terça-feira, 8 de agosto de 2023

Retomando a questão da tributação e sua equidade




 link no youtubehttps://youtu.be/24fIB00NcPA

Talvez não fosse necessário, como nas novelas, recapitular as falas finais do pitaco de ontem em que Piketty analisa as origens e a evolução de alta do endividamento público.

Em linhas gerais, dentre as várias justificaticas para a acumulação de uma dívida pública, poderiam ser citados a crença ou mais que a simples crença, o resultado do cálculo econômico que indicasse a maior rentabilidade social da aplicação dos recursos quando comparada ao custo de obtenção destes recursos, dada por sua taxa de juros; ou quando comparada à lucratividade esperada de um pacote de investimentos privados de mesmo valor.

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A justificativa acima permite ou  impõe alguns comentários: ao contrário de Piketty, que se refere à crença, por rigor técnico preferi adotar o conceito de cálculo econômico.  Preciosismo ocioso.

Afinal, seja do tipo público ou privado, o projeto de investimento que serve de fundamento a este cálculo deve se basear em projeções ou previsões a respeito do futuro. Portanto, em hipóteses ou crenças.

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Por certo, o reconhecimento da importância de estimativas de futuro, portanto INCERTAS, no processo de tomada de decisões econômicas permita reconhecer a gigantesca importância de Keynes na explicação do papel e importância do Estado no ambiente econômico.

Afinal, ao contrário do que muito Manual de Economia difunde equivocadamente, são estas expectativas incertas, capazes de afetar o humor dos tomadores de decisões, que exigem do Estado se responsabilizar pela criação de um ambiente de maior estabilidade e mais otimista.

Muito longe de transformar o Estado em mero substituto do papel dos interesses privados, ou de ação intervencionista no domínio econômico.

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Um segundo comentário refere-se à dificuldade, reconhecidamente maior, do cálculo da rentabilidade social de investimentos públicos, em razão da característica dos produtos resultantes destes projetos, que dificultam a utilização de preços de mercado substituídos por preços sombra, de apuração mais complexa.

À tentativa do cálculo de preços pelo custo de oportunidade (a saber, o valor atribuído ao benefício atribuído à decisão de não se produzir o bem) há que se acrescentar ainda outra dificuldade: a estimativa de rentabilidade de possíveis projetos de investimento privados tornados viáveis por tais produtos.

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Estes obstáculos não devem inviabilizar a elaboração do cálculo, de forma a demonstrar ou  “a existência de um superávit de poupança privada mal investida ... ou a crença do poder público em dispor de oportunidades de investimento material (infraestruturas, transportes, energia etc.) ou imaterial (educação, saúde, pesquisa) cuja rentabilidade social pareça superior aos investimentos privados”.

Observe-se que os investimentos citados como exemplo constituem o que o senso comum convencionou chamar de custo Brasil, cuja redução interessa a todos.

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Segundo Piketty, apesar de tudo, os gastos públicos não foram causadores de déficits primários (gastos maiores que as arrecadações) em todo o período que se estende de 1970 a 2015, sendo uma elevação do indicador de endividamento, Dívida Pública/Pib, explicado pela elevação da Dívida em razão de capitalização de juros, responsável pelo surgimento de déficit ‘operacional’ e do déficit nominal; seja pelo crescimento mais que proporcional da Dívida em relação ao do PIB.

Como ele destaca, “se a dívida fica muito alta e os juros elevados demais, isso acabará agravando toda possibilidade de ação pública.”

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E acrescenta que “... o crescimento do endividamento público a partir dos anos 1980-1990 deveu-se em parte a uma estratégia deliberada visando a redução da influência do Estado. O exemplo típico é a estratégia orçamentária ... do governo Reagan nos anos 1980”.

Sua opção política pela redução de impostos sobre as rendas mais altas  aumentou o déficit orçamentário, obrigando à redução de gastos sociais, e servindo para justificar a obtenção de outras receitas, de privatizações como forma de impedir a expansão deste vultoso rombo.

