terça-feira, 27 de agosto de 2019

Moro cada vez mais valendo menos e as queimadas: o que quer Bolsonaro com o discurso de soberania ferida? Uma nova Malvinas?

Em minha opinião, Moro colhe o que plantou. O que não deveria ser novidade para ninguém, muito menos para os habitantes de um país cuja principal atividade econômica está ligada à agricultura, ao agronegócio.
Assim, não nutro qualquer sensação de solidariedade ou simpatia por esse ex-juiz, cuja arrogância assumiu proporções tão gigantescas que, junto com o poder que o cargo de juiz lhe proporcionava, acabou por inebriá-lo.
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Como responsável pela operação Lava Jato, sempre adotou um comportamento em que foi mais que juiz, um justiceiro. Aplaudido e incensado pela mídia; por todos os políticos que não tinham vinculação estreita com o PT, independente do tipo de comportamento delituoso ou pleno de indícios de ilegalidades; transformado em herói nacional por uma parcela da população, muitas vezes sem condições de analisar de forma isenta e criticamente qualquer que fosse a novidade repercutida pelos meios de comunicação ou pior, alardeada pelas redes sociais, Moro rompeu por várias vezes o limite da legalidade.
Cínico, para justificar as arbitrariedades e ilegalidades cometidas, sempre que cobrado apresentou suas escusas mais singelas, sempre alegando algum tipo de descuido, algum tipo de engano no envio ou na publicação do que quer que fosse, o que é curioso em uma pessoa que, na maior parte das vezes mostrou-se extremamente cuidadoso e cioso de suas responsabilidades.
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Lembre-se que ele se encontrava em gozo de férias, no exterior, quando ao saber da decisão de um desembargador de plantão que concedia "habeas corpus" a Lula, imediatamente se pronunciou contrário à decisão, entrando em contato com autoridades da PF, orientando quanto ao descumprimento da ordem de soltura, ou seja, mostrando estar, mesmo em seu descanso, sempre atento ao que ocorria em seu domínio.
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Mas, sem querer, por um lapso, pelo qual se desculpou, gravou sem autoridade para tanto e, pior, divulgou mensagens de comunicação trocados entre a presidente da República e políticos (notadamente Lula!), além de ter repetido o engano, ao gravar e divulgar mensagens privadas de Lula e seus familiares. 
Aqui, nesse caso, se necessária a gravação de Lula e suas conversas com familiares, manda o respeito e o bom senso que não se divulgue o conteúdo sem relação com o objeto de investigação. 
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Mas, o juizinho de Curitiba se achava cada vez mais próximo de ser Deus. E aos deuses, é permitido tanto frequentar recepções e festividades em que estão presentes personalidades que poderão vir a ser objeto de seu julgamento futuro, ainda na mesma operação Lava Jato; quanto é permitido errar, ou pior, agir de forma criminosa ou ilegal ou aética, por sentimentos às vezes tão torpes quanto a vingança.
Afinal, para os que frequentam o Olimpo, tudo é permitido, exceto falhar. 
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Como todo ser humano, a soberba o dominou e a mosca azul do poder mais amplo deve tê-lo picado de forma trágica. 
A história todos sabem: antes mesmo da eleição de Bolsonaro, em segundo turno, Moro foi sondado para abandonar o cargo de magistrado e vir a se tornar ministro da Justiça. Um superministro, como se dizia na ocasião. Com superpoderes para implantar um pacote anticrimes e corrupção, cheio de abusos, como por exemplo, o da utilização de provas - conseguidas de que forma fossem obtidas, em processos de investigação criminal. Ou o ponto que tenta implantar o excludente de ilicitude para policiais no exercício de suas atividades e missões. 
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E aqui, devemos deixar claro que sempre a legítima defesa fez parte do nosso direito, apenas que quando tal ação de defesa se faz com as mesmas armas e intensidade do ataque devido. 
Afinal, uma pessoa armada que invade um ambiente e coloca em risco a todos que ali se encontravam, pode e deve até, ser tratada como alguém que ameaça a vida de outros e, como tal, ser recebida a tiros. Ninguém irá receitar que se jogue chinelos em tal pessoa. Ou que se tente desarmar tal pessoa com um canivete ou faca.
