Já tive a oportunidade de comparar o general ministro Pazuello, da Saúde, à figura tragicômica do Sargento Garcia, personagem vivido por Henry Calvin, do seriado A Marca do Zorro, apresentado pela televisão brasileira no final dos anos 60, início dos 70.
Atacarrado para não dizer obeso, com aspecto bonachão, o
sargento é descrito como um militar bêbado, estúpido e atrapalhado, que se
destacava por sua completa incapacidade para cumprir a missão que lhe fora
incumbida: prender o personagem principal, o Zorro, alterego de Dom Diego de La
Vega.
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Como os mais antigos irão se lembrar, Dom Diego, filho de um
um importante estancieiro da Califórnia, retorna de seus estudos na Espanha e
não tarda em se dar conta da opressão a que está submetido o povo pobre da região
pela autoridades espanholas, especialmente o capitão Monastério.
Espadachim brilhante, decide passar por alguém avesso a
lutas, escondendo seus atributos de forma a ter mais desenvoltura para lutar contra
a tirania do governo.
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Responsável por capturar a Raposa (Zorro), o sargento Garcia
demonstra nutrir verdadeira admiração pelo esgrimista mascarado, talvez mesmo pela
causa da liberdade, o que o leva a estar chegando sempre atrasado no encalço do
bandoleiro, sempre de forma atabalhoada, sempre sendo exposto ao ridículo.
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Pois bem, o general Pazuello é, em minha visão, a
representação de nosso sargento Garcia. Submetido a um capitão tirânico e sem
estatura moral para ocupar o comando que lhe delegaram, Pazuello faz todo o
possível para “dar a impressão de estar lutando contra o mal: no caso, o Corona”.
Nesse sentido, cumpre ordens de maneira a sempre estar no
lugar errado na hora errada, fazendo valer a máxima que a estupidez da
disciplina militar e da sacralização da hierarquia procuram moldar.
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Razão porquê é capaz de afirmar com a pompa e circunstância companheiras
do ridículo, que “manda quem pode, obedece quem tem juízo” em referência a
ordem transmitida pelo ocupante do honorífico cargo de comandante em chefe das
Forças Armadas, o inepto e sociopata Bolsonaro.
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Isso em razão de, nomeado para cargo que não tinha qualquer
competência para ocupar, como ministro da Saúde em meio a uma pandemia, ousou afirmar que, aprovada pela Anvisa, autorizaria
a aquisição da vacina comunista do Butantan.
Agia como qualquer pessoa bem intencionada o faria, na busca
por uma forma de se impedir um genocídio.
Não contava com a estultície de seu chefe, e aí entra a problemática
questão da sacralização da hierarquia e disciplina.
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O ex-capitão, agora seu chefe, não apenas já havia cobrado
do apalermado militar a implantação de um protocolo de tratamento precoce, baseado
em medicamentos sem qualquer comprovação de eficácia contra o vírus, como desautorizou
a fala de seu subalterno.
A vacina chinesa, comunista não seria adquirida. E a justificativa
podia tanto ser o fato de quem a tomasse correr o risco de virar jacaré, por
força de transformação de DNA, ou sofrer alterações de gênero, com as mulheres
correndo o risco de desenvolverem barba e os homens passarem a falar fino.
No fundo, o capitão temia era ter de dar créditos a um
adversário na corrida pelo Planalto em 2022, o engomadinho de centro-direita,
Dória.
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Agora Pazuello é alvo de investigação determinada pelo STF, em
relação ao seu comportamento em meio à pandemia, principalmente em relação a
sua omissão em relação à escassez de oxigênio para os hospitais de Manaus. De quebra, cobram-lhe os gastos relativos à
importação, e fabricação pelo exército do kit Covid, com os placebos
determinados por Bolsonaro.
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Em minha opinião, o general Garciello é culpado. E, baseado
na obra de Zolá, poderia intitular os pitacos de hoje de “J’accuse”.
Afinal, acuso Pazuello de ter assumido responsabilidade que
estava além dos limites de sua capacidade técnica. Acuso-o de não saber o que
era o SUS, e não saber que o clima no Nordeste e Norte não é semelhante ao dos
países do Hemistério Norte.
Acuso-o de não conseguir manter um mínimo controle de estoques
de testes PCR-RT, e do prazo de sua validade, o que significa perda de milhares
de testes e de recursos financeiros de sua aquisição. Isso, para um homem que
se apresenta como especialista em logística.
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Acuso-o, sobretudo, de mostrar a todos o completo fracasso
do ensino militar, do ensino das academias militares que nada ensinam para seus
oficiais graduados.
