um imposto sobre dividendos e juros sobre capital próprio.
Também nesses termos a pandemia trouxe frustração, já que o que temos visto é sua orientação para o veto do presidente em relação à continuidade do prazo de desoneração de encargos para empresas atuantes nos setores considerados os maiores empregadores, o que sem dúvida irá causar mais estrago em termos de sustentação do nível de emprego numa eventual retomada econômica.
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Como não podemos passar o recibo quanto a ingenuidade, a questão no fundo é que o ministro age de forma estratégica e mal intencionada. No fundo, o que quer é que a deterioração provocada pelo quadro de crise econômica e social, obrigue o governo a procurar, antes mesmo de se debater e aprovar uma reforma tributária necessária, criar um novo mecanismo arrecadador: a reintrodução da CPMF, com nova roupagem, mais sofisticada.
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Claro, tal estratégia não passou despercebida a nenhum congressista, que já anuncia o fechamento de questão no sentido da derrubada do veto.
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Em se tratanto de Reforma Tributária e de uma das PECs já apresentada ao Congresso, o que se pode prever no caso de sua aprovação é uma grande frustração na sociedade brasileira.
Afinal, seu próprio autor, Bernard Appy, reconhece que a proposta – de unificação de vários impostos em um apenas, sobre o Valor Agregado -, nada mais é que uma tentativa de simplificar e tornar mais barata a cobrança de impostos, já que não haverá senão uma redistribuição da carga atual, de perto um terço do PIB.
Se alguém acredita ou espera por uma redução, certamente se frustará, já que o autor da proposta por trás da PEC 45, admite que sua proposta embora com muitos pontos importantes não foi pensada para reduzir a carga de impostos. Para Appy, tal redução exigiria antes uma discussão da dívida pública. O que não está em pauta no presente momento.
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Apresentado todo esse quadro, é importante uma última consideração, relativa ao terrível peso representado pelo ICMS na arrecadação do país, fato reconhecido por todos aqueles que têm como objeto de estudos as Finanças Públicas.
Certo que o ICMS é um imposto estadual, e que é cheio de mazelas, podendo citar entre outras, sem pestanejar sua regressividade – sendo um imposto de alíquota única sobre produtos, onera aquele que tem menos renda, ou seja, o pobre, da mesma forma que o que tem uma renda elevada, o remediado ou o rico.
Além disso, é o responsável pela terríve guerra fiscal entre Estados subnacionais. E já de há muito tempo seu critério de tributação pelo princípio da origem deveria ser discutido e alterado para o princípio do destino.
Mas essas são questões para outros pitacos.
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O de hoje, é para tratar da prisão de Ricardo Nunes.
Tanta informação, para poder fundamentar o argumento que, como fiscal de tributos estaduais que já fui um longínquo dia, reconhecer que o choro dos empresários, livre por natureza e direito não tem qualquer razão de ser.
Porque se o mais pesado tributo pago em nosso país é aquele que:
i) onera o preço do bem, o ICMS, e de quebra o IPI;
ii) é pago em cada ato de consumo pelo cidadão consumidor;
iii) que tal imposto é chamado de indireto justamente porque quem recolhe (paga) o imposto ao Estado é o empresário mas quem efetivamente paga por ele é o consumidor, cabendo ao empresário apenas trasnferir ao Estado o valor que ele recebeu do consumidor como intermediário.
Em minha opinião, é no mínimo um embuste, alegar que o imposto onera muito ao empresário.
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Está certo que a teoria econômica, em seus devaneios a partir de considerações da visão neoclássica e dos funcionamentos do mercado, sempre ideal, puro e de concorrência perfeita, afirma que, dependendo da elasticidade preço da demanda do bem (a reação cortando quantidades físicas compradas pelo consumidor, em razão de majoração de preços), parte do tributo é pago pelo consumidor, parte pelo vendedor ou produtor.
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Pura falácia, a começar da desconsideração de que mercados são sempre imperfeitos, e a concorrência pura uma quimera. E que até mesmo a distância entre o consumidor e o vendedor, ou seja a questão da localização, já é dimensão suficientemente importante para definir (pela proximidade), os mercados como imperfeitos.
Sem me estender muito: a mesma cerveja, de mesma marca, e mesmo preço ou até preço mais elevado, no bairro próximo a minha casa tem minha preferência,  em relação aquela de preço menor que me exija atravessar a cidade para apreciá-la.