Mas, daí a permitir que uma pessoa com armada, ameaçando outras pudesse levar um tiro, à queima roupa, na nuca. Ou que, se estivesse, por exemplo, nas ruas de alguma cidade pudesse ter um carro atirado em sua direção, parece-me incabível. Caracterizaria muito tranquilamente o uso de força excessiva na reação. 
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A situação ficaria ainda mais estranha se o policial em missão fosse o agente autorizado a atirar e matar, com uso de uma desculpa de excludente como o mero risco ou a emoção do momento. 
Ora, não bastasse a aparência de que alguns policiais parece ter verdadeiro prazer sádico em matar, como o confirmam as vítimas - pobres, pretas, jovens, de comunidades da periferia - de balas perdidas, por exemplo, no Rio. 
Vá lá, é uma minoria, felizmente.
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Mas, supondo que essa forma de conduta seja algo incentivado dentro das academias ou cursos de formação militar, o que podemos esperar dos jovens militares lançados às ruas?
E se essa conduta ainda for acompanhada de postura como a de governador do Rio, antigo juiz, parece que também acreditar-se integrante da categoria dos semideuses, comemorando a morte de um jovem com problemas psiquiátricos, abatido - segundo o que consta, no caso corretamente, nos protocolos e manuais-  sem apelação.
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Ora, para uma polícia com membros que acreditam que bandido bom é o bandido morto, o excludente de ilicitude é uma ameaça. 
Mas, pior para Moro foi, em seu pacote, a questão da legalidade de obtenção de provas. 
Como o feitiço tende sempre a voltar-se contra o feiticeiro, com gravações que podem não ter sido obtidas legalmente, ou seja as provas que ele sempre desejou usar, ficamos sabendo de suas ações injustas e irregulares, criminosas mesmo, na operação Vaza Jato. 
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Dito tudo isso, há que se comemorar, as atitudes de total desrespeito que "nosso presidente" vem adotando em relação ao seu ministro. 
O que, em minha opinião, revela ao menos algum resultado positivo dessa gestão tão caótica e desequilibrada. 
Bolsonaro formatou e definiu Moro com a estatura que o juizinho merecia: minúscula. 
Como toda pessoa que é rancorosa e ressentida, enquanto pode usar o juiz, o capitão o usou. Foi assim que conseguiu que Moro, a poucos dias da eleição em segundo turno, mais uma vez viesse a público, divulgando fatos em ocasião mais que inoportuna, de delação cometida por palocci. 
Eleito, aproveitou para navegar na popularidade sem fundamento de seu ministro. Mas com medo da sombra em que o juiz poderia se transformar, e conhecedor da personalidade pouco confiável do juizinho,  antes de ser traído pelo ministro, tratou de divulgar as negociações que fizeram Moro abdicar de uma situação de total tranquilidade para o risco total do jogo político. 
Tendo deixado a magistratura, no futuro Moro seria indicado para o Supremo. Precedente já teria, no governo Collor, com Francisco Rezek. 
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Foi aí que Moro embarcou, ou mordido pela mosca azul, na aventura de se tornar o candidato de Bolsonaro para sucedê-lo, em 2022.
Mas Bolsonaro não irá entregar a rapadura com tanta facilidade e Moro corre o risco de, desmoralizado, nem ir para o Supremo, nem tornar-se candidato. Menos ainda de continuar ministro. 
Especialmente se a desmoralização de seu ministro fizer parte de um esquema de turmas de milicianos, e organizações criminosas de tal perfil, elaborado para enterrar qualquer possibilidade, até por vingança, de que um juizinho arrogante, creia ser possível endurecer penalidades e enquadrar criminosos de alta periculosidade. Alguns deles, muito bem relacionados no Planalto. 
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Só espero que, em meio a sua desventura, Moro não saia e Bolsonaro não chame para substituí-lo ao seu dileto amigo, Queiroz. 
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Queimadas e Amazônia

Chamar o planeta de nossa casa, é algo tão natural, como chamar a terra de nave mãe, considerar a todos nós como parte de uma mesma viagem. 
Chamar a Amazônia de nossa casa também é algo que não deveria escandalizar a qualquer pessoa que lembre que essa região do mundo não é apenas brasileira. Vários povos, nações, países têm territórios na região da selva. 
Inclusive a França, e sua Guiana. 
Tratar essa forma de expressão como algo que, ao contrário de servir de alerta e de solidariedade, ou de disposição de ajudar a resolver problemas com algum sinal de desejos de ataque à soberania brasileira, só pode ser coisa de algum paranoico. Maluco total. 
