Também quero dar pitaco
sexta-feira, 21 de março de 2025
Mais uma elevação de juros. Necessária? Exorbitante? Para derrubar a inflação? Quais os efeitos colaterais dos juros altos?
Link: https://youtu.be/C3A4n_UkTHI
Em seu livro mais conhecido, de 1936, Keynes afirmou que o empresário capitalista caracterizava-se por ser dotado de “animal spirits”, cuja
definição na internet é uma disposição ou intuição que o capitalista forma com base em seu estado de confiança e que oleva a agir. Na guerra pela
sobrevivência no mercado, sempre atribuí à expressão a ideia do espirito irracional do animal que se lança ao ataque, em busca do alimento ou como
comportamento de defesa.
Concordando com Keynes, acho que o ambiente econômico caracteriza-se por ser dominado por incertezas, o que leva as decisões de prazo mais longo a serem tomadas com base em expectativas incertas, meros palpites. O mesmo vale para as decisões de curto prazo, mas com menos efeitos inesperados.
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Pior, no espaço social estas expectativas incertas dão origem à tomada de decisões cruciais, aquelas que modificam definitivamente e conformam o
espaço da atuação futura dos agentes decisores, criando realidades que impedem o arrependimento e o retorno à situação original. Nesse ambiente,
as decisões tomadas por um agente específico - por exemplo, construir uma fábrica - acabam tendo resultados afetados pelas atitudes e
comportamentos das decisões de outros agentes, e esta interação de decisões podem reforçar, se contrapor, até anular os efeitos esperados de
qualquer uma delas. A título de ilustração, ocorre-me a decisão de um investidor montar uma fábrica de carruagens, na mesma localidade em que
Henry Ford instalava sua linha de montagem.
Independente de tal situação, o empresário passa a imagem de um louco ou visionário. Pode se decidir a produzir um tipo de produto muito desejado
pelos consumidores, que pouco depois poderão abandonar o produto por questões de saúde, de mudança de hábitos sociais, por outros concorrentes novos e de maior qualidade.
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Sempre apontei esse lado meio insano do empresário que, como dizia Smith, começa antecipando capital, ou seja, gastando recursos para erguer uma
fábrica (compra de terrenos, despesas com a construção civil de instalações), gasta na compra de equipamentos e de matérias primas ou insumos, na
contratação da força de trabalho, na compra de energia para que a máquina possa gerar dada quantidade de produtos que levará ao mercado (gastos
de transportes) para eventual venda aos consumidores (gastos de comercialização, lojas, publicidade e até as despesas com financiamento de parcela
de seus fregueses, o que deve incluir provisões para perdas). Mas não é só, não falamos ainda dos custos de seguros, do recolhimento de impostos,
com o serviço de contabilidade e até da dor de cabeça com a visita de fiscais.
Tudo para os consumidoresao final, poderem não adquirir a quantidade projetada pelo empresáro, resultando em que ele antecipou recursos que não irão dar retorno, ou com retornos menores que os esperados. Daí a dificuldade de o empresário ter condições de bancar seu negócio com recursos próprios, o que o leva a solicitar finaciamentos tanto para inversões quanto depois, para capital de giro. O que custa dinheiro. Juros. Visando obter lucros, no caso de êxito, de 10, 12, talvez 15% ao ano.
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É neste ambiente, que o COPOM -colegiado dos diretores do Banco Central- a quem compete definir a taxa de juros básica da economia decidiu elevar,
na reunião de ontem, os juros para 14,25% ao ano. Terceira elevação, novamente de 1% conforme prometido em dezembro, o que significa que, desde
aquela data, a Selic já aumentou 25% em relação ao patamar que ela estava de 11,25%..
Comparando este aumento de 25% à inflação do mesmo trimestre de 2%, ou à inflação acumulada de 12 meses de fevereiro, de 5,06%, pode-se concluir
da existência de alguma incoerência gritante, entre pretensa doença e a dose do remédio adotado.
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Voltando ao empresário, nenhuma aplicação de renda fixa, que pague 1,3 do CDI (taxa média de juros para empréstimos entre as instituições
financeiras, agora, em 14,15%) vai render menos que os 15% de sua rentabilidade esperada e incerta. E, mesmo sendo um animal irracional, ele será
tentado a aplicar seus recursos no mercado financeiro, paralisando ou vendendo sua empresa, ou reduzindo o nível de produção, emprego, bem como diminuindo o nível de problemas e riscos com que se defronta.
