Sem
improviso, Lula fez ontem um autêntico discurso de estadista em seu retorno à
sessão de Abertura da Assembleia Geral da ONU.
Interrompida
por seguidas manifestações de aplausos dos representantes das delegações presentes,
a fala do presidente brasileiro foi a confirmação de que o Brasil está de volta
ao cenário internacional, para “dar sua devida contribuição ao enfrentamento
dos principais desafios globais.”
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Desta
forma, o discurso foi um veemente alerta para os mais graves, principais e
urgentes desafios e problemas que devem integrar a agenda internacional e
merecerem a atenção de todos os líderes do planeta.
Com
este objetivo, Lula abordou da crise climática à questão da fome e da desigualdade;
da vergonhosa distribuição de renda e riqueza à necessidade de dedicação de recursos
e esforços conjuntos para o alcance do desenvolvimento sustentável. Da necessidade
de reformulação das instâncias de deliberação multilateral, à busca da
transição energética do planeta; do respeito às divergências e no trato das
questões identitárias, à liberdade. Da necessidade de solução de conflitos pela
via do diálogo, à crítica aos conflitos armados, alimentados pela ainda
presente corrida armamentista.
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Não
se nega que seu pronunciamento foi bastante auxiliado pela pouca disposição dos
oradores que o seguiram de ir contra o “status quo”, de utilizarem da oportunidade
para fazerem não só críticas, mas sugerirem soluções: para se permitirem pensar
fora da caixa.
A
título de se fazer um registro necessário, esse foi o tom adotado por vários
dos jornalistas e analistas políticos nos os jornais da tarde/noite de ontem.
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Mas,
além do reconhecimento da importância da fala e dos temas focados, houve também
críticas, especialmente ao tratamento considerado raso à invasão russa ao
território ucraniano.
Se
condenou de forma abstrata a solução pela força das armas, não foi enfático na
necessidade de a Rússia paralisar os ataques e agressões ao país vizinho.
Mas
confesso minha estranheza quanto ao silêncio de órgãos de imprensa, jornalistas
ou comentaristas em relação à defesa necessária da liberdade de imprensa, em especial
sua crítica ao tratamento dispensado a Julian Assange, “punido por informar a
sociedade de maneira transparente e legítima”.
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Outra
crítica ouvi, especialmente, de jornalistas ligados à maior empresa com atuação
na área de comunicação em nosso país, defensora desde sempre das chamadas
políticas de mercado, dos interesses do mercado financeiro e do neoliberalismo responsável
pela maior parte dos problemas de que Lula tratou e que mereceu seus elogios.
Para
não cometer injustiças, nem acusar a ninguém de adoção de um viés ideológico, vou
apenas destacar a limitada fonte de informações a que têm consultado, e que os
leva a declarar que Lula errou ao vincular o neoliberalismo vigente no mundo ao
crescimento das forças de ultradireita e do fascismo.
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Para
não ser acusado de me utilizar do argumento da autoridade, vou apenas citar
alguns autores e obras que demonstram cabalmente a existência do vínculo entre
neoliberalismo, o crescimento exacerbado das desigualdades e da má distribuição
de renda, a precarização dos integrantes dos grupos menos favorecidos, a
sensação de abandono e desespero desses grupos e a saída “suicida” ou
democraticida a que se voltam.
Tais
elos podem ser vistos em Capital e Ideologia, de Thomas Piketty, onde o economista
apresenta extensa pesquisa sobre as razões do crescimento das desigualdades pós
anos 80, na maioria dos países.
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Ou
ainda artigos de André Roncaglia, na Folha de São Paulo, onde examina dados da
Receita Federal para concluir, entre outras coisas, que em nosso país, “rico
empresta a juros ao Estado o dinheiro que não pagou em tributos” (Folha de 4 de
agosto de 2023, p. A32)
Como
base para as conclusões críticas extraídas
das pesquisas, a ideia imperiosa da necessidade de se zerar o déficit público e
aplicar uma política de austeridade, na busca de equilíbrio orçamentário: uma FALÁCIA.
