A sabedoria popular nos ensina que, no nosso país, o ano só começa depois do Carnaval.
Dito de outra forma, vencidas as férias de janeiro,
onde a maioria das atividades assume um ritmo de “carro na banguela”, sem
aceleração a forçar o motor (uma falácia que obriga muito maior esforço do
freio motor), o país ganha fevereiro em compasso de espera. De válvula
destinada a liberar a pressão, e preparar-nos para nova etapa de construção: de
alegrias, conquistas, sucessos, frustrações, perdas e temores.
Momento da catarse e purificação.
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Mas, o que esperar quando, por força de uma pandemia,
o carnaval não acontece, frustrando a alma pretensamente jovial, alegre e
libertária, algo descompromissada , dessa brava gente destemida?
O que esperar quando a festa que a todos iguala, e possibilita
ao povo a conquista do lugar de destaque do espaço público, ainda que momentânea,
dá lugar à sensação de luto? Ou quando a pandemia cerra a “minúscula brecha
no apartheid brasileiro”, e estrangula a possibilidade de eliminação – posto que
falsa, ilusória-, de toda segregação social, para usar a feliz imagem expressa
por Vera Iaconelli (Folha de São Paulo, Caderno Cotidiano, B3, edição de
16/02/2021)?
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Encarado pelo ângulo do lançamento da pedra fundamental
da edificação de um país melhor de se viver, e de um ano de mais e maiores conquistas
e benefícios, seja no âmbito produtivo, econômico ou social, a lacuna do
carnaval, nesse ano de 2021, nada representa.
Essa ausência apenas escancara a continuidade do projeto
de destruição, de desconstrução institucional, de eliminação de todo e qualquer
avanço ou conquista social, assim como dos direitos que o povo brasileiro,
depois de tanto tempo e tantas lutas e sacrifício, logrou alcançar.
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Afinal, estão aí abertas as porteiras que permitem a passagem
da boiada que investe contra o meio ambiente provocando sua destruição.
Está aí a política de eliminação dos direitos humanos
patrocinada pela figura maluca e perversa, capaz de ver Jesus na goiabeira, mas
incapaz de vê-lo representado em seu próximo.
Salles, Damares; os Ernestos que praticam a diplomacia
da sedição internacional; os Olavos e suas cartas astrológicas; os inexpressivos
Miltons Ribeiros, aptos apenas a bajular e posar para fotos junto ao energúmeno
aos pés de quem deve se prostrar nas inaugurações de escolas cívico-militares,
tudo, todos, estão apenas dando sequência ao processo que o criminoso (em sua
acepção mais ampla, bastante aproximada da acusação de genocida), tem como
projeto para nosso país.
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Mas, listar e criticar ministros desse desgoverno encabeçado
por um Messias caído, é inútil.
Afinal, gastaríamos muito tempo e papel ou bytes,
apenas para destacar a subserviência do auto-referido ministro da Justiça, que
enxerga no anjo caído da morte e destruição, um profeta.... do apocalipse?
Falar do Pazuello, o sargento Garcia, que vai ser punido
por não ter tido coragem de se rebelar contra as ordens que não devem ser
cumpridas, mesmo e até se quisesse manifestar juízo.
Falar dos militares? Esses falam por si só, em sua arrogância,
vaidade, autoritarismo, golpismo indecente e reconhecido. Falar o que de um
golpista como Eduardo Villas Boas, ou de um general como Augusto Heleno, o
general que a ONU solicitou que o Brasil retirasse do comando das forças no
Haiti, para evitar ... mais... massacres.
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Queria falar de Tarcísio Gomes de Freitas, o ministro
tido como mais produtivo por Bolsonaro, a ponto de ser sondado para concorrer
como vice na chapa de 2022 do capetão... Pois é: Tarcísio, cuja fisionomia aparece
alegre, risonha e aplaudindo a fala de Bolsonaro na churrascaria, quando pela
enésima vez, ele agrediu a imprensa, mandando que ela enfiasse o leite
condensado da denúncia no .... cu (para não fugir à elegância do presidente).
Quem aplaude, concorda. Ou é outro zé ninguém.
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Mas, é forçoso reconhecer que o impoluto ex-tenente do
Exército, expulso da tropa, com direito a promoção ao cargo imediatamente
superior; o deputado das rachadinhas e rachadonas e dos funcionários fantasmas,
que usava o apartamento funcional para pegar mulheres, originário do submundo
do Centrão na Câmara dos Deputados; que o pai protetor dos filhos e amigos,
alguns milicianos convictos, com longa folha corrida a apresentar à sociedade; esse
personagem é muito oportunista e esperto.
O que valeu saber operar e comprar, mais uma vez,
votos para eleger quem não pode lhe ameaçar, com a abertura de processos por
impeachment, o que lhe assegura continuar permitindo a morte de milhares, senão
milhões, de seus compatriotas, seus eleitores.
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Bolsonaro não é bobo, velhaco que é.