Ou seja: a heterogeneidade do produto está presente e, com ela, a questão da preferência, que permite que o mais próximo cobre preço distinto.
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Vamos deixar discussões teóricas de economia de lado. Meu ponto aqui é que o empresário que recebe um valor de uma pessoa, para transferir tal valor ao governo, está cometendo um roubo: apropriação indébita, como o direito afirma.
Em sentido amplo, é ladrão. Ficou com algo que não lhe pertencia.
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Está certo que certa vez um comerciante quis me fazer ver que, apossar do recurso, ou sonegá-lo, é o melhor dos mundos. A ineficiência ou inépcia do governo para descobrir que não recebeu o que lhe era devido, permite que, passados 5 anos, o tributo seja prescrito. Ou extinto.
Além desse prêmio o empresário alega que estava usando um recurso por empréstimo, para capital de giro, muito mais barato que o cobrado por operações de crédito bancário. E, melhor que a alternativa de ter que abrir sociedade e admitir alguém dando palpites em sua empresa, nem sempre palpites corretos, apenas por se achar e ser dono.
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Argumentos interessantes, mas nenhum deles capaz de mudar minha opinião de que, o empresário que não recebeu e imediatamente fez o repasse do dinheiro ao governo, já está sendo portador de comportamento moralmente questionável – mesmo que tenha prazos para recolher o valor do imposto ao tesouro!
Em minha visão, é um oportunista, um aproveitador. Mesmo que com licença para sê-lo. (Sei que vou receber muita crítica, mas essa é minha visão. Que não é de nenhum santo!!!)
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Ricardo Nunes está preso. Está sendo feita justiça. Serve como ilustração para quem aelga que quando o empresário diz que paga muito imposto isso não passa de uma aberração.
Mesmo aquele imposto sobre lucros, ou sobre a renda da empresa, de 34%  de sua renda, é uma balela: o empresário na maior parte das vezes e dada nossa estrutura de comércio, não perfeita, sempre poderá cobrar preços mais elevados, transferindo para o consumidor desinformado ou sem opções concorrenciais localizadas proximamente, o imposto que EM TESE, ele diz pagar.
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É isso.

quinta-feira, 2 de julho de 2020

2020 o Ano Bissexto que não Começou, ou a farsa de repetir-se 1968, ano que não terminou


Segundo o jornalista Zuenir Ventura, poderíamos dizer do ano de 1968 que ele foi o ano que não terminou.
Lançado em 1989 e já com duas reedições, o livro de sucesso, “1968: o Ano que não Terminou”, consiste de um conjunto de relatos de um dos anos mais tumultuados vivenciados pelas gerações frutos do imediato pós-Guerra.
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Em pleno auge do movimento pacifista de origem hippie e inspiração hindu, baseado no lema “Paz e Amor”,  auge do movimento de contracultura regado a muito ácido lisérgico e outras drogas alucinógenas, 1968 marca também uma etapa de reação cada vez maior contra a Guerra do Vietnã e sua barbárie.
Por outro lado, enquanto parte da juventude americana era atraída e preferia se unir a um movimento com base em características marcado por uma postura de alienação e negação da violência social, ganhavam destaque, naquele país,  movimentos sociais destinados a fazer avançar a luta em prol da conquista, ampliaçao e manutenção dos direitos civis da população de origem africana.
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Em uma sociedade doente e dominada pelo ódio e pelo individualismo exacerbado, 1968 foi o ano em que o mundo assistiu atônito ao assassinato do pastor preto Martin Luther King, em abril, principal líder dos movimentos sociais.
Logo, em seguida, em plena campanha política para disputa da presidência da República, foi morto o senador Robert Kennedy, irmão do presidente americano também vítima de assassinato, J. F. Kennedy.
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Enquanto isso, a luta pela conquista de maior liberdade, com ênfase na ampliação dos direitos políticos e na promoção de reformas no regime comunista de governo, sob liderança do Secretário do PC, Dubcek, que entusiasmou a juventude da Checoslováquia, acabou com a invasão daquele país pelo Exército russo.
Sob a violência das armas, o mundo assistiu à frustração daquele movimento que iria passar para a História como a Primavera de Praga.
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Ainda em maio do mesmo ano tormentoso, estudantes franceses invadem as ruas de Paris, em protestos contra o sistema educacional, e exigindo reformas.