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Para Piketty, a “evolução pode ser vista como consequência da reconhecida impossibilidade do imposto justo.”

Sem a contribuição dos grupos de rendas e de patrimônios mais altos, inclusive dada a competição fiscal entre países em meio à total flexibilização dos fluxos de capital, e o declínio do consentimento das classes médias e populares com o pagamento de impostos, a decisão pelo endividamento pode parecer uma opção tentadora.

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No Brasil, como indicamos ontem, o artigo de Roncaglia aponta a resistência à reforma dos tributos indiretos (a unificação dos impostos sobre bens e consumo) pelos grupos de interesse mais privilegiados, que cobram e impõem regimes especiais que livrem seus negócios da mordida do fisco.

Mas é na tentativa de colocar o rico no Imposto de Renda ou nos impostos diretos, na dificuldade de arrecadar de forma mais justa que aguça os instintos selvagens dos grupos privilegiados.

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Dados anuais divulgados pela Receita, todos em reais, são chocantes: entre 2020 e 2021, lucros e dividendos declarados, de 555,7 bilhões de reais cresceram 44,6¨%, e representavam 36% do total de rendimentos isentos. Deste total, 411 bilhões ficaram na mão do 1% e 117 bilhões com o 0,01% mais rico.

Outros dados indicam que rendas não tributáveis e sujeitas a tributação exclusiva na fonte (rendimentos de aplicações financeiras) constituem 95% do total recebido pelo 0,01% mais ricos, 2 342 pessoas cujas rendas variam de 20 milhões a 22 bilhões ao ano !!! (patrimônio de 2,3 trilhões!!!).

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Quanto à progressividade do Imposto de renda, os dados de dissertação de Jonathan V. Lopes mostram para rendimentos do trabalho as seguintes alíquotas médias pagas: mais ricos (R$ 4 milhões por ano) 2%; rendas entre 250 e 370 mil, alíquota de 10,6%.

No caso de rendimentos do capital, em que o fisco arrecadou um total de 3,3 trilhões, 31 bilhões foram dos mais ricos, cuja alíquota efetiva foi de 1,98%.

Enfim, este é nosso país, em que a maioria de nós, mortais pobres, vivemos criticando a sanha arrecadatória do governo e a elevadíssima carga de tributos.

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Pitacos sobre a violência - de vários tipos - de uma sociedade cada vez mais desigual e mais doente




https://youtu.be/g5CAAblKdHk

Eu poderia iniciar este texto justificando o tempo decorrido desde o último pitaco, alegando que estava escondido, com medo de ser atingido por alguma bala perdida disparada pela Polícia Militar no processo de “higienização” que ela resolveu adotar para cuidar da segurança da nossa sociedade.

Sendo eu um indivíduo branco, além de má ideia, esta seria uma piada de péssimo gosto: a expressão correta é genocídio, não higienização.

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Mas as Polícias, seja a do estado de São Paulo, sob o comando da visão estilizada e moderna de Witzel II, o ‘estrangeiro’ Tarcísio; seja a do próprio Rio de Cláudio Castro, vice e substituto do juiz,  matriz da institucionalização da barbárie sob a forma de desprezível limpeza étnica; seja na Bahia do PT – quem diria??, desde Rui Costa!!! – matam apenas a quem é PRETO. Pobre. De preferência de comunidades carentes.

Com algum requinte de crueldade, poderíamos até imaginar que antes de saírem do ninho e se tornarem adultos.

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A sociedade branca, asseada, limpinha e cheirando a perfumes caros para disfarçar o mau cheiro de sua hipocrisia assiste a tudo isso de forma passiva. Muitos até concordando com a forma de combate ao crime que o Exército das UPP já havia testado antes no Haiti.

Da mesma forma que se mantém inerte à banalização do mal da violência contra as mulheres.