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Macron, como presidente da França tem toda a razão em se preocupar com a questão das queimadas na selva, que poderão em breve atingir seu próprio território. 
Tem toda a razão em querer discutir em nível internacional - no âmbito do G7, medidas que poderiam trazer alguma ajuda, por menor que fosse, especialmente em termos de recursos escassos, como dinheiro. 
Os países do G7, também preocupados, disponibilizarem recursos para ajudar no combate às queimadas no Brasil em montante de 90 milhões de reais, aproximadamente, é algo a se comemorar. 
Exceto se o presidente do Brasil se chamar Bolsonaro. E se, ao que parece, sua política externa é toda traçada com o objetivo de nos desmoralizar e, desfazendo tudo de positivo que Lula criou no cenário internacional, nos ridicularizar em escala planetária. 
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Situação que, para sermos exatos, tem conseguido alcançar com raro brilho. 
O Brasil virou chacota.
E Bolsonaro só pode justificar suas ações utilizando argumentos antiglobalistas, de isolamento de nosso país, ou ainda pior, como forma de criar um campo de batalha, naquilo que seria o equivalente a incentivar uma guerra pelas Malvinas, de forma a, como os militares autoritários e fascistas da Argentina dos anos 70/80, procurar obter coesão interna, à custa de um patriotismo tolo e descabido. 
O problema é que as ações de Bolsonaro são sempre contrárias ao que recomenda o bom senso, e se não induzem, acabam sendo interpretadas, como sinais de que a preservação ambiental é conversa de globalistas marxistas, que o governo jurou exterminar. 
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Assim,  desde as declarações de que a região amazônica deve ser objeto de exploração predatória (sob uma suspeita ideia de que os índios desejam ter uma vida integralmente aculturada); ou medidas de corte de gastos com a fiscalização ambiental ou as instituições de conservação do meio-ambiente; ou ainda de desmentir dados de pesquisa oficiais, apenas por não serem de seu agrado, trocando diretores de órgão de coleta de informações preciosas e científicas de alta qualidade - o conjunto de decisões de Bolsonaro acaba sendo entendido como um convite para todo aquele que quiser explorar de forma irresponsável e inconsequente nossa natureza. 
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Aos que têm interesses de lucro fácil, não há necessidade de um segundo convite. 
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Enquanto isso, o capitão dispensa a ajuda financeira internacional, sob a alegação de que serve a interesses contrários a nossa soberania.
Seu filho, em vias de ser indicado embaixador nos Estados Unidos, afirma que diplomacia se faz com armas, incentivando ainda mais o lobby da indústria americana. 
Bolsonaro só aprova ajuda dos Estados Unidos e Israel, o primeiro dos dois países que já foi até convidado a vir explorar nossas riquezas minerais da selva. 
E o mau gosto de tratar toda a questão, séria, como uma questão de primeira dama mais bonita é a peça que faltava para comprovar  mediocridade de nosso presidente. 
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Certo está Macron: o Brasil merecia coisa melhor. 
Melhor que uma primeira dama charmosa, elegante, jovem, bonita, mas com toda a família envolvida em atos ilícitos e criminosos. 
O que assegura que, em termos de folha corrida de antecedentes da família, ao menos, Michelle vence a francesa sem precisar fazer força. 
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Para terminar, um alerta a todos os navegantes, sem maiores condições de pesquisar e aprofundar o conhecimento.  
O desmate é feito com a passagem de tratores puxando correntes de ferro. 
As árvores abatidas ou arrancadas pelos tratores e máquinas pesadas, devem secar para poder ser utilizadas. 
Apenas depois de já aberta a clareira ou os vários campos de futebol, equivalentes, é que a limpeza do terreno é facilitada, caso seja feita por meio do uso do fogo. 
Ou seja: a queimada é depois que o desmate já foi feito. 
E a madeira já está seca. 
E o terreno pronto para o agronegócio irresponsável avançar contra a vida. 
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É isso. 

terça-feira, 20 de agosto de 2019

Guedes, o posto Ipiranga, o blefe do acerto de suas ideias e as denúncias de comportamento irregular de que sempre é acusado e de que sempre se safa

"Ainda é tempo de impedir que o fanatismo ideológico do senhor Guedes destrua 90 anos de história da economia brasileira, para atender ao interesse de um pequeno grupo de banqueiros, financistas e agroexportadores, passando por cima do interesse do “resto” da sociedade brasileira". 

