quinta-feira, 7 de outubro de 2021

O autoritarismo em marcha: mais uma ameaça à autonomia, independência e até à existência dos 3 Poderes, nestes 11 anos de blog

 “Além de outros que já – não é que votam com a gente – votam as pautas que tem que ser votadas do nosso lado. Então vamos ter tranquilidade por parte do Judiciário.”

Transcrevo a frase do presidente, proferida em encontro com ruralistas ontem, no Palácio do Planalto.

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Para vários órgãos de imprensa, a frase exprime o fato de que, se reeleito, caberá a ele ao menos duas indicações para cargos no Supremo Tribunal Federal que deverão ficar vagos logo no início de seu mandato.

Trazem embutida também a sugestão da possibilidade de conseguir o alinhamento do STF com o governo.

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A frase, mesmo truncada, traz claramente o compromisso do presidente em subordinar o STF ao Executivo, não aos valores maiores do Direito, da Justiça, da democracia e da representação ou análise e reconhecimento de valores do conjunto das forças sociais.

Dita aos ruralistas, é um compromisso de mais que defender, fazer valer a tese esdruxúla, já tratada em pitaco anterior de um tal de ‘marco temporal’ para demarcação de terras indígenas.

Não é demais reafirmar: tese que é contrária ao que prega a Constituição.

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Traduzindo: está no ar a promessa de se formar um Tribunal constitucional, capaz de ir contra e jogar por terra preceitos Constitucionais.

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Claro, alguns eleitores do presidente menos sujeitos a manipulações, talvez consigam enxergar os perigos contidos, para a continuidade do Estado de Direito, da eliminação da autonomia necessária e, em última análise, até da supressão mesmo da existência de três Poderes.

Mas, não se nega que  é provável que bolsotários, mais que satisfeitos se sintam estimulados a aplaudir e defender a atitude do mito que veneram, destinada a livrar este mito de quaisquer amarras à implementação de sua vontade.

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Porque o fato é que há bolsotários que, como marujos enfeitiçados pelo canto de sereias,  não apenas votaram e apoiam, defendem e acreditam nas  boas intenções do presidente, sempre dizendo amém.

Outros reconhecem haver uma completa identificação entre as pautas e o tipo de tratamento a elas dispensada pelo presidente com os valores que professam e até a forma eles mesmos lidariam com o assunto.

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Afinal, é importante lembrar que incluídas nesse grupo, encontram-se pessoas capazes de, por exemplo, elogiarem o ex-presidente Trump e criticarem Biden. Quem sabe, dispostos a repetirem aqui – talvez como farsa – a invasão orquestrada pelo ex-presidente americano, lá,  ao Capitólio; aqui, ao prédio do Supremo ou do Congresso.

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A questão de fundo refere-se ao conteúdo autoritário que a medida pretendida expressa, que pode se revelar bastante conveniente aos interesses do conjunto de seus apoiadores, em um primeiro momento, ou até em ocasiões variadas.

 O problema é quando os interesses não coincidirem, situação que não é difícil prever dado o arco de alianças de grupos com diferentes interesses e até distintos matizes no interior do conjunto de apoiadores.

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Se, e quando interesses específicos forem atingidos, estes apoiadores sentirão em sua “própria pele”, os revezes provocados por decisões autoritárias, adotadas sem qualquer consulta ampla e lastreadas em um apoio hipotecado ao mandatário quando, eventualmente os interesses eram coincidentes.

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Curioso é que ninguém se disporia, nos dias de hoje, a entregar seu celular com aplicativos financeiros e senhas abertas, ou seus cartões de crédito, para qualquer pessoa que não fosse de seu relacionamento íntimo.

Aliás, manda a prudência que não se empreste o cartão de crédito para o uso nem mesmo de alguém mais próximo.

Como entender então, a disposição de se dar um cheque em branco a um político de caráter tão volátil e temperamental, como o desse ex-militar que planejou explodir prédios militares para alcançar seus objetivos; ou renegou seu passado político para conseguir se eleger como um ‘outsider’; ou traiu a cada um de seus principais apoiadores, afastando-os do governo por mera inveja ou insegurança, fossem militares ou civis; que se agarrou ao Centrão  como uma tábua de salvação, apenas para escapar das acusações de crimes de responsabilidade que pesam sobre seu desgoverno?

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Pior é que ele não renega ou esconde seu caráter autoritário, mesmo quando tenta vender a imagem de Paz e Amor, como agora junto ao Supremo.

Cabotino, inepto, pouco afeito ao trabalho, deixa claro seu total desconhecimento e desprezo pela diferença elementar entre exercer o governo, eleito que foi para gerir o país dentro dos limites legais e em prol de todos os cidadãos brasileiros, e ser a representação do próprio conceito, abstrato e etéreo, de Estado.