Embora aqui eu mesmo apresento o atenuante: tal situação é a
demonstração cabal da necessidade de se jogar na lata de lixo as apostilas, os
livros, as lições da ESG – Escola Superior de Guerra. E encerrar de vez as
atividades a ela atribuídas, que se apresenta como responsável pelo estudo dos
destinos do país.
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Acuso-o de não ter tomado qualquer iniciativa ao ser
informado da escassez de oxigênio em Manaus e outras cidades e regiões do país.
Acuso-o por ser responsável pela morte, por asfixia (‘como
se afogando no seco’), de centenas de brasileiros irmãos nossos. Acuso-o por,
nessa hora, deixar de agir e planejar a logística do fornecimento dos recursos
escassos para tantas vítimas da Covid.
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Mas sua principal falta é a de ser completamente omisso.
Por isso, acuso-o de ser um completo capacho, incapaz de ter
hombridade para agir como homem, nem digo como detentor de patente militar graduada.
Acuso-o por vaidade exacerbada, preocupado apenas em garantir mais cargos em
sua ficha profissional onde se destaca a chefia do Departamento de Munição do
Exército, justo quando aconteceram desvios de munição no quartel.
Acuso-o de ser omisso e desconhecer a mais simples regra da
disciplina e da hierarquia: nunca se deve obedecer a uma ordem ilegal ou
imoral.
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Mas, aí a acusação já alcança o seu chefe. E tenho de
admitir que nosso Garciello está apenas servindo de boi de piranha, ou bode
expiatório, para encobrir o criminoso maior: Bolsonaro.
É Bolsonaro o verdadeiro criminoso, o mentor intelectual do
crime de genocídio a que o povo brasileiro tem sido submetido.
E não há problema em se admitir sua autoria intelectual, já
que desde o assassinato de Marielle, sabemos todos que autores intelectuais não
conseguem ser alcançados por nossas polícias.
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Por tal razão, acho que uma acusação a Garcia/Pazuello deve levar
em conta vários atenuantes (inclusive a de fragilidade de caráter!).
E não pode acontecer sem alcançar seu superior imediato: o homem
que desdenha de pedidos de impeachment, talvez por sua educação primorosa
(fruto das escolas militares?), como a demonstrada nas reuniões de ministério
de 22 de abril ou em churrascarias de Brasília, em que mais uma vez mostra sua ideia
fixa de cunho sexual.
Afinal, mandar a imprensa enfiar ‘no rabo’ as latas de leite
condensado que comprou, em volume e custo aburdos, por preços aviltados, de
empresas incapazes de fornecerem uma dúzia de quentinhas é, apenas demonstração
do tipo de utilização que ele faz, parece que com êxito, de tanto leite condensado.
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Dizer que a compra é para dar mais vigor e energia a militares
servindo ao Exército, é mostrar que o Exército que já não ensinava Geografia,
também não consegue ensinar um mínimo de valores nutricionais.
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Mas, gostaria de salientar nesse pitaco que tenho visto
muita análise, séria, abordando que a oposição está sem assunto e sem agenda,
ao tratar de impeachment.
Os defensores desse argumento alegam que falta o mais
importante: apoio político a tal medida.
De minha parte acho que se falta apoio político, sobram
crimes de responsabilidade e até mesmo de outra ordem.
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Lembro pois, que o impeachment não é um joguinho de Resta-um
ou Tira e Põe. Trata-se de instrumento institucional, grave, para coibir e
afastar aquele que cometeu ilícitos e infrações pondo em risco a estabilidade
da nação e a vida da população.
Isso já está posto. Não há, objetivamente, a hipótese de inexistência
de aprovação popular.
Porque afinal, Pablo Escobar e outros vários criminosos
reconhecidos sempre tiveram apoio de parte da população .
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Uma ou duas observações para terminar:
Rodrigo Maia teve meses para decidir sobre a abertura de um
processo de impeachment, por todas as razões que, agora, alinha para criticar Bolsonaro.
Se não o fez, ou é porque não via motivos que justificassem crimes
cometidos, ou por cumplicidade: concordava com o presidente.
No mínimo, ele tinha interesses em não criar dificuldades
para os grandes financistas de nosso país, os ‘Faria Limmers’, a quem ele
representa e que sempre estiveram, equivocadamente, apoiando o presidente.
Ledo engano dos interesses do capital financeiro: acreditavam
que, por manter Guedes ministro, o presidente tinha algum viés liberal.
Agora já perceberam que o capitão teve formação militar,
tendo feito seus estudos na época em que se pregava a doutrina nacionalista e
intervencionista.
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