sexta-feira, 30 de maio de 2025
A privatização do Banco Central é o objetivo de Galípolo?
Artigo publicado originalmente no site Brasil247. Link:https://www.brasil247.com/blog/a-privatizacao-do-banco-central-e-o-objetivo-de-galipolo
Deve-se à Lei 4595, de 1964, a instituição do Sistema Financeiro Nacional e a criação dos órgãos e entidades integrantes de seus dois subsistemas - um de caráter normativo e outro de atividades de intermediação – submetidos às normas operacionais e rotinas de funcionamento definidas para o sistema.
Essa Lei foi a responsável pela criação do Banco Central, sob a forma de Autarquia Federal de natureza especial subordinada ao Ministério da Fazenda, para ser o agente executivo das decisões do recém criado Conselho Monetário Nacional, órgão de caráter deliberativo. Além entre suas atribuições incluíam-se: a emissão do meio circulante, de acordo com a autorização do CMN; autorizar o funcionamento, fiscalizar e até punir as instituições, de caráter privado, responsáveis pelas atividades de intermediação financeira.
Antecipando o processo de transformação do papel do Estado ocorrido nos anos 90 e inspirado pelos ventos do neoliberalismo, que resultou em uma política de desestatização da prestação dos serviços públicos, a origem do Banco Central sob a modalidade de Autarquia de natureza especial, confere a ele perfil análogo ao das agências reguladoras - autonomia administrativa, financeira e patrimonial; mandatos fixos para os dirigentes; além da atuação equidistante e isenta em relação aos interesses dos usuários que são toda a sociedade e a economia, e os agentes regulados.
Tarefa que torna-se, no caso do Banco, cada vez mais submetida às pressões não do Estado, mas dos agentes ávidos a ampliarem sua renda pela transferência de renda e prejuízos que impõem, parasitariamente, ao conjunto de usuários economicamente fragilizados, em razão da posição privilegiada de que são detentores, os rent seeking.
É este papel de órgão regulador que permite analisar o Banco Central pela ótica da teoria da captura do regulado, situação que ocorre quando os interesses dos regulados acabam influenciando e sendo decisivos para que as ações dos reguladores sejam favoráveis aos seus interesses em prejuízo dos interesses de todo o público.
Em geral, a captura justifica-se a partir da forma de seleção dos indicados aos cargos de direção, com mandato, dos órgãos reguladores. Afinal, alega-se que, sendo o setor regulado caracterizado por uma série de atividades de ampla especialização e complexidade, seria recomendável que a seleção recaísse sobre um especialista, dono de larga experiência de trabalho em várias áreas de negócios do setor. A crença é a de que, o conhecimento acumulado (learning by doing) e o domínio da forma raciocínio de seus colegas permitiria criar mecanismos de controle e fiscalização mais eficientes.
Pensamento que ignora o óbvio: sem saber quem é o bandido para impedi-lo de agir, e se alguma diligência e qual será atacada, o mocinho estará sempre perseguindo o criminoso, depois do crime já praticado.
Junta-se a isso a hipótese da porta giratória: se o profissional por suas qualidades foi indicado para a direção do órgão regulador, findo o seu mandato e passado o período necessariamente limitado de quarentena, seu currículo e todo o conhecimento que acumulou o qualificam para ser convidado para ocupar cargo de projeção em qualquer instituição do setor. Inclusive pelo domínio das informações estratégicas de que teve ciência enquanto dirigente com mandato.
Cumpre-se, assim, o círculo: por ser qualificado e experiente, veio do setor para o órgão regulador, para onde voltará por estar ainda mais qualificado. De fato, seria um desperdício que ele tivesse que enviar currículos e ser contratado por setor em que não tivesse qualquer conhecimento, exceto o seu networking.
