quinta-feira, 29 de agosto de 2024

A indicação de Galípolo, em meio à discussão da PEC 65, de privatização do Banco Central

Youtube: https://youtu.be/C1dM49-aiOk Nas sociedades democráticas é comum que o processo de tomada de decisões de política econômica e seus efeitos dêem origem ao surgimento de conflitos de variadas e imprevisíveis proporções. Em sociedades capitalistas burguesas, dada a sensação de inevitabilidade que elas transmitem e que ajudam a criar, não surpreende que as decisões sócioeconômicas consideradas melhores ou mais eficientes sejam objeto de disputas e resistências, especialmente em razão dos sacrifícios que costumam impor à maior e mais desvalida parcela da população. *** E permitem que distintos grupos de interesse defendam a ideia que matérias técnicas de cunho econômico sejam adotadas por profissionais ou especialistas da área, mais preparados e mais neutros ou menos influenciados pelos aos fatores políticos-ideológicos que envolvem a tomada de decisão e seus efeitos. Cujo resultado é criar uma separação artificial e devastadora, para os menos favorecidos, Tal situação, que economistas filiados à visão liberal, principal corrente do pensamento econômico ou ‘mainstream’. ajudam a difundir não representa nenhuma novidade. Em seu livro “A Ordem do Capital”, Clara Mattei apresenta manifestações de economistas nessa direção, desde primórdios do século XX. *** Naquela situação, para resgatar a liberdade econômica, ou liberdade de mercado e os privilégios das classes capazes de pouparem e investirem, não foram poucas as manifestações favoráveis a que políticas econômicas fossem adotadas ainda que isso implicasse renúncia às liberdades políticas ou sua colocação em segundo plano. (cf. Mattei, C. – A Ordem do Capital – p. 32). Declarações de economistas reconhecidos reforçavam essa ideia. Para Pantaleoni, por exemplo, a democracia consistia de “ a gestão do Estado e de suas funções pelos mais ignorantes, os mais incapazes” (citado em Mattei, op. cit - p. 32). Na Inglaterra, Hawtrey advogava por um Banco Central ‘livre de críticas e pressões’, que seguisse o preceito: “Jamais explicar; jamais se arrepender; jamais se desculpar”. (idem). *** Para isso contribuía o ambiente de fim da 1ª Grande Guerra, e a vitória conquistada por exércitos formados pelo recrutamento de trabalhadores, que se viram em situação de poder para reivindicar mais direitos e conquistas políticas e econômicas, despertando a rehttps://youtu.be/C1dM49-aiOkação das classes proprietárias e investidoras. A contraofensiva não se fez esperar e tomou forma a partir da realização de 2 Conferências, uma em Bruxelas e outra em Gênova que, entre outros resultados, elevou o status do Banco Central pelo reconhecimento da necessidade de sua independência. *** Este breve resgate histórico tem em vista abordar o vídeo postado em 27 de agosto na rede social X, pelo economista e consultor financeiro Ricardo Amorim, em defesa da PEC 65 que, sob o disfarce de ampliar a autonomia do Banco Central, propõe a transformação dessa reconhecida instituição de Estado, em empresa pública, com funcionários celetistas, sem garantias ao seu trabalho e à mercê dos interesses do mercado financeiro. A PEC, que pode ser considerada a medida legal de privatização do Banco Central, é defendida pelo consultor de mercado a partir de uma analogia rasteira com um cirurgião, técnico, que tem de evitar as pressões e palpites daqueles que nada entendem de cirurgia. *** Para o consultor, livre de pressões, nosso Banco Central pode tomar melhores decisões e ajudar a economia brasileira a crescer sem inflação. A ideia é de que decisões técnicas como aquelas relativas à quantidade de moeda e crédito em circulação ou a taxa de juros da economia, deveriam ser tomadas por especialistas da área, os tecnocratas. Na analogia rasteira, somente o cirurgião tem o poder para fazer o que ele sabe e ACREDITA que deve ser feito. O que mostra que mesmo o consultor não escapa da discussão da subjetividade