Todo ano produz safras boas e ruins.
Sem aprofundar muito no mérito, o ano de meu nascimento é
justamente aquele em que veio ao mundo o presidente do Brasil.
Além da coincidência de termos nascido no mesmo ano, nada
mais de comum nos vincula: ele fez carreira militar. Apesar da insistência de meu
pai em que fizéssemos o Colégio Militar, pela “qualidade de ensino e, principalmente
por ser gratuito”, meu avô materno, que era quem bancava nossos gastos, optou por
nos colocar nos melhores colégios de Belo Horizonte, então particulares, embora
o Colégio Estadual Central, público, fosse de mesma qualidade.
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Para os mais novos, vale a explicação: muitos se dirigiam à
escola militar pelo mesmo motivo que, nos anos iniciais do século XX, várias
famílias optavam por matricular seus filhos em seminários: a gratuidade.
Apenas que no caso dos seminários, destacavam-se mais a qualidade
e o rigor do estudo (com latim, filosofia, francês, etc.), razão porquê várias
famílias, mesmo abastadas, enviavam seus filhos homens para tal formação.
Exemplo, notável, disso foi o famoso Colégio do Caraça, berço
de futuros presidentes da República, políticos respeitados, cientistas de renome.
O Brasil seria um país coalhado de padres, se todos os alunos
que formados no Caraça atendessem ao requisito para ali adentrarem: vocação religiosa.
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Concluído o atual ensino médio no Colégio Santo Antônio, fui
parar na Universidade Pública, e embora reconheça que havia menos méritos que
obrigação de passar no vestibular, a contribuição que a formação em instituição
pública me proporcionou sempre deve ser ressaltada.
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Já o presidente, optou em prosseguir na Academia Militar, onde
havia a possibilidade de se destacar tanto pelo esforço, inteligência e brilho, quanto pela disposição
física. O presidente mesmo saiu com formação em Educação Física. O dito Cavalão,
pelo vigor.
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De minha formação superior, em Administração, para o
mestrado com bolsa e apoio financeiro do governo, até cursar os créditos de
doutorado na Universidade de Campinas, sempre fui um defensor intransigível da
formação pública, gratuita, igualitária, sem distinções de classe, gênero, cor,
etc.
Como forma de agradecer, e por alguma vocação, segui a
carreira fundamental e nobre, de servidor público. Paralelamente, buscava transmitir,
para outros, os conhecimentos que o ensino público e a vida, me permitiram
acumular.
Confesso que o mais importante que tentei transmitir foi a capacidade
de duvidar, a curiosidade, a capacidade de ir atrás e buscar conhecer, para
formar meu próprio pensamento. Sempre de forma crítica.
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Já o outro, Jair, virou tenente e, dado seu temperamento
falastrão, inconsequente, de quem acredita que não é necessário qualquer
elemento de razão para sustentar seus pontos de vista, optou pelo grito, pela
fala que à semelhança de uma metralhadora fosse capaz de ser agressiva,
grosseira, intimidatória, capaz de destilar ódio, semear discórdia e divisões.
Dada sua limitação mental, adotou como argumento principal o
medo, a ameaça, a bravata, às vezes, jocosa.
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Nessa linha, virou terrorista.
Um tipo de terrorista que não justifica, moralmente, seu
comportamento pela luta em defesa de ideiais dignos, como a defesa da
democracia, da igualdade de direitos, do respeito às diferenças, da tolerância,
das opiniões contrárias.
Seu terrorismo sempre foi fundado no proveito próprio, sem medir
as consequências de seus atos: fossem a morte de colegas, de civis inocentes.
Tal comportamento o levou a ser convidado a se retirar do Exército,
ganhando ainda uma promoção e uma aura de pretensa liderança entre os colegas.
O que vai alicerçar sua carreira política.
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Medíocre, sustentou-se por mais de 28 anos na carreira
política, sempre com a suposta autoridade de capitão militar. Conhecedor apenas
do argumento da força, da ameaça, sempre tentou se impor brandindo ameaças,
fosse a outros colegas, fosse aos funcionários lotados em seu gabinete, o que lhe
valeu a entrada, em tese, para o mundo do crime.
