terça-feira, 23 de maio de 2023

Política Econômica: fiscal e monetária. Há razões para conflitos e para a histeria dos mercados e da mídia?

 



 link do Youtube: https://youtu.be/B2v5Mh4Xiw4

Parece-me que desde sempre a humanidade cultiva a impressão errada de que apenas as ciências físicas, naturais, matemáticas sejam, de fato, dotadas de genuíno caráter científico, o que se deve ao método e à linguagem que adota.

A rigor, acredito que duas características atribuídas a essas ciências ajudam a conformar o caráter que lhes é atribuído:  a questão da Prova obtida em experiências repetidas e controladas em laboratórios e a questão da imparcialidade do cientista ou pesquisador. Ambas ajudaram e ajudam a sustentar o Mito do Método que as privilegia.

Embora sejam apenas mitos, como o da evolução linear e progressiva dos avanços científicos, ao estilo da colocação de tijolos em uma construção que se ergue por etapas,  à la Popper, em contraponto à visão dialética e evolutiva das revoluções de Kuhn.

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Tal convenção, e visão de mundo, transforma as ciências sociais em falsas ciências, meras representações ideológicas, postura contra qual se insurgiu o grande pensador Chico de Oliveira, para quem o conteúdo ideológico resultante de distintas cosmovisões e interesses sociais diversos é que permitiriam dar cientificidade à análise de uma realidade multifacetada.

Procurando fugir do estigma ideológico nela impregnado  por ser a ciência social  que é, sem condições de repetição de experimentos sob controle; e onde o cientista pesquisador é privado de isenção e imparcialidade por ser, simultaneamente, sujeito e objeto da análise, a ciência econômica procurou aplicar, por imitação ou disfarce, o método e linguagem das ciências naturais.

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Como André Lara Resende denuncia  em Camisa de Força Ideológica: a Crise da Macroeconomia, autor e livro de que extraio alguns dos conceitos aqui destacados -, para escapar das amarras ideológicas a Ciência Econômica (e seus representantes) elaborou todo um esquema de conceitos para criar a falsa impressão de neutralidade científica e imparcialidade de análise.

Tal esforço não teve êxito, como o demonstra a macroeconomia cujo objetivo é apenas o de “ cumprir o papel ... de restringir e direcionar o poder estatal ... em benefício (de poderosos grupos de interesses) do capitalismo financeiro”; ou a “teoria monetária, ... que sempre  teve como objetivo restringir o poder estatal em expandir o crédito e criar poder aquisitivo”.

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Para atingir seu objetivo, cultiva-se outro bezerro de ouro,  a falaciosa “exigência de equilíbrio anual das contas públicas, (que trata indistintamente) ... gastos correntes e os gastos de investimento,” de forma a paralisar “a imprescindível atuação do Estado (impedindo-o de agir) ... em prol do interesse público como do bom funcionamento do setor privado”.  

No estágio atual de capitalismo financeiro em  que vivemos, restringir o poder do Estado exige limitar sua capacidade de dar crédito  - a partir do nada – e expandir o poder aquisitivo da economia. “Limite que é necessariamente um limite político.”

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Cientes de que i) o Estado não necessita de poupança prévia para criar crédito (dinheiro); ii) tanto o dinheiro como o título representativo de dívida pública emitido pelo Estado são dívidas públicas; iii) a dívida pública é tanto um passivo do Estado quanto um ativo do setor privado; iv) a inflação só é provocada pela criação de crédito/dívida pelo Estado se esta criação superar os limites de recursos ociosos ou  potenciais em condicões de serem disponibilizados à produção; ENTÃO, CADA VEZ MAIS  para restringir a “faculdade do Estado dar crédito e expandir o poder aquisitivo na economia” os interesses privilegiados - do capital financeiro- passam a empregar um novo conceito destinado à  “adoção de um  limite superior para relação dívida/PIB”.

Curiosamente, os que defendem restrições ao endividamente público são os portadores dos títulos,  agentes privilegiados que não demonstram essa mesma preocupação com a expansão do crédito, especialmente quando esse crédito é criado pelo sistema bancário.

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Como a maior parcela de poder aquisitivo em circulação compõe-se de recursos fornecidos pelos bancos, podemos perceber os interesses por trás de toda a preocupação com controle de gastos públicos.

Sendo direto: quando o Estado cria poder aquisitivo, seja pela criação de moeda ou sob a forma de endividamento para sustentar gastos voltados à melhoria das condições de vida da população mais necessitada, imediatamente erguem-se as vozes críticas, atribuindo a essa política, erroneamente, a responsabilidade de ser causa de inflação. Estas vozes silenciam-se quando este poder aquisitivo é criado via crédito fornecido pelos bancos, crédito que lhes gera vultosos lucros.

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O que resulta da criação pelo Estado de crédito ou poder aquisitivo é emissão de dívida sem qualquer risco para o comprador do título. Afinal, o devedor é também quem tem poder para criar o dinheiro com o qual liquidar a dívida.

Nesse processo, o setor privado garante uma excelente oportunidade para aplicar seus saldos superavitários, dada ainda a promessa de pagamento assegurado de juros, sem qualquer risco de crédito.

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Essa expansão de dívida ou do passivo financeiro do Estado cria uma movimento de autoalimentação uma vez que  provoca um processo de inflação de ativos (alta de preços de ativos ou títulos) que,  para ocorrer  “sem que haja redução proporcional de poupança de outros ativos privados” exige o continuado aumento do passivo do Estado.

Dessa forma, “a responsabilidade fiscal não pode mais se restringir à exigência de equilíbrio orçamentário na falta de limites naturais, apenas limites institucionais, políticos definidos, para a expansão do crédito público.”

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Em síntese:  não há razão para a histeria dos mercados, da midia ou a manutenção pelo BC de juros escorchantes, que destroem a capacidade de crescimento da produção e renda da economia, exceto o fato de que uma política econômica consciente e responsável voltada para investimentos em prol da sociedade resulta em melhor e mais equitativa distribuição dos rendimentos gerados.