O
link a seguir - https://www.youtube.com/watch?v=ZeUxyNH-mq0
– de debate sobre o Orçamento 2024 e o Déficit Zero promovido pelo Espaço
Plural, da Rede Estação Democracia, traz o que penso do tema.
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Mas,
em entrevista no caderno Mercado, p. A19, de domingo 17 de setembro, a Folha publicou uma entrevista com o prêmio
Nobel de Economia em 2001, Joseph Stiglitz, que dispensa apresentação.
O
professor aborda a ênfase dada pelos mercados financeiros à importância do
déficit. E afirma que “A austeridade falhou em todos os lugares como
instrumento para o equilíbrio orçamentário.”
E
explica: “Austeridade geralmente leva a um menor crescimento... menor arrecadação
de impostos e mais gastos com seguro-desemprego e rede de segurança básica.
Então piora o déficit.”
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E
conclui que “Não está claro para onde a economia global está indo. Os
resultados do neoliberalismo foram tão ruins que houve um aumento da desigualdade,
as pessoas na base não se saíram bem... Ha uma resposta antidemocrática, uma
resposta fascista em algumas partes do mundo.”
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Esta
é a mesma abordagem na análise do professor Renato Pereira (Folha, caderno Ilustrada
Ilustríssima, 17 de setembro, 2023, p. C12) das promessas do candidato
anarcocapitalista Javier Milei.
O
candidato á frente das pesquisas na Argentina tem um discurso capaz de promover
o mais virulento ataque ao princípio da Justiça Social, além de promessas de
adoção de medidas drásticas de austeridade, o que instiga “.... milhões de eleitores que
vivem sem proteção social em um quadro feroz de instabilidade. A radicalização
política .... é sinal de uma era que combina degradação dos precarizados e
hipertrofia das elites, situação que inflama conflitos abertos pelo poder. “
Vai
além ao apontar tanto semelhanças quanto diferenças entre Trump, Bolsonaro e
Milei, que coincidem no menosprezo à forma como a elite pensante trata seus
eleitores”, caracterizados como uma “Multidão atomizada, tendo de se virar sozinha..sem
proteção, sem carreira, sem garantia”.
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Para
concluir, afirma que “O cancelamento do eleitor ... incorpora um
preconceito.... a rejeição a pessoas que fazem suas escolhas em um quadro de
instabilidade feroz... quando é particularmente difícil acreditar em alguma coisa e manter sua autoestima” e
fazendo coro com o antropólogo Peter Turchin para quem a degradação dos
precarizados e a superprodução de elites são as forças da instabilidade para
finalizar que “ciclos de desigualdade crescente favorecem o surgimento de
elites aspirantes ... processo que multiplica o número de pessoas sem nada a
perder.”
Um comentário:
De fato o discurso do Presidente Lula dignificou e o Brasil, além de resgatar uma imagem tão maltratada pelos 2 últimos ex-presidentes, em especial o jaMé... O teor do discurso tem naturalmente forte aderência no plano nacional, tendo em vista a fragilidade do governo no legislativo. O discurso é ainda um alerta aos malefícios do neoliberalismo e uma crítica rara, mas necessária à retórica cínica dos protocolos para redução e emissão de gases de efeito estufa.
A grande imprensa é irmã siamesa do neoliberalismo e jamais irá contrariar os seus representantes que são exatamente os grandes patrocinadores de novelas, filmes, transmissão de futebol, etc. É uma relação de perfeita promiscuidade sócio-cultural-econômica... O mais trágico disto é observar que os poucos focos de resistência vão também ruindo: sindicatos, universidades. Muito apropriada a sua sugestão de leitura sobre o câncer social que prolifera no mundo (também chamado de neoliberalismo). Quero me juntar a você indicando os libros "A Escola não é uma Empresa" de Christian Laval e "Neoliberalismo como Gestão do Sofrimento Psíquico" de Vladimir Safatle.
Difícil está mesmo em compreender como candidatos como Milei, cujo discurso é uma ofensa aos desfavorecidos, que são maioria, está a frente nas pesquisas.
Fernando Moreira
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