Se tomarmos o Banco Central como exemplo, não admira que vários presidentes da instituição vieram do mercado financeiro e que, a cada dia, aumenta o número de seus diretores que retornam para aquele mercado. Onde vão gozar o prêmio das delícias de terem tomado decisões que sempre procuraram evitar que os agentes do setor ficassem em situação de fragilidade e risco. Risco, aliás, que não deveriam adotar, por ter como uma de suas atribuições zelar pela solvabilidade do sistema financeiro.
Galípolo não é o primeiro, nem será o último. Profissional de formação reconhecida, sempre conviveu com as várias correntes do pensamento econômico e seus representantes, sempre interessado em aprender e expandir sua rede de relações. O que lhe valeu ser reconhecido como tendo uma posição heterodoxa moderada, longe da adoção de uma posição ideológica mais nítida. Sem ser um liberal, viu uma janela de oportunidade no processo de desestatização das vagas neoliberais.
Esforçado e inteligente, especializou-se em estudar o tema das parcerias público-privadas e notabilizou-se pela participação em processos de privatização da CEDAE, enquanto ocupava a presidência do Banco Fator.
Dado seu perfil “fora da caixa”, fez parte de governos de várias tendências e partidos. É um bom e competente quadro, e por isso, Haddad o convidou para o Ministério da Fazenda e o indicou a Lula. O que o tem poupado de críticas públicas, especialmente quanto à política de juros que vem comandando.
O que nos leva a um ponto crucial: se não é o perfil de Galípolo a defesa de posições econômicas de perfil mais ortodoxos; se sabe que a elevação dos juros é incapaz de debelar uma inflação que não é de escassez de oferta de produtos por elevação de demanda e gastos de consumo; se sabe dos impactos de juros elevados nos fluxos de entrada de dólares e a consequente apreciação do real; se tem conhecimento de como a apreciação do real alimentou o processo de desindustrialização quase fatal para nosso desenvolvimento autônomo e nosso desenvolvimento científico e tecnológico; e se tem a informação do quanto a política de juros concentra renda na mão dos grupos de renda mais favorecidos, o que o faz seguir dando declarações de manutenção da Selic, em eventos que o coloca sempre em contato com banqueiros, agentes do mercado financeiro e grandes empresários? O que o faz se dobrar à pressão da mídia, sempre parceira dos interesses de seus clientes e patrocinadores?
O que o faz manifestar contrariedade com políticas voltadas para a preservação, ainda que menos indicada, de equilíbrio fiscal como o fez com a elevação do IOF, um imposto regulatório, da mesma regulação quanto ao órgão que dirige? Imposto que pode sim restringir o crédito, e a demanda em alternativa aos juros?
Porque ignora que a economia dá sinais de arrefecimento do nível de atividade e a inflação começa a dar sinais de desaceleração? Por que essa ameaça aos outros mandatos do Banco que dirige – estabilidade da economia e manutenção do nível de emprego não são parte de sua preocupação?
E, afinal, em meio a tudo isso, qual a razão de: antes de discutir no CMN a alteração da meta de inflação, completamente irreal para uma economia indexada e em desenvolvimento – eterno? Ou antes de discutir a mensuração da inflação por um índice que não seja influenciado por elevações de preços de produtos sujeitos a fatores atípicos e alheios ao nosso controle (a chamada core inflation), porque prefere dedicar sua atenção, e até defender a aprovação, da indecorosa proposta que afasta o Banco Central cada vez mais do governo e o joga nos braços, sem amparo e proteção, do Sistema Financeiro?
A PEC 65 é a antessala da privatização do Banco Central. A transformação do Banco em Empresa Pública não assegura nem acesso a maior quantidade de recursos orçamentários e financeiros, nem de melhores recursos humanos. Abre sim, a possibilidade de dispensa dos contratados concursados, substituídos por profissionais indicados pela maior experiência e maior conhecimento dos produtos e interesses do mercado financeiro?
A quem serve a retirada do status de profissional estável e zeloso da fiscalização que executa junto aos agentes tutelados? A quem serve fragilizar a condição de órgão tipicamente de Estado que o Banco Central possui hoje? A quem interessa alterar profundamente a Constituição, nesse momento, para que no futuro, legislações infraconstitucionais, de processo mais fácil de aprovação possam retalhar e privatizar as atividades passíveis de geração de lucro do Banco Central?
