quarta-feira, 3 de junho de 2020

Homenagem a Millor: Livre pensar é só pensar - Uma parábola sobre a realização dos sonhos


Suponha que exista um país em que o poder é exercido por, e em nome e em favor, de 10 a 15 de seus principais empreendedores produtivos (podem ser empresários, comerciantes, industriais, produtores do agronegócio e até banqueiros).
Agora suponha que, de tanto agirem cortando direitos, explorando a grande maioria da população, com seus 200 e poucos habitantes, a elite dominante e poderosa precise de se fortalecer e, para tanto, atrai para seu território empresários e financistas de outras nacionalidades.
Suponha, para continuar nossa parábola, que dominando a tecnologia mais sofisticada, “up to date”, esses empresários estrangeiros instalem em nosso território da ficção empresas para a produção de computadores, máquinas de controles até mentais, drones, armas e máquinas de destruição em massa que deixariam “1984”, de Orwel, ou o aparato industrial bélico militar dos Estados Unidos, ou ainda o Fort Detrick e suas experiências com armas biológicas, mera fantasia antediluviana. Dos tempos  a.C.
No delírio que vimos desenvolvendo, suponha que grande parte do financiamento para a construção dessa potência (nuclear?), seja de origem internacional, auxiliada e incentivada pelas empresas de capital agora transnacionalizado.
E um dia, vem a revolução. A maioria explorada resolve sair de seu estado letárgico e parte para a conquista do poder. 200 pessoas ou mais um pouco ocupam as ruas, invadem lojas, residências, propriedades privadas, e lutam,  quebram, destroem, prendem e agridem e até, usando de violência em alguns casos, chegam ao cúmulo de condenar alguns inimigos, acusados de fazerem parte do grupo minoritário,  à morte. 
Dentre os privilegiados, vários reagem; alguns fogem; uns poucos são mortos em combate ou por mero instinto de vigança. Alguns se entregam à prisão, derrotados e outros optam por ficarem inertes, sem qualquer reação.
Agora suponha que entre essa minoria que não resiste, estejam alguns dos empresários estrangeiros convidados para virem desenvolver e explorar o país. E suponha que, do lado de lá da fronteira, os amigos, parceiros e financiadores desses empresários não se conformem de abrir mão de tudo que construíram. Das perdas que a revolta no país vizinho lhes acarreta.
Então, alguns dos empreendedores expulsos do poder, começam a se articular com os parceiros de fora e, com recursos de todo o tipo, financeiros e materiais e até humanos que não lhe são negados, começam a armar o que poderia ser chamado de contrarevolução.
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Ninguém discute que seja legítimo que, tendo perdido o que construíram ao longo de anos, independente de terem construído tais propriedades explorando e abusando do trabalho de outros, essa minoria se recuse a, de mão beijada, ver seu patrimônio, seu estilo de vida e seus sonhos serem dilapidados.
E eles começam a se armar. E com recursos, não lhes é muito difícil cooptarem alguns dos antigos explorados, para se unirem a suas fileiras.
Importa aqui lembrar que os vitoriosos do movimento de libertação dos trabalhadores não terão facilidades para dar início à nova sociedade, mais justa e igualitária.
Especialmente tendo que reconstruir muito da riqueza que destruíram no golpe que lhes permitiu asssumir o poder.
Então, é natural que, logo no início desse período de reconstrução de novas relações sociais e de produção, a realidade se mostre mais dura, e as carências sejam maiores. Levando muitos dos vitoriosos a classificarem sua conquista como uma vitória de Pirro.
E, nesse meio, pode até se encontrar quem, por uma promessa ou um prêmio em dinheiro, se disponha a auxiliar a luta de reconquista liderada por seus antigos algozes.
A pobreza, afinal, tem muitas faces. E a tentativa de escapar individualmente da miséria não é terrivelmente condenável. Ou assim parece...
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Nesse meio tempo, assumindo o governo dos povos enfim libertos, e sabendo da necessidade de conduzir o território à reconstrução, um grupo de líderes representativos, tem consciência de que deverá, no início de sua trajetória, privar a maioria de terem suas necessidades satisfeitas, para que recursos produtivos possam ser utilizados para construir as indústrias, fábricas e o aparato produtivo que lhes assegurará autonomia e independência no futuro.
O problema é explicar a quem lutou de seu lado e comemorou a conquista e  vitória que não é chegada ainda, a hora de poderem aproveitar dos benefícios do que conquistaram.