Com esse parágrafo de alerta, o professor José Luís Fiori, professor titular de Economia Política Internacional do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisador conceituado e autor de vários livros, conclui seu artigo "O ditador, a sua "obra" e o grande blefe do senhor Guedes", cujo link para acesso ao texto integral passo a seguir: 
http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/591628-o-ditador-a-sua-obra-e-o-grande-blefe-do-senhor-guedes-artigo-de-jose-luis-fiori
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Como no caso de recomendação de leitura de um artigo de análise crítica, o "spoiler", antes de funcionar como um estraga prazeres pode atiçar a curiosidade do leitor, vou antecipar aqui que o artigo começa analisando a política econômica instaurada no Chile do ditador Pinochet, no período de 1973 a 1990, sob o comando de Sergio de Castro, então no papel de superministro.
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Como se sabe, no período, as políticas adotadas transformaram o Chile em verdadeiro laboratório de implantação de políticas ultraliberais, inspiradas por Milton Friedman e seus colegas da Escola de Chicago.
Como salienta o professor Fiori, tal experiência,  sempre apresentada como um êxito retumbante, apenas se sustenta com base em uma descrição da história falsificada, capaz de permitir comparações espúrias, e de forte caráter ideológico, que não encontra suporte nos dados reais.
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Dessa forma, o artigo procura, de forma bastante, sucinta traçar um perfil da economia chilena antes do fatídico golpe de 11 de setembro, capaz de caracterizá-la como uma economia extremamente simples, primária exportadora, com base na produção de cobre, além de madeira, peixes, frutos e vinho.
O acesso a todos os demais produtos necessários, inclusive alimentos, petróleo, etc. se fazia por meio de importações, o que tornava as características econômicas, demográficas, geopolíticas daquele país extremamente simples.
Adicionalmente, o Chile podia ser considerado um país isolado do resto do mundo.
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Independente de tais características, foi aí que os liberais de Chicago resolveram experimentar todo seu estoque de reformas liberais, reformas que para serem colocadas em prática, aproveitaram-se de que a feroz e sanguinária ditadura chilena impôs um Toque de Recolher a toda a população, que se estendeu de 1973 até 1985.
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Mesmo sob tais circunstâncias, as estatísticas permitem identificar dois subperíodos, um de 1973 até 1982, e outro deste ano até 1990.
O primeiro deles, sob a inspiração dos Chicago Boys, gerou uma crise de dimensões tão catastróficas que Pinochet demitiu o ministro Sergio de Castro, e começou a reverter várias das medidas até então adotadas.
Segundo o artigo, o PIB chileno caíra 13,4%, o desemprego alcançou os 19,6% e 30% da população passou a sobreviver de assistencialismo.
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Se o Chile hoje apresenta crescimento invejável, situação econômica estável, tornando-se referência para outros países em estágio similar de desenvolvimento, tais conquistas só foram possibilitadas pelas medidas adotadas após a ditadura, de 1990 até 2019.
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Vale destacar que, por ter participado de equipes de trabalho e assessoria do programa ultraliberal, cujo resultado foi ter levado o Chile ao fim do poço, é que o senhor Guedes é considerado um economista de renome e expressão.
Sem querer questionar sua capacidade intelectual, reconhecida por muitos, a questão maior trata de ele se apresentar surfando uma onda liberal que arrastou o Chile para um caos econômico, mas mais importante ainda, social.
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E adota tal comportamento, de guru, ou Posto Ipiranga do capitão do presente desgoverno, assentado em uma farsa, ou melhor, uma fábula que a mídia ajuda a propagar, sabe-se lá com que tenebrosas intenções.
O Chile liberal foi um fiasco!
Guedes, ao que consta não teve papel de grande projeção!
Suas políticas pró mercado, no fundo nem podem ser assim chamadas, já que são mais pró grandes empreendedores, muito longe da ideia de mercados competitivos dos livros escolares.
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Fundamentando sua trajetória e ideias em uma visão corrompida - caso da economia chilena, não é de se estranhar que sobre o ministro pesem outras questões, de caráter moral até.
Como sua participação em gestão de fundos privados (e públicos) de investimento.