Não aos 74% de funcionários do Banco que se manifestaram veementemente contra a PEC 65! Não à economia brasileira e aos seus setores produtivos? Não à sociedade?
Aos banqueiros e agentes financeiros? Aos capitais externos a eles associados?
A serviço de que interesses está esta malfadada PEC 65?
quinta-feira, 22 de maio de 2025
Manifesto contra a PEC 65
Este texto é exatamente o mesmo já publicado nos sites brasi247 (https://www.brasil247.com/blog/manifesto-contra-a-pec-65-ov7regcb) e ggn (https://jornalggn.com.br/congresso/manifesto-contra-a-pec-65-por-paulo-cesar-machado-feitosa/).
Dada a importância do assunto e ter sido publicado por sites tão importantes em nossa luta pela manutenção da democracia no Brasil, achei que devia publicá-lo também em meu próprio blog.
Eis o texto. Espero que apreciem e divulguem. A sociedade brasileira precisa dessa sua ajuda.
Foi a Lei Complementar 4595 de 1965 que instituiu e regulou o Sistema Financeiro Nacional e o conjunto de instituições que o integram, como o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil. Novamente foi uma segunda Lei Complementar, a LC 179 de 2021, que concedeu ao Banco Central sua autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira, mantida sua natureza de Autarquia de natureza especial sem vinculação de tutela ou subordinação hierárquica a Ministério.
Ressalta-se a importância da LC 179, que definiu o objetivo fundamental do Banco Central de assegurar a estabilidade de preços, ao lado de outros objetivos secundários como zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego.
Para cumprir seu mandato, a LC estabelece que compete ao Banco Central conduzir a política monetária necessária ao cumprimento das metas de política monetária estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, colegiado de que o Banco Central faz parte com direito a um voto entre três. Por outro lado, visando concretizar a autonomia do Banco, a LC estabeleceu o mandato fixo e não coincidente dos membros indicados para sua Diretoria Colegiada, inclusive seu presidente.
Assim, uma leitura atenta da Lei 179 revela a preocupação do legislador em fornecer as condições e os instrumentos para que o Banco Central pudesse proporcionar, no futuro, a alta qualidade de serviços financeiros que vem prestando à sociedade no presente e que se orgulha de ter fornecido no passado, e que lhe assegura o reconhecimento de mérito por todo o corpo social.
Assim, e ciente da prodigalidade de alterações juridicas e constitucionais características de nossa evolução institucional, política e social, uma pergunta salta imediatamente em nossos espíritos, corações e mentes: qual a necessidade da proposta de uma Emenda Constitucional, especificamente a PEC 65, para abordar temas tratados cuidadosa e eficientemente ao longo de nossa história, por legislação infraconstitucional?
Por quê se introduzir uma cunha a cindir o texto de nossa Lei Maior, fragilizando sua integridade e contornando a intenção do parlamentar constituinte, que sob o título da Ordem Econômica e Financeira determinou, em seu art. 192, a regulação do Sistema Financeiro por meio de Lei Complementar?
Sabendo que a promoção de alteração de preceito constitucional, por exigir quorum qualificado nas duas casas legislativas, é de extrema complexidade, por que a preocupação, nessa hora, de dar curso a uma ruptura desse texto? Trata-se apenas do oportunismo de contar com um Legislativo dominado por forças da oposição, ou que cada vez se sente mais poderoso para avançar sobre prerrogativas e direitos de outros poderes, de forma indevida, como se dá na participação crescente na execução da peça orçamentária, via Emendas?