Nessa hora, vários de seus antigos aliados começarão a pressionar por maior consumo e prazer imediato, em lugar de um futuro mais rico e opulento, apesar de mais distante.
Membro do grupo no governo, você deixa que as manifestações críticas à condução da política que vocês planejaram e estão pondo em curso, sejam destruídas? Ou reage, no princípio, tentando usar de argumentação e dados e informações sólidas, mas que não resolvem as questões imediatas colocadas pela sobrevivência?
Quando é que você irá, mesmo contra seus princípios, sacrificar parte daquilo em que sempre acreditou, como o ideal de igualdade, democracia, respeito e liberdade, pelo projeto construído com tanta disposição?
Em que momento o debate inóquo irá te levar a eliminar toda e qualquer discussão e você passará a adotar posturas autoritárias e decisões não democráticas?
Tudo por um projeto, que você, de forma pura e com grande dose de ingenuidade, acredita ser o melhor para todos. Embora cada vez mais, de concretização mais distante...
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Se nesse meio tempo, aproveitando-se de sua fragilidade e da falta de apoio interno, seus adversários, que eram a minoria de ontem se unem e ganham força e, armados de fora, começam a provocar distúrbios e a provocar manifestações contra o governo, qual seria o comportamento que você considera que deveria adotar?
E ainda há que se levar em conta um outro efeito importantíssimo da aventura de sua experiência na construção ou reconstrução de uma sociedade mais democrática e igualitária, o chamado efeito contágio. Por esse efeito, como deverão reagir os países vizinhos ao seu, se seu plano tiver êxito? Não serão eles, no futuro imediato, alvos de protestos e manifestações e movimentos de mesma natureza?
Seu êxito, se houver, não irá alimentar a esperança e dar combustível à ação de grupos que, no interior de cada um desses países limítrofes, irá procurar promover um mesmo tipo de mudança social?
E se antes de que o desejo de mudança e construção de uma sociedade mais justa, qual rastilho de pólvora, possa se disseminar em cada um desses países, alimentando o desejo de construção de sociedades mais justas; nesses países também eles divididos em sociedades de classes, fundadas em injustiças e desigualdades?
E se tais países para evitarem ser atingidos por esse tsunami social se unissem e formassem uma força militar, dita de pacificação, cuja finalidade era a de intervir e destroçar sua tenra experiência de construção de uma sociedade mais democrática e fraterna, sob o argumento cínico de estarem lutando para restituir as liberdades da maioria, diga honestamente, qual seria sua reação?
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Você fecharia seu país e de forma autoritária iria combater os inimigos incrustrados? Você iria defender com unhas e dentes os ideais pelos quais você lutou, até com sacrifício da construção de uma sociedade com maiores possibilidades de consumo?
 Ou simplesmente você abdicaria do sonho de construção social, acalentado há tanto tempo?
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E depois, se conseguisse manter seu país intacto, se você tivesse toda a sua atividade comercial asfixiada, pela determinanção da proibição da continuidade dos fluxos de produtos, serviços e matérias primas vindos de fora, de forma a que todo o fornecimento exterior lhe fosse negado, por ato de força e não aceitação do princípio mais básico da autodeterminação dos povos, você continuaria achando que a única conquista que seu experimento lhe trouxe foi a de distribuir miséria?
E você abandonaria seus sonhos, por perceber que sonhar acordado não é recomendado para quem tem de conquistar seu pão e sua vida, com o suor de seu rosto?
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Fim.

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Eu teria parado por aqui, não fosse o pedido de um colega e amigo, romântico, para quem talvez a reflexão deveria ainda trazer uma espécie de avaliação a respeito de qual seria o preço a pagar, por abortar sonhos? (E, lembrando que sonho que se sonha só é um sonho que se sonha só, mas o sonho que se sonha junto é realidade... 
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Vamos refazer o final:

Ou preferia travar uma luta brutal, interior, ponderando se valeria a pena pagar o elevado preço por abortar um sonho que jamais foi apenas seu?
Ou, em algum instante chegaria à conclusão de que o preço poderia nem ser tão elevado assim, a ponto de te impedir de, daí  em diante, se olhar no espelho e encarar o espectro em que você se transformou?

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