Ou, como agora noticiado pela Folha, sua participação ou a presença na gestão de empresas envolvidas em pagamentos efetuados a escritório de fachada, suspeito de esquema de propina no Paraná.
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Curiosamente, trazido ao conhecimento público ontem, a transação da empresa de Guedes, embora documentada foi considerada pela Lava Jato como não fortemente embasada em provas, o que permitiu que ele não fosse incluído, com seus sócios, na rol de acusados.
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O que faz com que eu compare a Lava Jato, e Guedes, mais uma vez ao uso do VAR no futebol.
Pois, como tem lances que o VAR é chamado para auxiliar o juiz a evitar um erro ou uma injustiça, outros casos passam sem sua sinalização. Como foi o caso da vergonhosa penalidade cometida pelo goleiro são paulino no jogador do Ceará.
Penalidade clara, que o juiz de campo interpretou como lance normal, e que o juiz de vídeo também preferiu interpretar a favor do time mais rico, de maior projeção e renome.
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Para não perder a deixa, já que estamos tratando de um ultraliberal e suas políticas, incluo abaixo um outro link, extraído de artigo publicado na Folha de São Paulo, caderno Ilustríssima de domingo último, de autoria de dois professores e pesquisadores.
O link é:
https://www1.folha.uol.com.br/ilustríssima/2019/08/anarquismo-ultraliberal-e-so-uma-moda-dizem-pesquisadores.shtml.
Discutindo a impossibilidade de existência do tal anarcapitalismo, fusão de ideias anarquistas com as liberdades de mercado, os autores, cujo texto recomendo enfaticamente, revelam a característica absolutamente anticapitalista do conceito de anarquismo.
E vão desenvolver a ideia de que o Estado, por mínimo que seja, é algo típico e indissociável de uma sociedade de classes, hierarquização, e de diferenciação, como a sociedade capitalista.
Ou seja, sem capitalismo não há Estado, e vice-versa.
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O que nos remete à antiga discussão, menos do papel do Estado, e mais do interesse de classe que está na alma dessa instituição.
Porque, mais assistencialista ou não, mais interventor ou não, mais enxuto ou não, no fim, o Estado apenas procura resguardar, proteger e ampliar os processos de reprodução da classe mais privilegiada, as elites financeiras do capital.
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Em minha opinião, grande parte da disputa e da tentativa de se refundar um novo aparelho de Estado se dá como reflexo da luta ou da disputa intercapitalista.
Agora, com algum tipo de dificuldades para as atividades produtoras, ligadas à produção industrial, e até mesmo à atividade do complexo agrícola ou agrário, tendo em vista que nossa política econômica está sob inspiração e cuidados de um financista.
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É isso.

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

REFLEXÕES E PESADELO, mais um discurso de paraninfo em colação de grau da Una, ontem. Antes alguns comentários necessários

Tão estapafúrdias as atitudes, a postura e as declarações de Bolsonaro que, confesso, as palavras me fogem. Dessa forma, sinto a maior dificuldade em postar alguma análise ou comentário, razão do intervalo de tempo desde minha última publicação no blog.
No entanto, como diziam as camisetas de Collor, o tempo é o senhor da razão. E todo analista acaba se beneficiando de um certo distanciamento do calor dos acontecimentos.
Afinal, o tempo consegue amainar as paixões, impedindo que tenhamos nossa visão e capacidade de interpretação dos fatos (muito) alterados por nossas expectativas ou sonhos.
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E, convenhamos, são tão esdrúxulas as declarações de Bolsonaro a respeito da contribuição de cada um de nós para reduzir a emissão de gases que provocam o aquecimento global; ou sobre a pequena ou quase nula importância de uma ajuda financeira internacional de algo como R$ 130 milhões de reais, agora interrompida pela Noruega, colaboração que ele desdenha com sua costumeira e já comprovada grosseria e falta de educação, ou o respeito manifesto por ele à opinião - DEMOCRÁTICA - do povo argentino, nossos vizinhos, que não haveria blog ou coluna de jornal, ou algum comentarista sério que tolerasse ficar martelando um mesmo e único assunto, dias a fio.
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Apenas os humoristas, talvez, se tiverem estrutura suficiente e condições de competitividade podem aproveitar as deixas, os "cacos" desse personagem burlesco, nonsense, à procura de um autor, ou de um roteiro quem sabe?
