“Além de outros que já – não é que votam com a gente – votam as pautas que tem que ser votadas do nosso lado. Então vamos ter tranquilidade por parte do Judiciário.”
Transcrevo a frase do presidente, proferida em encontro com
ruralistas ontem, no Palácio do Planalto.
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Para vários órgãos de imprensa, a frase exprime o fato de que,
se reeleito, caberá a ele ao menos duas indicações para cargos no Supremo
Tribunal Federal que deverão ficar vagos logo no início de seu mandato.
Trazem embutida também a sugestão da possibilidade de conseguir
o alinhamento do STF com o governo.
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A frase, mesmo truncada, traz claramente o compromisso do
presidente em subordinar o STF ao Executivo, não aos valores maiores do
Direito, da Justiça, da democracia e da representação ou análise e reconhecimento
de valores do conjunto das forças sociais.
Dita aos ruralistas, é um compromisso de mais que defender,
fazer valer a tese esdruxúla, já tratada em pitaco anterior de um tal de ‘marco
temporal’ para demarcação de terras indígenas.
Não é demais reafirmar: tese que é contrária ao que prega a
Constituição.
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Traduzindo: está no ar a promessa de se formar um Tribunal constitucional,
capaz de ir contra e jogar por terra preceitos Constitucionais.
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Claro, alguns eleitores do presidente menos sujeitos a manipulações,
talvez consigam enxergar os perigos contidos, para a continuidade do Estado de Direito,
da eliminação da autonomia necessária e, em última análise, até da supressão mesmo
da existência de três Poderes.
Mas, não se nega que é
provável que bolsotários, mais que satisfeitos se sintam estimulados a aplaudir
e defender a atitude do mito que veneram, destinada a livrar este mito de quaisquer
amarras à implementação de sua vontade.
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Porque o fato é que há bolsotários que, como marujos enfeitiçados
pelo canto de sereias, não apenas votaram
e apoiam, defendem e acreditam nas boas intenções
do presidente, sempre dizendo amém.
Outros reconhecem haver uma completa identificação entre as pautas
e o tipo de tratamento a elas dispensada pelo presidente com os valores que
professam e até a forma eles mesmos lidariam com o assunto.
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Afinal, é importante lembrar que incluídas nesse grupo, encontram-se
pessoas capazes de, por exemplo, elogiarem o ex-presidente Trump e criticarem
Biden. Quem sabe, dispostos a repetirem aqui – talvez como farsa – a invasão orquestrada
pelo ex-presidente americano, lá, ao
Capitólio; aqui, ao prédio do Supremo ou do Congresso.
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A questão de fundo refere-se ao conteúdo autoritário que a
medida pretendida expressa, que pode se revelar bastante conveniente aos
interesses do conjunto de seus apoiadores, em um primeiro momento, ou até em
ocasiões variadas.
O problema é quando
os interesses não coincidirem, situação que não é difícil prever dado o arco de
alianças de grupos com diferentes interesses e até distintos matizes no interior
do conjunto de apoiadores.
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Se, e quando interesses específicos forem atingidos, estes
apoiadores sentirão em sua “própria pele”, os revezes provocados por decisões autoritárias,
adotadas sem qualquer consulta ampla e lastreadas em um apoio hipotecado ao
mandatário quando, eventualmente os interesses eram coincidentes.
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Curioso é que ninguém se disporia, nos dias de hoje, a
entregar seu celular com aplicativos financeiros e senhas abertas, ou seus
cartões de crédito, para qualquer pessoa que não fosse de seu relacionamento
íntimo.
Aliás, manda a prudência que não se empreste o cartão de
crédito para o uso nem mesmo de alguém mais próximo.
Como entender então, a disposição de se dar um cheque em
branco a um político de caráter tão volátil e temperamental, como o desse
ex-militar que planejou explodir prédios militares para alcançar seus
objetivos; ou renegou seu passado político para conseguir se eleger como um ‘outsider’;
ou traiu a cada um de seus principais apoiadores, afastando-os do governo por mera
inveja ou insegurança, fossem militares ou civis; que se agarrou ao Centrão como uma tábua de salvação, apenas para
escapar das acusações de crimes de responsabilidade que pesam sobre seu desgoverno?
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Pior é que ele não renega ou esconde seu caráter autoritário,
mesmo quando tenta vender a imagem de Paz e Amor, como agora junto ao Supremo.
Cabotino, inepto, pouco afeito ao trabalho, deixa claro seu
total desconhecimento e desprezo pela diferença elementar entre exercer o
governo, eleito que foi para gerir o país dentro dos limites legais e em prol
de todos os cidadãos brasileiros, e ser a representação do próprio conceito,
abstrato e etéreo, de Estado.
Tudo para dar curso a sua vontade e atingir aos seus
objetivos, vários pouco republicanos.
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11 anos de pitacos
Comemoramos nesse 7 de outubro, 11 anos, desejando e dando
pitacos dos mais variados tipos.
Alguns raros leitores, a maioria amigos, questionam desde o
tamanho de meus textos até a razão de não recorrer à gravação de vídeos a serem
disponibilizados no Youtube.
Várias razões poderiam ser listadas, a principal delas, o
fato de ter sempre acreditado que as palavras e os textos escritos são mais
ricos e capazes de induzirem à reflexão, e ao amadurecimento das ideias, que as
imagens.
Se é verdade, e concordo, que as imagens valem mais que mil palavras,
por outro lado, também acredito que, ao entregarem de forma já acabada, tanto a
mensagem quanto o conteúdo, a imagem restringe o leitor.
Retira dele os mistérios, as buscas, as viagens que as palavras
escritas permitem desenvolver. Ainda que ocupem mais o tempo do leitor. E que possam trazer desconforto
e desaprovação com a forma de análise do
tema a ser desenvolvida.
Agradeço pois, a todos os amigos pacientes, leitores desses
pitacos.