Cai a produção, emprego e renda; cai o consumo, o investimento; cai a arrecadação do governo; cai o PIB, o que já promove a elevação do índice
Dívida Pública/PIB. Menor arrecadação eleva o déficit primário do governo e a insatisfação popular; eleva a pressão dos mercados financeiros e da
mídia, o que pode gerar até queda de autoridades. Seria isso um golpe em andamento? Dado pelo BC autônomo e que o mercado quer independente – DO GOVERNO - se prosperar a PEC 65, que privatiza o Banco Central?
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E em relação à inflação? Em minha opinião deverá subir, o que vai alimentar a falácia teórica de que estamos em dominância fiscal que é quando os
juros não conseguem mais cumprir seu papel de derrubar os preços, dada a situação de "gastança da máquina pública e a continuidade dos déficits".
Na verdade, os juros maiores elevam os custos financeiros de todo o setor empresarial. Como um dominó, sobem os custos de toda a cadeia de
produção, transportes e comercialização da indústria e serviços do país. Repassados para os preços, e dada a enorme indexação de nossa economia,
tudo acaba capturado pelos índices de preços, que serão usados para correção de salários, preços de aluguéis, câmbio e produtos em geral. Os juros
elevados são os principais elementos realimentadores da inflação.
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Juros pornográficos alimentam, no entanto, os rendimentos dos títulos públicos, na mão dos grandes bancos, grandes agentes financeiros, grandes
empresários com geração própria de caixa, grandes fortunas individuais. Talvez os 141 mil cidadãos a que o governo se propõe agora a tributar, e
que o Congresso já deu sinais de discordância.
Aplicações no mercado financeiro, para famílias de classe média mais alta, acabam trazendo perdas, caso tenham que vender os títulos. Ocorre que o
preço dos títulos cai com a elevação dos juros. O raciocínio é simples: se um título que custou 100 paga juros fixos de 10% ou 10 reais em um ano,
com juros maiores, de 20%, eu teria o mesmo rendimento de 10 reais com um título de 50. Logo, se precisar vender sua carteira de títulos, haverá
perda.
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Conclusão: só se beneficiam os grandes interesses financeiros, aqueles que parecem trazer o Banco Central como refém. O que torna o Banco Central
um dos principais agentes do processo de distribuição desigual, iníqua, injusta e vergonhosa da renda em nosso país.
Pornográfica mesmo.
É isso.
quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025
A experiência do regime de metas e metas contínuas: críticas. E a popularidade de Lula
link do youtube: https://youtu.be/_FcxC_8nI7E
Em 2024 a inflação brasileira atingiu 4,83%, ultrapassando a meta fixada em 3% para todo o ano e, inclusive, o limite superior de 4,5%, soma da meta mais o intervalo de tolerância admitido, de 1,5%.
Criado em 1999, o regime de metas de inflação atribui ao CMN a definição da meta e o intervalo de confiança para um dado período de tempo (o ano calendário). Esta meta passa a ser o alvo que o Banco Central deverá perseguir, usando os instrumentos de política monetária que compõem o arsenal a sua disposição. Por ser uma expectativa, ou esperança, a meta pode não ser cumprida, podendo ser afetada por eventos inesperados, impossíveis de serem antecipados e controlados, com que a realidade se impõe aos nossos desejos, razão de se definir um intervalo de tolerância.
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No site do Banco Central o regime de metas é apresentado como um mecanismo exitoso para a manutenção da inflação em níveis relativamente baixos, apesar de várias críticas que têm sido feitas à própria meta ou ao seu alcance.
As críticas abrangem o fato de que a inflação superou o limite superior da meta (mais a tolerância) em pelo menos 8 anos desde 2001, inclusive no último ano. E isso sem considerar que a meta foi fixada em valores elevados nos primeiros anos de sua vigência : 8% em 1999 e 6% o ano seguinte, ambos com um intervalo de 2%. E também sabendo que em 2003 e 2004 as metas dadas foram alteradas para maior. Ou ainda que, enquanto a meta média de todo o período até 2024 foi de 4,356 (4,625% com a alteração citada), a média da inflação foi de 6,3, acima da meta, para um crescimento médio do PIB de irrisórios 2,18%.
Pior: apenas em 1 ano a inflação ficou abaixo de 3% (2,95% em 2017), ou próxima a esse número mágico em 2 anos: 3,14 em 2006 e 3,75 em 2018.
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No site do Banco, afirma-se que o regime ajudou ao processo de ancoragem das expectativas de inflação, sendo utilizado pelas pessoas e empresários, como referência de “inflação prospectiva” e ampliando a previsibilidade dos agentes econômicos.