O que justifica o fato de a maior parte dos colunistas da grande imprensa, já terem escrito algum artigo com uma profissão de fé: não continuar ocupando sua atenção e nossa paciência com esse tsunami de asneiras.
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O que nos leva, a todos, a nos perguntar atônitos: o que está por trás deste discurso tão destrambelhado?
Seria apenas o fato de ele ter o cérebro dominado por muita ... desculpem-me os poucos leitores, e apenas por muita merda. Caso ele tenha mesmo algum vestígio de cérebro!
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E, para além da tese de que ele está apenas forçando e reforçando o discurso junto à manada de idiotas que o consideram um mito, o que lhe asseguraria uma participação de ao menos 20 a 25% de eleitores, parcela bastante interessante para assegurar-lhe a presença em um segundo turno eleitoral, contando com a pulverização de candidaturas da centro direita à extrema esquerda.
Sob essa hipótese, mais uma vez iríamos assistir a toda uma grande maioria de pessoas comuns, cuja cabeça foi, ano pós ano, programada para rejeitarem qualquer que seja o espectro de algo que possa estar vinculado à esquerda, ou mais propriamente, rotulada de comunismo.
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Como ninguém nega, ao longo de mais de 70 anos, especialmente nossa mídia foi pródiga de criar e alimentar a ideia de que o comunista, antes de mais nada, é alguém que, sem querer ou gostar de trabalhar, de forma autoritária, deseja apenas distribuir todas as coisas que o trabalhador sério, comum, conquistou com seu suor e tanto sacrifício.
Isso, sem contar que os regimes e governos de cunho mais socialista são sempre identificados com governos autoritários e, pior, capazes apensa de generalizarem e distribuírem a pobreza.
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Não. Não vou aqui falar de excrecências, algumas vezes divulgadas pelo método  boca-a-boca entre a população de menor grau de educação formal e cultura, de que comunista faz mal a criancinhas ou às freiras das congregações religiosas, uma vez que não tementes a Deus.
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Na verdade, embora ninguém tenha sequer lido um mínimo - já que não leem nada mesmo,  a ideia e imagem deturpada difundida pela grande imprensa acaba apenas criando estereótipos equivocados. A ponto de levar maioria da população a temer o socialismo, mesmo que todos digam admirar os países nórdicos, ou a social democracia europeia.
Governos tão de esquerda, ou até mais que o de Lula, para citar apenas uma das personalidades vendidas como uma das "bestas do apocalipse".
Tudo bem que longe de ser santo, Lula ainda era um mero operário que ascendeu socialmente, roubando as oportunidades de gente de linhagem muito mais nobre e mais alta estirpe.
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Voltando ao tema inicial, acho que Bolsonaro, por mais mentalmente incapaz que seja, tem sim e representa um projeto de poder, autoritário, anti-democrático, excludente, e que privilegia uma minoria que se pretende representante de uma supremacia branca, misógina, de privilegiados.
Bolsonaro é o idiota útil, para levar a sociedade civil e os mecanismos de proteção dos direitos e da justiça social ao cansaço.
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Obtido o resultado, talvez seja afastado como fazemos com o bagaço da laranja já toda sugada.
Independente disso, nosso Bozó serve para nos distrair enquanto personagens de caráter mais duvidoso e intenções muito mais destrutivas, como nosso ministro Guedes, faz avançar reformas como a da Previdência, ou a tributária, ou ainda as medidas contra a burocratização.
Bem, Guedes é tão mais perigoso, e destila certas ideias que, à primeira vista, parecem tão mais benéficas à população em geral, que merece que voltemos a escrever mais rotineiramente, ao menos para discutir certas banalidades, frivolidades, e frases retóricas, que ele emite. Frases que agradam aos ouvidos distraídos, mas que são completamente vazias de sentido. E pior, capazes de distorcer a realidade.
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Cito apenas um exemplo: em evento na última semana, nosso ministro da perversão e Economia defendeu o fim das deduções do Imposto de Renda. A alegação é que tais deduções beneficiariam apenas os privilegiados, já que o pobre enfrenta o atendimento precário do SUS, onde não paga nada, não pega recibo e não pode abater nada do imposto que recolhe...
Ao contrário, os mais favorecidos pegam recibos que, às vezes, nem tiveram algum serviço real a lhe dar conteúdo e significado, servindo apenas para que tais pessoas possam pagar menos imposto.