Elege Lira e destrói, de um só golpe, a dois partidos
e potenciais adversários, vindos das hostes da direita envergonhada, do PSDB, e
nem tão envergonhada assim, do DEM.
Mas, não lhe escapa a necessidade de se fortalecer e
se armar, literalmente para, na hora apropriada, colocar o golpe na rua.
Golpe em que as polícias militares estaduais, por ele
aduladas e beneficiadas, transformadas em forças militares nacionais; unidas à
soldadesca dos quarteis, a que se uniram apenas para garantir alimento e
estudos, várias vezes, e agora beneficiárias de churrascadas chiques e regadas
a milhares de litros das melhores cervejas; terão ainda ao seu lado milicianos,
direitistas extremados e extremistas e milhões de inocentes úteis, armados até
os dentes, para promoverem o banho de sangue que muitos historiadores alegam nunca
ter acontecido, e ser a origem de nossa pasmaceira e imobilismo, como povo.
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Digo que essa ideia de povo cordato é falsa. Cordatas são as elites e as classes mais favorecidas, médias urbanas, que dançam a
música que a orquestra toca e invade os salões, apenas trocando de pares,
quando necessário. São os chamados acordos por cima, feito pelas ditas elites
que empesteiam e apodrecem o país.
Porque o povo, sempre foi vítima de verdadeiras carnificinas,
muitas delas, verdadeiro genocídio, a que assistimos inertes, a cada edição do
jornal da noite.
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Não nos iludamos. O golpe já está em curso. Ele não
virá. Ele já é.
E conta com os Rodrigos Maias, sentados sobre mais de
60 pedidos de abertura de processos de impeachment. Com os Liras, cuja música toca
apenas melodias destinadas a distraírem os ratos e salvarem a cidade.
Com os generais golpistas, cuja atenção dedicada pela
imprensa é injustificada. Afinal, dar voz a golpistas e descrever o sucesso de
golpes, apenas reforça o comportamento criticável.
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Mas a imprensa não faz isso à toa. Afinal, a grande mídia
e seus interesses empresariais, aplaude e deseja, se não golpe armado, o golpe
contra o povo. O golpe contra os direitos e conquistas sociais, com a
eliminação total do aparelho do Estado e dos funcionários que, concursados, cumprem
o seu dever público.
A imprensa, seus líderes, como Guedes e sua sanha destruidora,
os Lemanns da vida, elogiando o governo Temer, que fazia as coisas andarem; os
faria limmers, despudorados, em sua “ação rent seeking”, tudo isso já é parte
do golpe em andamento.
Destinado a alijar o povo de qualquer benefício
civilizatório.
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E tudo sob as vistas do sistema carcomido e corrompido
da Justiça e seus procuradores, juízes venais, quando não criminosos, como Moro
e sua companheira a juíza Gabriela Hardt. Para não falar nos destemidos Fachin,
aquele que enseja comemorações de estádios de futebol (Aha! Uhu! O Fachin é
nosso!). Ou nos Fux, plenamente confiáveis (In Fux we thrust!).
O relator do “habeas corpus” de Lula, cuja
negativa permitiu sua prisão, foi deverasmente intrépido, ao tentar silenciar ao
general golpista e sua nota de ameaça. A ele, e sua coragem destacada, apenas a
resposta do general golpista, mas que não é bobo: afinal, demorou apenas 3 anos
para o relator se pronunciar. Em mais uma cena digna de pastelão. Ou de um paspalhão!
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Do início de fevereiro, a aprovação da independência
do Banco Central pela Câmara, para tirar a influência dos políticos, e não deixar essa influência e interesses escusos se fazerem sentir quando da adoção das
medidas de política monetária e econômica, dado que áreas técnicas por
excelência!
O que cria um novo poder: o não eleito. O da tecnocracia
e da porta giratória em relação ao sistema financeiro, de onde virão e para onde
voltarão os diretores, agora com o poder de, durante 2 anos, por a perder toda a
política de quem foi eleito pelo povo, para representar seus interesses.
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Quanto a essa conversa de que os diretores da
Autoridade Monetária não podem ser influenciados por interesses e questiúnculas
políticas, triviais, vale lembrar que os Villas Boas, generais do Exército, instituição
de defesa do país e da Constituição brasileira, também não deveriam se deixar
levar por interesses políticos.
E que os moros da vida, esse criminoso de toga, também
era esperado que não deixasse a política influenciar suas ações e decisões.
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Termino com um trecho de texto que passei a alguns
amigos, tratando dessa independência do Banco Central, que tem minha oposição:
“Por último, a transformação do BC tira a influência
dos políticos e joga no colo dos banqueiros e do sistema financeiro o domínio e
o controle do Banco, que deveria fiscalizar os bancos. Em síntese, os
fiscalizados controlando quem devia
controlá-los. E se alguém
acreditar que por ser técnico, o diretor do Banco não tem interesses políticos
e ideológicos, basta lembrar do imparcialíssimo juiz moro (com minúsculas pra
fazer jus ao caráter dele)."