sexta-feira, 21 de março de 2025

Mais uma elevação de juros. Necessária? Exorbitante? Para derrubar a inflação? Quais os efeitos colaterais dos juros altos?

Link: https://youtu.be/C3A4n_UkTHI Em seu livro mais conhecido, de 1936, Keynes afirmou que o empresário capitalista caracterizava-se por ser dotado de “animal spirits”, cuja definição na internet é uma disposição ou intuição que o capitalista forma com base em seu estado de confiança e que oleva a agir. Na guerra pela sobrevivência no mercado, sempre atribuí à expressão a ideia do espirito irracional do animal que se lança ao ataque, em busca do alimento ou como comportamento de defesa. Concordando com Keynes, acho que o ambiente econômico caracteriza-se por ser dominado por incertezas, o que leva as decisões de prazo mais longo a serem tomadas com base em expectativas incertas, meros palpites. O mesmo vale para as decisões de curto prazo, mas com menos efeitos inesperados. *** Pior, no espaço social estas expectativas incertas dão origem à tomada de decisões cruciais, aquelas que modificam definitivamente e conformam o espaço da atuação futura dos agentes decisores, criando realidades que impedem o arrependimento e o retorno à situação original. Nesse ambiente, as decisões tomadas por um agente específico - por exemplo, construir uma fábrica - acabam tendo resultados afetados pelas atitudes e comportamentos das decisões de outros agentes, e esta interação de decisões podem reforçar, se contrapor, até anular os efeitos esperados de qualquer uma delas. A título de ilustração, ocorre-me a decisão de um investidor montar uma fábrica de carruagens, na mesma localidade em que Henry Ford instalava sua linha de montagem. Independente de tal situação, o empresário passa a imagem de um louco ou visionário. Pode se decidir a produzir um tipo de produto muito desejado pelos consumidores, que pouco depois poderão abandonar o produto por questões de saúde, de mudança de hábitos sociais, por outros concorrentes novos e de maior qualidade. *** Sempre apontei esse lado meio insano do empresário que, como dizia Smith, começa antecipando capital, ou seja, gastando recursos para erguer uma fábrica (compra de terrenos, despesas com a construção civil de instalações), gasta na compra de equipamentos e de matérias primas ou insumos, na contratação da força de trabalho, na compra de energia para que a máquina possa gerar dada quantidade de produtos que levará ao mercado (gastos de transportes) para eventual venda aos consumidores (gastos de comercialização, lojas, publicidade e até as despesas com financiamento de parcela de seus fregueses, o que deve incluir provisões para perdas). Mas não é só, não falamos ainda dos custos de seguros, do recolhimento de impostos, com o serviço de contabilidade e até da dor de cabeça com a visita de fiscais. Tudo para os consumidoresao final, poderem não adquirir a quantidade projetada pelo empresáro, resultando em que ele antecipou recursos que não irão dar retorno, ou com retornos menores que os esperados. Daí a dificuldade de o empresário ter condições de bancar seu negócio com recursos próprios, o que o leva a solicitar finaciamentos tanto para inversões quanto depois, para capital de giro. O que custa dinheiro. Juros. Visando obter lucros, no caso de êxito, de 10, 12, talvez 15% ao ano. *** É neste ambiente, que o COPOM -colegiado dos diretores do Banco Central- a quem compete definir a taxa de juros básica da economia decidiu elevar, na reunião de ontem, os juros para 14,25% ao ano. Terceira elevação, novamente de 1% conforme prometido em dezembro, o que significa que, desde aquela data, a Selic já aumentou 25% em relação ao patamar que ela estava de 11,25%.. Comparando este aumento de 25% à inflação do mesmo trimestre de 2%, ou à inflação acumulada de 12 meses de fevereiro, de 5,06%, pode-se concluir da existência de alguma incoerência gritante, entre pretensa doença e a dose do remédio adotado. *** Voltando ao empresário, nenhuma aplicação de renda fixa, que pague 1,3 do CDI (taxa média de juros para empréstimos entre as instituições financeiras, agora, em 14,15%) vai render menos que os 15% de sua rentabilidade esperada e incerta. E, mesmo sendo um animal irracional, ele será tentado a aplicar seus recursos no mercado financeiro, paralisando ou vendendo sua empresa, ou reduzindo o nível de produção, emprego, bem como diminuindo o nível de problemas e riscos com que se defronta. Cai a produção, emprego e renda; cai o consumo, o investimento; cai a arrecadação do governo; cai o PIB, o que já promove a elevação do índice Dívida Pública/PIB. Menor arrecadação eleva o déficit primário do governo e a insatisfação popular; eleva a pressão dos mercados financeiros e da mídia, o que pode gerar até queda de autoridades. Seria isso um golpe em andamento? Dado pelo BC autônomo e que o mercado quer independente – DO GOVERNO - se prosperar a PEC 65, que privatiza o Banco Central? *** E em relação à inflação? Em minha opinião deverá subir, o que vai alimentar a falácia teórica de que estamos em dominância fiscal que é quando os juros não conseguem mais cumprir seu papel de derrubar os preços, dada a situação de "gastança da máquina pública e a continuidade dos déficits". Na verdade, os juros maiores elevam os custos financeiros de todo o setor empresarial. Como um dominó, sobem os custos de toda a cadeia de produção, transportes e comercialização da indústria e serviços do país. Repassados para os preços, e dada a enorme indexação de nossa economia, tudo acaba capturado pelos índices de preços, que serão usados para correção de salários, preços de aluguéis, câmbio e produtos em geral. Os juros elevados são os principais elementos realimentadores da inflação. *** Juros pornográficos alimentam, no entanto, os rendimentos dos títulos públicos, na mão dos grandes bancos, grandes agentes financeiros, grandes empresários com geração própria de caixa, grandes fortunas individuais. Talvez os 141 mil cidadãos a que o governo se propõe agora a tributar, e que o Congresso já deu sinais de discordância. Aplicações no mercado financeiro, para famílias de classe média mais alta, acabam trazendo perdas, caso tenham que vender os títulos. Ocorre que o preço dos títulos cai com a elevação dos juros. O raciocínio é simples: se um título que custou 100 paga juros fixos de 10% ou 10 reais em um ano, com juros maiores, de 20%, eu teria o mesmo rendimento de 10 reais com um título de 50. Logo, se precisar vender sua carteira de títulos, haverá perda. *** Conclusão: só se beneficiam os grandes interesses financeiros, aqueles que parecem trazer o Banco Central como refém. O que torna o Banco Central um dos principais agentes do processo de distribuição desigual, iníqua, injusta e vergonhosa da renda em nosso país. Pornográfica mesmo. É isso.