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Dito assim, parece que o ministro está coberto de razão. E o fim das deduções falsas não é apenas uma questão de melhorar os esquemas de fiscalização, mas uma questão de justiça social e distribuição equitativa de ônus.
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O sinistro apenas não falou que a Constituição assegura, a todos os brasileiros, atendimento gratuito à saúde. E se nosso sistema de saúde não dá conta de atender a ninguém, a nenhuma das classes sociais, o correto seria verificar como arranjar recursos para suprir nossas carências na área. Não sem antes deixar claro que, em nossa opinião, melhor que gastar curando, é gastar com prevenção à saúde. O que implica, por exemplo, saneamento, etc. Todas essas políticas públicas que o sinistro deseja destruir, sob o mau argumento de que funcionam em caráter precário.
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Ora, quem tem condições paga o médico particular ou o plano privado de assistência médica - tão a gosto do ministro liberalóide, o que é flagrante descumprimento da nossa Lei maior. Daí, a dedução é uma compensação, um reconhecimento de que a legislação está sendo desrespeitada e que aquele contribuinte pode, pois, reaver, parcialmente ou até de forma insignificante, o montante gasto por culpa da ausência de governo e de políticas de governo.
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Não vou me alongar mais.
Volto ao tema posteriormente. Em postagens que prometo tornar mais amiúde.
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O resto da postagem traz o discurso que proferi ontem, como paraninfo da turma de Ciências Econômicas, na solenidade da colação de grau relativa à turma concluinte no 1º semestre de 2019.
Eis o discurso.


Reflexões e Pesadelo


Senhoras e senhores, prezados alunos, boa noite.
Meu discurso hoje tem uma estrutura diferente. Trata-se de um conjunto de reflexões que partilho com vocês.
Nessa noite não vou falar de Marielle. Não vou perguntar quem mandou matar Marielle, nem vou perguntar se alguém tem notícias do Queiroz.
Tampouco vou falar das delícias de uma sociedade dominada por milícias. Ou de um governo que se preocupa, a cada instante, em eliminar direitos sociais, governando em nome de uma minoria: as elites vinculadas ao grande capital.
Para o povo, o conselho de manter estoques...
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De início, parabenizo a todos vocês que concluem, vitoriosos, mais essa etapa da vida, e a todos aqui presentes - familiares, mães, pais, companheiros, parceiros, filhos e amigos-, que lhes proporcionaram as condições necessárias a essa conquista, ajudando-os a preservar a sanidade e a serenidade. Recebam todos minhas homenagens.
Mas, em meio a tantas e justas comemorações, não podemos nos alhear do ambiente que nos envolve e que, se não se confunde com a realidade paralela de Matrix, revela uma sociedade cada vez mais distópica, como o demonstra a experiência de Jean William, o tenor paulista, considerado um dos talentosos e promissores nomes da cena erudita brasileira.
Apadrinhado pelo maestro João Carlos Martins o cantor, que já se apresentou para o papa Francisco, o príncipe Albert 2º de Mônaco, e nos mais famosos palcos da Europa e Estados Unidos, como o famoso Avery Fisher Hall, no Lincoln Center, em Nova York tem sido vítima de ameaças e ofensas nas redes sociais, apenas por ter o nome semelhante ao de um ex-deputado, hoje fora do país.
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Eu mesmo, em minha insignificância, ao fim de uma solenidade de colação de grau fui alvo da brincadeira de mau gosto de alguns poucos presentes, que me fizeram o sinal de arminhas com as mãos.
Tais episódios trazem-me à memória uma  tirinha em quadrinhos, publicada há muitos anos nos jornais, que tinha o  Reizinho  como personagem, de que me sirvo para uma primeira reflexão.
Na história, Reizinho observava o movimento de uma minúscula formiga, filosofando que valor teria a vida de alguém tão frágil, tão pequeno, tão insignificante. Para ele, pisar naquele reles inseto apenas poria fim a um sofrimento, uma nulidade. Mas, enquanto se decidia quanto a que atitude adotar, nos quadrinhos seguintes  o ilustrador ampliava seu foco, se elevando e se distanciando das duas figuras. Até o quadrinho fnal, em que a terra era um pontinho em meio ao cosmos e nem se distinguiam mais a formiga ou o vulto de Reizinho, meras partículas de poeira na imensidão do espaço.