Tudo para dar curso a sua vontade e atingir aos seus objetivos, vários pouco republicanos.

 

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11 anos de pitacos

Comemoramos nesse 7 de outubro, 11 anos, desejando e dando pitacos dos mais variados tipos.

Alguns raros leitores, a maioria amigos, questionam desde o tamanho de meus textos até a razão de não recorrer à gravação de vídeos a serem disponibilizados no Youtube.

Várias razões poderiam ser listadas, a principal delas, o fato de ter sempre acreditado que as palavras e os textos escritos são mais ricos e capazes de induzirem à reflexão, e ao amadurecimento das ideias, que as imagens.

Se é verdade, e concordo,  que as imagens valem mais que mil palavras, por outro lado, também acredito que, ao entregarem de forma já acabada, tanto a mensagem quanto o conteúdo, a imagem restringe o leitor.

Retira dele os mistérios, as buscas, as viagens que as palavras escritas permitem desenvolver. Ainda que ocupem mais  o tempo do leitor. E que possam trazer desconforto e desaprovação  com a forma de análise do tema a ser desenvolvida.

Agradeço pois, a todos os amigos pacientes, leitores desses pitacos.

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

As peripécias de Guedes, e suas contas no exterior. E o papel da imprensa na defesa do ministro que cuida de seus interesses.

 Não há como questionar o fato de a grande maioria das empresas autorizadas a explorarem a concessão pública dos meios de comunicação de massa serem dotadas de um perfil de caráter conservador, não raras vezes, com um viés francamente elitista.

Embora concessionárias do serviço público previsto no artigo 223 da Constituição Federal, que trata da comunicação social, tais empresas se revestem da característica de empresas privadas capitalistas, nunca sendo demais recordar, com interesses de auferir e acumular lucros.

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Na ausência de uma cuidadosa e rigorosa regulamentação, que permitisse exigir o cumprimento de interesses sociais mais amplos, não surpreende a quem quer que seja, que são os seus interesses particulares e de classe os que são atendidos de forma prioritária e não os interesses de todas as camadas da população.

Assim, apenas para dar a ênfase necessária: a grande mídia age como qualquer outro grupo capitalista empresarial, na defesa de seus interesses, quaisquer que eles sejam.

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Toda esta introdução apenas para abordar o tratamento, mais que respeitoso, até de proteção que a grande mídia dá a Paulo Guedes, o Posto Ipiranga de combustível adulterado; o poderoso mágico de Oz-tentação fajuta do desgoverno brasileiro; aquele economista que leu Keynes por 3 vezes, no original, embora pelo comportamento que adota, não teve êxito em entender as ideias do lorde inglês.

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Para não parecer questão pessoal, verdade é que Guedes atuou junto a outros colegas do MIT, como Jeffrey Sachs, na equipe do autoritário e sanguinário governo Pinochet, no Chile, embora com papel de importância aquém da secundária.

E a grande maioria de profissionais da área sabem fez carreira exitosa no mercado financeiro, tendo sido, inclusive sócio de André Esteves no Banco BTG Pactual, entre outras atividades.

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A questão é que Guedes tem apresentado, ao assumir a importante pasta da Economia, a qualidade de um boquirroto, um falastrão, característica de todo aquele portador de uma vaidade desmesurada.

Dessa forma, assumiu o ministério, prometendo zerar o déficit público; mais tarde prometeu taxas elevadas de crescimento econômico; além das reiteradas promessas de promover as mudanças estruturais que permitiriam destravar o desenvolvimento econômico do país, devendo ficar claro que para ele, desenvolvimento econômico é antagônico a desenvolvimento social.

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Por ocasião da pandemia que nos atingiu, fez pressão para que a atividade econômica não sofresse qualquer tipo de restrição, não tendo se manifestado claramente a favor de medidas que privilegiassem a vida em lugar da atividade econômica.

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Também é de conhecimento geral que todas as suas promessas foram sonhos de uma noite de verão. Sua mais importante ideia, a privatização da previdência a fim de gerar maior espaço de atuação para o capital financeiro junto aos negócios da previdência complementar não tiveram êxito; a recriação da CPMF ou imposto nos mesmos moldes também não foi aprovada e apenas a fragilização dos direitos e garantias trabalhistas tiveram sucesso, mesmo assim, e FELIZMENTE, parcial.

Se fez algo de útil, foi a reboque do Congresso  que criou o benefício de assistência emergencial, no valor três vezes superior ao que ele defendia.

