Eu poderia iniciar este
texto justificando o tempo decorrido desde o último pitaco, alegando que estava
escondido, com medo de ser atingido por alguma bala perdida disparada pela
Polícia Militar no processo de “higienização” que ela resolveu adotar para
cuidar da segurança da nossa sociedade.
Sendo eu um indivíduo
branco, além de má ideia, esta seria uma piada de péssimo gosto: a expressão
correta é genocídio, não higienização.
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Mas as Polícias, seja a do
estado de São Paulo, sob o comando da visão estilizada e moderna de Witzel II, o
‘estrangeiro’ Tarcísio; seja a do próprio Rio de Cláudio Castro, vice e substituto
do juiz, matriz da institucionalização
da barbárie sob a forma de desprezível limpeza étnica; seja na Bahia do PT –
quem diria??, desde Rui Costa!!! – matam apenas a quem é PRETO. Pobre. De
preferência de comunidades carentes.
Com algum requinte de crueldade,
poderíamos até imaginar que antes de saírem do ninho e se tornarem adultos.
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A sociedade branca, asseada,
limpinha e cheirando a perfumes caros para disfarçar o mau cheiro de sua
hipocrisia assiste a tudo isso de forma passiva. Muitos até concordando com a forma
de combate ao crime que o Exército das UPP já havia testado antes no Haiti.
Da mesma forma que se
mantém inerte à banalização do mal da violência contra as mulheres.
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A ponto de não causar
qualquer reação mais contundente – passeatas, comícios, nada... – a violência
sexual a que foi submetida uma jovem, deixada desacordada na porta de sua casa.
Não vou entrar no mérito do
caso, nem apontar o dedo acusador, na busca de culpados (amigas, amigo, motorista
de aplicativo, irmão sonolento ou a besta fera que se dispõe a satisfazer suas necessidades
e fantasias sexuais com qualquer matéria inerte!).
Para mim, culpados somos
todos nós, membros de uma sociedade doente.
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Doença que sem tratamento
vem se agravando: se há muito tempo permitia que alguém dormisse na praça e até
expusesse sua carência em canção de sucesso já se manifestava eventualmente, como
na queima do índio Galdino por diversão de adolescentes brancos e ricos.
Por desconhecimento, e
sem me aprofundar, vou apenas levantar hipóteses de outras agressões, muito
piores, contra a população de rua.
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Quanto aos governos citados, de estados com PMs que optaram por aplicar a pena de morte inexistente ou o
tal ‘excludente de ilicitude’ apenas um
comentário. Com a exceção nada honrosa e trágica feita à Bahia, todos os demais
governantes posicionam-se à direita, menos ao centro e cada vez mais extremada
do espectro político.
Parece até que os nomes
citados estão em disputa para se gabaritarem a ocupar o cargo vago pela inelegibilidade
do mentor maior, o deplorável e cada vez mais corrupto comprovado, ex.
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Nessa competição pelo
cometimento da maior atrocidade, não devemos esquecer o jeito de bom-mocismo e
certo 'jeitim capiau' da excrescência que é o governador de Minas, cujo nome, se citado,
sujaria esse texto.
Governador que comete
crime de secessão, que deveria estar configurado expressamente na Constituição,
com pena de perda de seus direitos políticos.
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Enfim, há quem compre o
discurso e a fala mole deste ultra-direitista, cada vez mais desnudado.
Exemplo de político de
visão míope, egoísta e autocentrada, além de ignorante da história do país e dos
ciclos de sua formação histórica e econômica, e de sua espoliação desde os tempos do açúcar.
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Mas o pitaco hoje era
para falar de Reforma tributária e, especialmente a tributação direta sobre os super
ricos deste país de vergonhosa desigualdade.
Para tanto, extraí trechos
do livro Capital e Ideologia, de T. Piketty, ao analisar a questão da elevação
do endividamento público e concluir que essa é uma evolução complexa”. E explica
: “... pode existir toda sorte de motivos para acumular uma dívida pública –
... um superávit de poupança privada mal
investida ... ou a crença do poder público em dispor de oportunidades de
investimento material (infraestruturas, transportes, energia etc.) ou imaterial
(educação, saúde, pesquisa) cuja rentabilidade social pareça superior aos
investimentos privados... “
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Ele menciona que entre 1970 a
2015 a quase totalidade dos países ricos tinha situação de “déficit primário
quase nulo (contudo com forte progressão do endividamento total no período,
levando em conta a insuficiência do crescimento)”, com juros elevados...
Para ele, “ o crescimento
do endividamento público a partir dos anos 1980-1990 deveu-se em parte a uma
estratégia deliberada visando a redução da influência do Estado e citando como
exemplo o governo Reagan nos anos 1980,
que reduziu impostos sobre as rendas mais altas, gerando déficit e redução de gastos
sociais. Reduções de impostos aos ricos,
financiadas por privatizações de ativos públicos, ou seja, a transferência gratuita
dos títulos de propriedade.
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No nosso Brasil, André
Roncaglia, (Folha de São Paulo de 4 de agosto último, p. A32) traz informações
alarmantes e relevantes para argumentar que, aqui, “O poder econômico se
converte em poder político para blindar a riqueza hiperconcentrada.” Para isso,
influencia a política econômica para proteger o poder real de seu patrimônio
enquanto interfere no processo legislativo para obter isenções tributárias.
Por importante, volto ao texto de Roncaglia no próximo pitaco, amanhã.
Um comentário:
A nossa sociedade está de fato doente, orgânica e endemicamente doente. A tal ponto do inelegível ser tratado como mito, ter votação expressiva e seguidores obstinados em diversos segmentos da sociedade. A engenhosidade desta violência talvez esteja representada na tosca, covarde e deplorável expressão “cidadão de bem”... Presente em nosso inconsciente coletivo, habilmente articulada pelo inelegível e canhestramente repetida pelos seus seguidores como forma de legitimar a violência. Não por acaso o chamado “cidadão de bem” é branco, pacato, cheiroso e asseado.
Dada a violência (econômica, intelectual, conceitual) com que a Educação vem sendo tratada penso que ela, a violência, perdurará por muito mais tempo e como você bem identificou, se alastrará. Enquanto a Educação estiver nas mãos de famintos de lucro a situação deste país lindo, grande e bobo não mudará.
Meu pai desenvolveu um tipo conhecimento tácito para avaliar fumo de rolo. Ele avaliava a cor, o cheiro (antes de ascender o cigarro de palha, que meticulosamente sabia fazer) e o resíduo de sabor ao tragar a fumaça. Cada uma destas etapas tinha uma avaliação sumária que somadas formavam o seu veredito final. Quando o fumo era classificado como péssimo e, portanto, merecia ser descartado, meu pai resumia em uma palavra: “Intragável! ” É desta forma que passo a me referir ao eventual governador de MG.
Fernando Moreira
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