***
A segunda reflexão me transporta à sala de aula e à imagem do vidro, que utilizo para divagar sobre a verdade. Por que como a verdade, o vidro  é uma estrutura única, concreta, sólida, mesmo que transparente. Mas o que se vê através dele depende da posição de início do observador.  O que eu vejo, olhando de fora para o interior, é diferente do que vê quem está olhando de dentro para fora.
Se a realidade concreta e palpável de ser vidro não se altera, muda a interpretação. O que deveria nos obrigar, como professores, analistas, cidadãos, a olhar, sempre, a raiz da divergência de nossas opiniões em relação à interpretação de outras pessoas de nosso convívio.
***
O que exige uma explicação, já que respeitar a visão dos outros não significa abrir mão de defender, com unhas e dentes, como meus alunos bem o sabem, o pensamento que eu possa ter em algum momento. Mesmo ciente de que meu raciocínio pode mudar em seguida. Evoluindo. Aperfeiçoando-se.
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Razão porque, ainda que envaidecido de ter sido escolhido paraninfo da turma, como o Reizinho, devo admitir minha insignificância como professor.  
Não se trata de cansaço, de fadiga de material! A verdade é que estou convencido que, em todos esses anos em salas de aula, não demovi um aluno que fosse de suas ideias originais. Mesmo quando elas não existiam.
O que me permite entender o significado e a experiência contida na frase da professora emérita Maria da Conceição Tavares, para quem: “Os mestres, parece que nasceram para serem humilhados pelos alunos”.
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No entanto, os professores temos sido acusados de participar de uma conspiração destinada a promover uma lavagem cerebral, visando fazer a cabeça de nossos alunos, de forma  a inculcar-lhes uma visão de mundo nem sempre aceita.
Se existe tal conspiração, confesso que, ao fim e ao cabo, sempre me senti sozinho, isolado. Talvez por ter estado, sempre, na defesa do lado derrotado. O que não me abate. Antes, me enche de orgulho, especialmente quando percebo que do lado derrotado, e sem se queixar, estiveram todos os meus ídolos.
Pessoas que nunca se abateram e, movidos pela fé, sempre buscaram construir um mundo melhor. 
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Capazes de acreditarem que “Quando o muro separa, uma ponte une; Se a vingança encara, o remorso pune; Você vem me agarra, alguém vem me solta....  Você corta um verso, eu escrevo outro; você me prende vivo, eu escapo morto; De repente olha eu de novo, perturbando a paz, exigindo o troco”.  Porque, como descrito por Paulo César Pinheiro em Pesadelo, “E se a força  é sua, ela um dia é nossa, olha o muro, olha a ponte, olhe o dia de ontem chegando, que medo você tem de nós.”
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O que nos traz à última reflexão, baseada em um filme italiano do final dos anos 1970: Pasqualino Sete Belezas. Órfão de pai e mãe, o jovem do interior da Itália, como irmão mais velho tornou-se o guardião da honra de sete irmãs, até quando descobriu que um aventureiro abusara de uma delas.
Para lavar a honra da família,  Pasqualino se vinga, matando e esquartejando o rapaz em sete partes, cada uma delas despachada em malas para um destino distinto. Preso e tratado como herói, foi condenado a muitos anos de cadeia.  É inesquecível a cena de sua chegada à cela, alvo da reverência e respeito de todos os demais prisioneiros. Exceto um, um ancião que já perdera a conta de há a quanto tempo estava preso.
Curioso, Pasqualino quis saber que crime tão hediondo aquele senhor poderia ter cometido. Ao que o velho respondeu: eu pensei.
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Além da reflexão, a história serve para mostrar como a defesa dos valores da democracia e da justiça social, nem sempre bem vistos ou tolerados, devem exigir sempre nossa atenção. O que permite que eu transmita um conselho para meus afilhados de Ciências Econômicas, esta maltratada área das Ciências Sociais, citando uma vez mais a professora  Conceição Tavares:
 “Se não se preocupa com ajuste social, com quem paga a conta, você não é um economista sério. Você é um tecnocrata.”
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Concluo com a consciência tranquila de não ter feito qualquer menção ao governo de nosso país. Desde cedo, aprendi que não devemos discutir o que não entendemos. Não há como discutir uma realidade distorcida.
Afinal,  distópico ou não, Matrix é apenas um filme de Hollywood.
Vão ser cientistas sociais. Vão transformar o mundo. Vão ser felizes.