Em minha visão, a extorsão de funcionários não configura ato
ilíciito por si só, em especial em se tratando de pessoas de caráter tão rasteiro
e tão aproveitadores, quanto o responsável pela extorsão, já que funcionários
fantasmas.
Mas a usurpação de verba pública, seu desvio de finalidade,
já que voltada a financiar aplicação diversa daquela originalmente de destino,
configura, em tese, crime comum. A ser comunicado ao Parquet.
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Seguindo o paralelo, depois de mais de 45 anos de aulas, virei
aposentado.
Ele, com mais êxito, virou presidente de uma república de
bananas. Não da fruta, mas de seres que revelam e desnudam o pior que têm dentro
de si: o caráter autoritário, o ar de dono das verdades e do direito de definir
como todos devem viver, se comportar, andar, falar, agir, amar...
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Jair não engana ninguém. Nunca enganou. É apenas um nazi-fascista,
reconhecido. Autodeclarado. Que defende a tortura. A morte, seja a de seus
adversários, seja a de milhares de inocentes, talvez mais de 560 mil, apenas
para sustentar suas opiniões e desejos mais inconfessáveis.
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Jair não é um genocida apenas, embora se classifique assim,
pelo que promove em relação aos negros, jovens favelados. Ou o que finge que
não vê, mas incentiva, em relaçãó aos índios.
Mas mata grupos de etnias e, abstratamente, mata valores
mais elevados, como a cultura, o ambiente. O meio artístico é também uma vítima
de sua vocação para a morte.
Jair reveste-se, tão somente das vestes de um assassino,
bastando examinar o nome que se dá a quem é responsável por mais de 500 mil
mortes. Por ação ou inação, pouco
importa.
Mas se há dúvida em relação ao ato ou à omissão, há
certamente algum interesse escuso, de vantagens monetárias pessoais por trás.
Vide as vacinas e as negociações, dos rolos do Barros.
Tudo sob as bençãos de Amiltons, Malafaias e Macedos.
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Pior.
Jair, que nunca foi democrata visa o golpe. Mesmo que seguido
de luta fratricida, cruenta, pelas ruas.
Para isso, não se incomoda de apostar mais uma vez na
divisão, jogando brasileiros manipulados, embora alguns bem intencionados contra
outros, que não aceitam os grilhões do autoritarismo, mesmo que fardado.
Aos brasileiros democratas, autênticos heróis das lutas da
construção de nossa sociedade e de nossas raízes, Jair antepõe falácias,
mentiras, “fakenews”.
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Por isso a cobrança das urnas com voto impresso, ditas invioláveis
e auditáveis.
Nunca foi por rigor na apuração. Nunca foi para o aperfeiçoamento
do processo de sufrágio basilar da democracia participativa.
Nunca foi por denúncias de manipulação. Nunca foi para que
as milícias, as quais incorpora, possam ter elementos de pressão e comprovação
do comportamento de povos a que submetem sua vontade e sua lei, na ausência da
lei maior, do Estado.
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Tampouco a explicação tenha a ver com a ameaça – mais uma –
de não haver eleições no próximo ano. Embora tal versão pode vir a se encaixar,
antes, em seus planos.
A questão é depois. Depois da realização da eleição e de sua
derrota, cada vez mais o único resultado possível.
O que Jair quer é o povo nas ruas, reclamando de sua derrota.
E reagindo com violência, com ataques, com lutas. Com agressões.
Não todo o povo. Basta-lhe apenas a parcela minoritária, mas
barulhenta, radical, de ultradireitistas. De cada vez mais recém-descobertos
nazifascistas. Desses que vestem camiseta da seleção brasileira de futebol e ganham
as ruas, para mostrar o nível que a mediocridade, o ridículo e a falta de ridículo
(que alimenta a ‘vergonha alheia’), a podridão revelada por uma vida vivida pelo
avesso, podem gerar.
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Infelizmente, o criminoso Jair não está sozinho.
Faz-se acompanhar de seus milhares de seguidores, crentes,
fiéis. Gente que constitui tanta aberração como o seu mito.
Nazistas de inspiração. Seres abjetos alimentados por intenções
assassinas.