Em meio a um ambiente de demanda de reformas já efervescente em escala mundial, o que começou como um movimento estudantil ganhou vulto e generalizou-se, ganhando o apoio de movimentos de trabalhadores, em greves e tumultos que abalaram e fizeram tremer a República, chamada 5ª República, do General De Gaulle.
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No Brasil, imerso em um golpe militar e em uma ditadura que provocou, em seu início, uma série de arbitrariedades, - desde cassações políticas, até prisões indiscriminadas, caça às bruxas, além de crise econômica, quebradeira e desemprego-, os exemplos de revolta vindos do exterior não poderiam passar despercebidos.
Os estudantes de todo o país invadiram as ruas, em disputas e brigas com polícias armadas e até o Exército, reinvindicando a volta à normalidade democrática. Lutas que culminaram com a morte do estudante secundarista Edson Luiz, no restaurante Calabouço.
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É bom lembrar, para não esquecer e nunca mais dar oportunidade a que tais eventos possam vir a ocorrer, que dezembro de 1968 foi a data do famigerado Ato Institucional nº 5, de formalização do regime de exceção no nosso país, com implantação definitiva da censura, fim do funcionamento livre do Congresso e do Judiciário, substituído por um funcionamento consentido, fim do habeas corpus, e outras barbaridades que irão, ao fim, institucionalizar a TORTURA.
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Todas essas recordações servem de pano de fundo para abordar o movimento da Folha de São Paulo, #useamarelopelaDemocracia, procurando trazer e fortalecer o espírito da campanha das Diretas Já de 1984, que arrastou milhões de pessoas em comícios no país.
Em boa hora, a Folha assume a liderança de um movimento necessário, não apenas para que ela possa fazer um “mea culpa” pelo apoio dado ao golpe de 1964, mas para que se afastem de vez os fantasmas de um ano que não acabou.
Ano que alguns militares saudosos daqueles tempos de privilégios castrenses, alguns imbecis e despreparados políticos que visam apenas os próprios interesses e alguns cidadãos, iludidos e confundidos por falsas propagandas e realizações – nunca efetivadas – daquele período de trevas, são induzidos e manipulados a reivindicarem um retorno desastroso.
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Esses que pedem o retorno dos atos institucionais, em especial o AI-5, o fechamento do Supremo e do Congresso e apoiam atos contrários aos demais poderes institucionais do Estado de Direito, não são apenas desmemoriados. Mostram apenas sua total, completa, cabal ignorância, o que temos de reconhecer não ser culpa deles, apenas.
Pior são os corruptos, como os filhos do presidente ou o próprio ex-capitão, que se orgulha de elogiar militares torturadores que, fosse outra a nossa configuração das Forças Armadas, apenas envergonhariam as Armas.
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Curioso é que esse movimento saudosista e de péssima e trágica lembrança ganha vulto em nosso país com mais força e apoio, em 2020.
Justo 2020, que alguém no futuro irá usar no título de outro livro: “2020: o Ano Bissexto que não Começou”.
E, embora não tenha começado, já fez tantos estragos passíveis de serem enumerados, como as mais de 60 mil vítimas fatais, de histórias de vida e carinho, amor, trabalho de mais de 60 mil pessoas, não meros números em estatísticas cheias de números e ocas de amor e solidariedade.
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Sessenta mil vítimas da irresponsabilidade genocida de um mandatário que não conseguiu captar a gravidade da situação de pandemia que se alastrava mundo a fora, mais preocupado com o desastre econômico que medidas sanitárias recomendadas iriam provocar para seu mandato e seu projeto de reeleição.
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Mas não foi só. Em Minas, e felizmente, se é que o termo pode ser empregado, 6 pessoas morreram e outras tantas ficaram afetadas, pelo simples ato de desejarem comemorar a vida e a alegria de estarem entrando em um novo ano.
As marcas da cerveja contaminada, ainda bem, repito, não se espalharam por todo o país, atendido pela cervejaria desatenta.
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Belo Horizonte assistiu ao drama, já repetido, mas poucas vezes com a mesma violência das chuvas torrenciais e dos alagamentos de janeiro, estendidos para o mês de fevereiro, também provocando destruição e mortes.