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A ponto de não causar qualquer reação mais contundente – passeatas, comícios, nada... – a violência sexual a que foi submetida uma jovem, deixada desacordada na porta de sua casa.

Não vou entrar no mérito do caso, nem apontar o dedo acusador, na busca de culpados (amigas, amigo, motorista de aplicativo, irmão sonolento ou a besta fera que se dispõe a satisfazer suas necessidades e fantasias sexuais com qualquer matéria inerte!).

Para mim, culpados somos todos nós, membros de uma sociedade doente.

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Doença que sem tratamento vem se agravando: se há muito tempo permitia que alguém dormisse na praça e até expusesse sua carência em canção de sucesso já se manifestava eventualmente, como na queima do índio Galdino por diversão de adolescentes brancos e ricos.

Por desconhecimento, e sem me aprofundar, vou apenas levantar hipóteses de outras agressões, muito piores, contra a população de rua.

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Quanto aos governos citados, de estados com PMs que optaram por aplicar a pena de morte inexistente ou o tal ‘excludente de ilicitude’  apenas um comentário. Com a exceção nada honrosa e trágica feita à Bahia, todos os demais governantes posicionam-se à direita, menos ao centro e cada vez mais extremada do espectro político.

Parece até que os nomes citados estão em disputa para se gabaritarem a ocupar o cargo vago pela inelegibilidade do mentor maior, o deplorável e cada vez mais corrupto comprovado, ex.

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Nessa competição pelo cometimento da maior atrocidade, não devemos esquecer o jeito de bom-mocismo e certo 'jeitim capiau' da excrescência que é o governador de Minas, cujo nome, se citado, sujaria esse texto.

Governador que comete crime de secessão, que deveria estar configurado expressamente na Constituição, com pena de perda de seus direitos políticos.

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Enfim, há quem compre o discurso e a fala mole deste ultra-direitista, cada vez mais desnudado.

Exemplo de político de visão míope, egoísta e autocentrada, além de ignorante da história do país e dos ciclos de sua formação histórica e econômica,  e de sua espoliação desde os tempos do açúcar.

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Mas o pitaco hoje era para falar de Reforma tributária e, especialmente a tributação direta sobre os super ricos deste país de vergonhosa desigualdade.

Para tanto, extraí trechos do livro Capital e Ideologia, de T. Piketty, ao analisar a questão da elevação do endividamento público e concluir que essa é uma evolução complexa”. E explica : “... pode existir toda sorte de motivos para acumular uma dívida pública – ...  um superávit de poupança privada mal investida ... ou a crença do poder público em dispor de oportunidades de investimento material (infraestruturas, transportes, energia etc.) ou imaterial (educação, saúde, pesquisa) cuja rentabilidade social pareça superior aos investimentos privados...  “

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Ele menciona que entre 1970 a 2015 a quase totalidade dos países ricos tinha situação de “déficit primário quase nulo (contudo com forte progressão do endividamento total no período, levando em conta a insuficiência do crescimento)”, com juros elevados...

Para ele, “ o crescimento do endividamento público a partir dos anos 1980-1990 deveu-se em parte a uma estratégia deliberada visando a redução da influência do Estado e citando como exemplo o governo Reagan nos anos 1980, que reduziu impostos sobre as rendas mais altas, gerando déficit e redução de gastos sociais.  Reduções de impostos aos ricos, financiadas por privatizações de ativos públicos, ou seja, a transferência gratuita dos títulos de propriedade.

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No nosso Brasil, André Roncaglia, (Folha de São Paulo de 4 de agosto último, p. A32) traz informações alarmantes e relevantes para argumentar que, aqui, “O poder econômico se converte em poder político para blindar a riqueza hiperconcentrada.” Para isso, influencia a política econômica para proteger o poder real de seu patrimônio enquanto interfere no processo legislativo para obter isenções tributárias.

Por importante, volto ao texto de Roncaglia no próximo pitaco, amanhã.