link no youtube: https://youtu.be/24fIB00NcPA
Talvez não fosse necessário,
como nas novelas, recapitular as falas finais do pitaco de ontem em que Piketty
analisa as origens e a evolução de alta do endividamento público.
Em linhas gerais, dentre as
várias justificaticas para a acumulação de uma dívida pública, poderiam ser
citados a crença ou mais que a simples crença, o resultado do cálculo econômico
que indicasse a maior rentabilidade social da aplicação dos recursos quando
comparada ao custo de obtenção destes recursos, dada por sua taxa de juros; ou
quando comparada à lucratividade esperada de um pacote de investimentos privados
de mesmo valor.
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A justificativa acima
permite ou impõe alguns comentários: ao
contrário de Piketty, que se refere à crença, por rigor técnico preferi adotar
o conceito de cálculo econômico. Preciosismo
ocioso.
Afinal, seja do tipo público
ou privado, o projeto de investimento que serve de fundamento a este cálculo
deve se basear em projeções ou previsões a respeito do futuro. Portanto, em
hipóteses ou crenças.
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Por certo, o reconhecimento
da importância de estimativas de futuro, portanto INCERTAS, no processo de
tomada de decisões econômicas permita reconhecer a gigantesca importância de
Keynes na explicação do papel e importância do Estado no ambiente econômico.
Afinal, ao contrário do que
muito Manual de Economia difunde equivocadamente, são estas expectativas
incertas, capazes de afetar o humor dos tomadores de decisões, que exigem do
Estado se responsabilizar pela criação de um ambiente de maior estabilidade e mais
otimista.
Muito longe de transformar
o Estado em mero substituto do papel dos interesses privados, ou de ação intervencionista
no domínio econômico.
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Um segundo comentário
refere-se à dificuldade, reconhecidamente maior, do cálculo da rentabilidade
social de investimentos públicos, em razão da característica dos produtos
resultantes destes projetos, que dificultam a utilização de preços de mercado substituídos
por preços sombra, de apuração mais complexa.
À tentativa do cálculo de
preços pelo custo de oportunidade (a saber, o valor atribuído ao benefício atribuído
à decisão de não se produzir o bem) há que se acrescentar ainda outra
dificuldade: a estimativa de rentabilidade de possíveis projetos de
investimento privados tornados viáveis por tais produtos.
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Estes obstáculos não devem
inviabilizar a elaboração do cálculo, de forma a demonstrar ou “a existência de um superávit de poupança
privada mal investida ... ou a crença do poder público em dispor de
oportunidades de investimento material (infraestruturas, transportes, energia
etc.) ou imaterial (educação, saúde, pesquisa) cuja rentabilidade social pareça
superior aos investimentos privados”.
Observe-se que os investimentos
citados como exemplo constituem o que o senso comum convencionou chamar de
custo Brasil, cuja redução interessa a todos.
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Segundo Piketty, apesar
de tudo, os gastos públicos não foram causadores de déficits primários (gastos
maiores que as arrecadações) em todo o período que se estende de 1970 a 2015,
sendo uma elevação do indicador de endividamento, Dívida Pública/Pib, explicado
pela elevação da Dívida em razão de capitalização de juros, responsável pelo
surgimento de déficit ‘operacional’ e do déficit nominal; seja pelo crescimento
mais que proporcional da Dívida em relação ao do PIB.
Como ele destaca, “se a
dívida fica muito alta e os juros elevados demais, isso acabará agravando toda
possibilidade de ação pública.”
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E acrescenta que “... o
crescimento do endividamento público a partir dos anos 1980-1990 deveu-se em
parte a uma estratégia deliberada visando a redução da influência do Estado. O
exemplo típico é a estratégia orçamentária ... do governo Reagan nos anos 1980”.
Sua opção política pela redução
de impostos sobre as rendas mais altas aumentou o déficit orçamentário, obrigando à
redução de gastos sociais, e servindo para justificar a obtenção de outras
receitas, de privatizações como forma de impedir a expansão deste vultoso rombo.
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Para Piketty, a “evolução
pode ser vista como consequência da reconhecida impossibilidade do imposto
justo.”
Sem a contribuição dos
grupos de rendas e de patrimônios mais altos, inclusive dada a competição
fiscal entre países em meio à total flexibilização dos fluxos de capital, e o
declínio do consentimento das classes médias e populares com o pagamento de
impostos, a decisão pelo endividamento pode parecer uma opção tentadora.
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No Brasil, como indicamos
ontem, o artigo de Roncaglia aponta a resistência à reforma dos tributos
indiretos (a unificação dos impostos sobre bens e consumo) pelos grupos de
interesse mais privilegiados, que cobram e impõem regimes especiais que livrem
seus negócios da mordida do fisco.
Mas é na tentativa de
colocar o rico no Imposto de Renda ou nos impostos diretos, na dificuldade de
arrecadar de forma mais justa que aguça os instintos selvagens dos grupos
privilegiados.
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Dados anuais divulgados
pela Receita, todos em reais, são chocantes: entre 2020 e 2021, lucros e dividendos
declarados, de 555,7 bilhões de reais cresceram 44,6¨%, e representavam 36% do
total de rendimentos isentos. Deste total, 411 bilhões ficaram na mão do 1% e
117 bilhões com o 0,01% mais rico.
Outros dados indicam que
rendas não tributáveis e sujeitas a tributação exclusiva na fonte (rendimentos
de aplicações financeiras) constituem 95% do total recebido pelo 0,01% mais
ricos, 2 342 pessoas cujas rendas variam de 20 milhões a 22 bilhões ao ano !!!
(patrimônio de 2,3 trilhões!!!).
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Quanto à progressividade
do Imposto de renda, os dados de dissertação de Jonathan V. Lopes mostram para
rendimentos do trabalho as seguintes alíquotas médias pagas: mais ricos (R$ 4
milhões por ano) 2%; rendas entre 250 e 370 mil, alíquota de 10,6%.
No caso de rendimentos do
capital, em que o fisco arrecadou um total de 3,3 trilhões, 31 bilhões foram dos
mais ricos, cuja alíquota efetiva foi de 1,98%.
Enfim, este é nosso país,
em que a maioria de nós, mortais pobres, vivemos criticando a sanha arrecadatória
do governo e a elevadíssima carga de tributos.
Um comentário:
Excelente!! O que torna compreensível o papel manipulador do painel colocado na Associação Comercial de São Paulo, o impostrômetro. Divulga os números que a população ingenuamente engole indignada. Alimentando o engodo do enviesado c9nceito "custo Brasil" e que o Estado deve ser reduzido.
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