Tal abono foi o responsável por uma queda do PIB, no ano de pandemia, aquém da queda prevista por todos.

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Não vou repetir aqui frases suas, que mostram quão infeliz é o sinistro de um governo cujo presidente consegue ser ainda pior ( a rigor, só não é muito pior porque o presidente já provou que não gosta de trabalhar!)

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Mas, o nome de Guedes surge agora envolvido em investigação jornalística séria, junto com mais outros 330 nomes de figuras importantes, políticos, governantes, artistas, jogadores, empresários, etc. que averigua os detentores de contas bancárias mantidas em “offshores”, lugares considerados paraísos fiscais.

Tradicionalmente, manter contas nesses locais serve ao interesse de estimular a evasão de divisas, esconder recursos de sonegação fiscal, ou permitir esfriar recursos obtidos de forma ilícita, até criminosa.

Daí porque grupos de organização criminosa procuram enviar seus ganhos para tais contas.

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Importa afirmar que não apenas Guedes, mas também o presidente do Banco Central e empresário patriotas, como o honestíssimo Luciano Hang.

Como é o seu papel, toda a imprensa se preocupou em noticiar a descoberta e averiguar a lisura ou legalidade de tal comportamento. E descobriu que não há qualquer ilegalidade em manter tais contas offshore, com seu titular tendo apenas a obrigação de informar a existência de tais contas e valores, à Receita Federal.

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Diferente é o comportamento do titular de tais contas, caso seja agente público, ou assuma função pública.

Mas, nesse caso, apenas deve comunicar à Comissão de Ética, além da Receita, a manutenção de tais contas, devendo ainda se afastar da gestão das contas.

Isso, no caso IMPORTANTE, de sua função pública poder lhe dar condições de adotar políticas e medidas capazes de lhe proporcionarem benefícios. Ou lhe permitam a condição de obter informação privilegiada.

 

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Hang, por exemplo, empresário envolvido com atividades de importação de mercadorias, não estaria sendo um gestor eficiente se não tivesse tais contas para dar maior agilidade aos fluxos de pagamentos relacionados aos seus negócios.

Ele ter se esquecido por vários anos de comunicar a existência de tais contas à Receita e oferecê-las à tributação, se devida, é apenas um lapso de memória de um empresário tão patriota e tão defensor do governo do país.

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Já Roberto Campos Neto, o Bobby Fields Grandson, que atuou muito tempo em instituições financeiras do exterior que lhe permitiram construir um patrimônio razoável, não poderia ser acusado de ter ferido qualquer regra de comportamento por manter tais contas.

Ainda mais que comunicou à Receita e à Comissão de Ética e, embora com atraso, afastou-se da gestão de tais contas.

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Quanto a Guedes, embora não tenha se afastado em qualquer momento da gestão das contas que poderiam se beneficiar de políticas cambiais cuja implantação foi defendida pelo ministro, a imprensa tenta relativizar seu comportamento.

Assim, faz questão de divulgar que Guedes comunicou aos dois órgãos – Receita e Comissão de Ética – a existência daqueles recursos, cumprindo sua obrigação legal.

De certa forma, dá a entender que a politica cambial é de responsabilidade direta do Banco Central, além de que se pauta pelas “regras do jogo livre das forças de mercado”.

Ou seja: Guedes estaria isento de maiores responsabilidades, apesar de ter ganho alguns milhões de reais com a valorização do dólar.

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O grande problema, ainda não concretizado e possível de ser evitado  ( como no caso da corrupção das vacinas da Covaxin)  foi a defesa do sinistro junto ao Congresso, de conceder um tratamento tributário mais flexível para contas mantidas no exterior, quando da definição de diretrizes de reforma do Imposto de Renda.

Guedes, mesmo sem dolo, defendia a não tributação de patrimônio semelhante ao dele.

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Mas, se a imprensa não tem como esconder tal fato, ainda tenta contemporizar. E, assim, evita afirmar que a conta de Guedes, aberta em 2014, portanto, antes de ele ser chegar ao ministério.

Vai daí que se não é crime manter as contas, havendo apenas um problema ético ou moral, não tão significativo, de não afastar-se da gestão, pode continuar passando pano para o sinistro que mais atende às expectativas de toda a classe empresarial.

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Fosse isenta e séria, talvez lhe ocorresse questionar a origem dos recursos da conta. Afinal, a abertura da conta é de data coincidente com fatos que levaram à investigação de Guedes, sob a acusação de cometimento de crime de gestão temerária, pela CVM.

Na oportunidade, o problema era com prejuízos acarretados a fundos de pensão de empresas estatais.

Para registro: tal investigação foi arquivada, depois de Guedes ter assumido o ministério.