e da crença nas decisões. *** No vídeo, argumenta-se que tornar o Banco Central independente permite blindar o banco de pressões políticas e evita que ‘um monte de político que não entende absolutamente nada do real funcionamento da economia ... pressionam para fazer aquilo que é o melhor para eles e não para a economia brasileira’. (sic) Em defesa do famigerado projeto da PEC 65: “Este projeto que ainda está em votação, que expande a autonomia do BC brasileiro, se aprovado, a economia brasileira sai mais forte”. *** A questão que a PEC 65 esconde é que a PEC 65 não afeta apenas o banco, seus funcionários, o governo e sua capacidade de fazer política econômica ou o Estado. Afeta a toda a sociedade, como mais uma peça na engrenagem que visa mais que um programa de austeridade e de impedir o Estado de fazer qualquer intervenção no domínio econômico, em prol da maioria da população. O objetivo é submeter os menos favorecidos à condições de trabalho e remuneração que os obrigue a prosseguir trabalhando sempre em condições e preços mais aviltados. O propósito é excluir o público da tomada de decisões, que ele nãó tem capacidade para decidir, delegando às instituições técnicas e especialistas, a definição de taxas de juros. Isso no interior de um arranjo que busca conquistar apoio público para medidas de estabilização apontadas como necessárias, ainda que dolorosas. *** No fundo, o que se deseja é transferir a riqueza gerada no país para as mãos daqueles capazes de pouparem e investirem, reeditando a velha e falaciosa lógica do fazer o bolo crescer primeiro, para depois distribuir de Delfim Neto, de trágica memória. A independência do Banco Central faz parte de um aparato que inclui a manutenção da importância da tributação regressiva, o corte de impostos maiores sobre os mais ricos, ou progressivos; cortes em gastos públicos sociais, tidos como improdutivos; aos cortes de gastos para pagamento da dívida; ao aumento dos juros e redução da oferta de moeda que amplia a renda dos credores, deprime a economia, reduz empregos e salários e reduz o poder de barganha de trabalhadores. *** Nesse sentido, a independência do Banco Central visa ao arrocho salarial e o disciplinamento dos trabalhadores e aumento de lucros. Por sorte, a economia é uma ciência que não tem apenas uma forma de entender o fenômeno que estuda, analisar suas variáveis e as possíveis soluções – de forma democrática, e seus objetivos. *** Galípolo é o nome indicado por Lula para o cargo de presidente do Banco Central, desde que aprovado em sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos – CAE do Senado. Em sua coluna de ontem na edição impressa da Folha, Bernardo Guimarães aborda o comportamento de presidentes ou diretores do Banco Central em início de mandato, fazendo uma analogia com o comportamento de elefantes machos. Destaca que elefantes machos saem correndo e provocando destruição pelo caminho, em comportamento de ostensiva exibição de força, para firmar seu papel de liderança e evitar possíveis desafios ou conflitos futuros com outros machos da manada. Para ele, como a taxa de juros é a principal (senão a única) arma para conter a inflação, e esta é um fenômeno que depende, entre outros fatores, das expectativas de inflação do mercado, um diretor recém empossado no Banco pode vir a agir com o mesmo ímpeto do elefante, visando reduzir tais expectativas e mostrar que não terá receio de elevar juros. Isso explica porque aumentam as taxas acima do necessário no início do mandato, prática comprovada por estudos de votos do comitê do Banco da Inglaterra. Conclui que Galípolo, anteriormente indicado para Diretor de Política Monetária e tido como de confiança de Lula, deverá ser muito mais durão, em decisões e falas, do que seria caso sua origem fosse o mercado financeiro e as cobranças por austeridade dali oriundas. Por mim, mais importante é saber a opinião do indicado em relação ao projeto redução da classe trabalhadora a mera peça, de reposição facilitada. A ver.