Pior é a sensação de que, a partir dessa primeira dúvida, arromba-se a porta da insensatez e outras perguntas insistam em vir à tona: se a PEC 65 que se pretende aprovar visa assegurar autonomia financeira e orçamentária ao Banco Central – permitindo a um boeing não ter oçamento de um teco-teco – por quê não exigir o cumprimento, e fiscalizar como compete ao Legislativo, que o Executivo adote as medidas necessárias para que o art. 6° da LC 179 se torne realidade? Para isso, bastaria exigir que o Banco Central tivesse orçamento próprio definido e executado sem se sujeitar às injunções orçamentárias que afetam, como os contigenciamentos, todo o OGU – Orçamento Geral da União.
Por quê não permitir que o Orçamento do Banco lhe permita ter tratamento semelhante ao de outros Poderes, ou de outros órgãos como a Procuradoria Geral, a Advocacia Geral ou a Defensoria Geral da União? Todos órgãos cujo orçamento negociado com o Executivo é recepcionado pelo OGU.
Para que a Autoridade Monetária assegure os recursos necessários ao desenvolvimento de tantas funcionalidades na área dos meios de pagamentos; regulações e controles na área da regulação e da fiscalização que assegurem a estabilidade e saúde do Sistema Financeiro, por que não se criar uma taxa de fiscalização que incida sobre os entes regulados? Taxa de fiscalização que entraria direto no caixa do Banco Central.
Esta receita, junto a outros mecanismos, trariam a tranquilidade ao Banco para dar sequência à evolução de funcionalidades como o PIX, a moeda digital DREX, desenvolvidos apesar das limitações orçamentárias sempre citadas.
A verdade é que a PEC 65 não visa a promover maiores recursos à disposição do Banco, muito menos ampliar a atratividade do Banco na disputa pelos mais qualificados, adequados e adaptados profissionais no mercado.
O objetivo da PEC é destruir a essência de instituição tipicamente de Estado mantida pelo Banco, dotado da competência exclusiva de emissão da moeda, em nome da União, o que envolve o controle da liquidez e o exercício das políticas relacionadas a esse encargo, como monetária, a creditícia e a cambial.
Que outra razão justificaria a transformação do Banco em Empresa Pública, sob a órbita do Direito Privado, ainda que de natureza especial? Qual a motivação para transformar servidores públicos, regidos hoje pelo Regime Jurídico Único – RJU, em trabalhadores do regime privado da CLT?
As promessas de que, como empresa pública, o Banco não estaria submetido ao OGU; seus funcionários não estariam mais sujeitos ao RJU e poderiam ter remunerações de mercado, superiores ao teto do funcionalismo, são apenas promessas vãs. Ouro de tolo!
Tornar-se empresa amplia a distância entre o Banco e as propostas em benefício da sociedade, que levaram à escolha democrática do governo eleito. O resultado é deixar a instituição típica de estado, orfã! Pior, sob a influência dos interesses dos agentes a que ela deve regular. Abre oportunidade, não desprezível, para a manifestação da teoria da captura do regulador pelo regulado, de forma mais escancarada daquela que já ocorre hoje, como reconhecido por alguns parlamentares.
Quanto aos funcionários, a possibilidade de serem dispensados e seus cargos ocupados por apadrinhados dos setores financeiros privados, não poderia ser afastada. Independente dessa incerteza, estariam prejudicadas a falta de garantia e estabilidade que permite ao servidor público não se curvar a interesses escusos e a propostas de vantagens muito maiores.
Em suma, a PEC 65 apenas dá força a que a política de juros adotada pela Autoridade Monetária permaneça em níveis pornográficos, capazes de elevar os rendimentos dos títulos mantidos em posse dos magnatas das finanças, contribuindo para promover a sequência da mais perversa distribuição de renda no país; elevando a carga de endividamento público e implodindo qualquer proposta governamental de responsabilidade fiscal. Finalmente, desestimulando o investimento gerador de empregos e de crescimento da nossa economia.
Por tudo isso: 74% dos funcionários do Banco, entre ativos e aposentados, auditores e técnicos manifestaram-se contra a PEC 65 com um rotundo e sonoro não.
PEC 65 NÃO!
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