E ainda na virada do semestre, final de junho, para coroar tanta dor e sofrimento, a passagem do ciclone bomba, detonando o Rio Grande do Sul, já afetado pesadamente pela seca, e ameaçado pela nuvem de gafanhotos e Santa Catarina, inclusive Floripa e mais perdas materiais e mortes.
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Não poderia terminar de elencar todas as catástrofes que castigam nosso país – o governo e sua trupe, a maior delas, se tentasse listar e rememorar, tantas vidas perdidas em investidas policiais nas comunidades das capitais, com o objetivo de prover segurança (???).
Especialmente são tantas mortes, de CRIANÇAS. De crianças PRETAS. De crianças pretas e POBRES. Todas ingênuas, com esperanças e SONHOS.
Como o menino Miguel de morte por negligência da patroa no Recife. De João Pedro, de 14 anos, no Salgueiro, ou de Guilherme, 15 anos. Ou ainda ontem, de Ítalo Augusto, de 7 anos, esse por tiro endereçado à guarnição policial que patrulhava a área, segundo consta do BO.
São 16 mortos nessa faixa etária. Vítimas da violência. Da nossa vergonhosa desigualdade.
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Marx dizia que a história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda vez como farsa.
Está aí, na farsa desse ano em que o prazer,  a alegria entrou em recesso, ou em quarentena como todos nós que ainda nutrimos solidariedade por nossos semelhantes, que tem se caracterizado o ano de 2020, a constatação do acerto do filósofo que alguns que nunca o leram e não o conhecem ou a sua obra, querem esquecer.
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2020 é um ano que não começou. Não começou bem, para o cidadão do mundo, em geral, e para o brasileiro em particular.
Mas, parece que Jair já teve sua atenção chamada, pelos militares que infestam o Planalto. Afinal, com o comportamento da marionete que eles julgavam estar assumindo o poder em nome deles, o país só conseguiu notícias de recordes negativos.
Como o de se instalar no Ministério da Saúde, ministros que, por não serem adeptos da cloroquina meu amor, foram sacados de seus postos, onde apareciam e tinham mais prestígio que o seu chefe enciumado e ignorante.
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Ou o de colocar um negacionista, para dirigir a Fundação Palmares. Ou a de ter um ministro da Educação que não falava português, substituído mais tarde por outro que não sabia escrever a língua de que se utilizava para, afiada, falar impropérios sobre outros aos quais não conseguia chegar aos pés. Refiro-me ao trânsfuga e veloz Weintraub.
Em meio a tantos desastres, na Cultura, com a Damares e seu concurso de máscaras contra a Covid, é forçoso reconhecer que Carlos Decotelli, ao menos teve a fibra e galhardia de reconhecer o vexame e pedir para sair, de fininho.
Mas, ministério onde Moro se destacava como símbolo de justiça, honestidade e espírito democrático, só podemos mesmo ficar vendo a produtividade do laranjal de Marcelo Álvaro Ântonio, ou a boiada passageira de Salles e o ministro Guedes e seus delírios.
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Só para lembrar, foi de Maia a articulação e a responsabilidade pela aprovação da mal-fadada reforma da Previdência. Foi de Maia e do Congresso a aprovação do auxílio social de 600 reais de que Guedes agora se gaba.
Foi do Congresso que partiu a aprovação, para o bem e para o mal, do marco legal do Saneamento.
Guedes, apenas faz volteios pelo salão. E brada pela previdência pelo regime de capitalização, pela volta da CPMF, e pela liberdade de o empresário – especialmente o maior, expoliar o seu trabalhador. Por estar em meio aos reflexos das luminárias do salão de baile, não percebeu que a economia não conseguiu decolar hora alguma, e que andou de lado no primeiro bimestre desse fatídico 2020.
E, se continuar como estamos, desse lamaçal a economia não vai sair em V. Vai sair, arrastando-se aos prantos.
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Enquanto isso, Jair aprende a se comportar, para que seu silêncio eloquente, sirva de exemplo para Queiroz e ele não venha a se tornar seu algoz.
Jair mostra ao amigo e companheiro de contatos milicianos que manter silêncio pode, se não ajudar, ao menos tirar da berlinda os filhos do capitao. Todos com algum tipo de relação com práticas como as de rachadinhas, contratação de funcionários fantasmas e peculato, disseminação de fakes news e atentados à democracia.
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E assim, no ano que não começou, chegamos a julho.