No entanto, nos países mais ricos, o regime sofre outra crítica, a de a autoridade monetária ser dotada com apenas um instrumento exclusivo de política: a manipulação da taxa básica de juros da economia, em nosso caso a Selic. Crítica dirigida mais à formulação da teoria econômica que fundamenta o modelo de metas, que compreende a inflação como fenômeno unicausal, dependente da variável da demanda agregada -, atrelada ao debate de o uso das taxas de juros ser recomendado apenas aos fenômenos inflacionários provocados por excesso de demanda.
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Outras causalidades possíveis, provocadas por outras variáveis - estrangulamento da oferta, inflação de custos, inflação inercial –, indicam a ineficácia da manipulação da taxa de juros cujo impacto afeta principalmente os gastos totais do governo, o déficit nominal e a dívida pública bruta, já que o pagamento de juros é um importante item de despesa financeira e total do governo.
Tem também um impacto sobre os fluxos de capital, em especial os influxos, como nos anos de 2005 a 2007 quando, ao provocar a valorização de nossa moeda, levou a uma corrida às importações e reforçando o processo de desindustrialização cujos efeitos são visíveis até nossos dias. Sem contar o impacto sobre a distribuição de renda e os ganhos privilegiados dos rentistas do mercado financeiro. Ou ainda pior: provocar recessão para reduzir a inflação, eliminando qualquer nível razoável de atividade econômica. Caso típico da aplicação do remédio que cura a febre por matar o doente.
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Procurando acompanhar os países mais avançados, que promoveram mudanças visando aperfeiçoar o regime, o Brasil promoveu uma mudança fundamental em seu regime de metas: a partir deste ano de 2025, o sistema não fixa uma meta para o ano calendário. Fixada em 3% mais o intervalo de confiança pelo CMN a meta vale para o período de 12 meses, a cada mês. Ou seja, divulgada a inflação para o mês de fevereiro de 25, verifica-se a inflação acumulada nos 12 meses compreendidos entre março do ano anterior até fevereiro deste ano. Se a variação de preços no período for de 3% a meta foi alcançada.
Se a inflação acumulada superar a meta mais o limite de tolerância, o Banco Central deverá começar a adotar as medidas julgadas necessárias. Haverá estouro da meta quando a inflação romper o limite superior da meta ao longo de um prazo de 6 meses consecutivos. Nesse caso, o presidente do Banco deverá encaminhar carta pública ao ministro da Fazenda apontando as razões do estouro, as medidas que serão adotadas e prevendo um prazo para que a inflação retorne à meta.
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Este sistema de meta contínua é que levou o BC a prever um estouro da meta para os próximos 6 meses, com a inflação atingindo 5,2%, e uma previsão de 4% para o 3° trimestre do ano.
O rigor imposto pela nova sistemática, agravando um problema já identificado por economistas de várias tendências e escolas, motivou a divulgação de uma carta aberta ao CMN. Ali, a meta de 3% é criticada por este patamar estar se mostrando disfuncional. A ideia é que se há um consenso de que a estabilidade de preços não significa inflação zero, mas uma inflação suficientemente baixa, adotar um valor apenas para copiar o padrão de países mais desenvolvidos, não respeita as distinções entre as várias economias, inclusive quanto ao grau de rigidez que elas carregam. Deste ponto de vista, a economia brasileira padece de “resquícios de indexação formais e informais”, que permanecem como no caso dos alugueis residenciais ou das tarifas de serviços públicos, como energia, corrigidos pela inflação do IGP de 12 meses; ou dos reajustes salariais e benefícios sociais, atrelados ao INPC.
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Com vários conjuntos de preços rígidos para baixo ou indexados à inflação passada, representando uma parcela importante dos índices de preços, uma meta de inflação excessivamente baixa coloca uma pressão adicional sobre os setores cujos preços não apresentem essa rigidez. Daí a inflação de serviços e preços monitorados apresentarem maior resistência à queda, dificultando o alcance da meta. Essa a razão para que, sem criticar as bases do arcabouço adotado, a carta proponha elevar a meta para 4%, o que a tornaria mais factivel. Afinal, a inflação ficou em 3% ou abaixo desse valor em apenas 1 ano ao longo de todo o período de 25 anos, apenas às custas de elevado desemprego o que leva as previsões do próprio mercado a superarem os 3%.
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Para concluir, um breve pitaco sobre a queda da popularidade do presidente nas pesquisas, apesar dos bons índices de nossa economia, como a queda de desemprego (baseada em ocupações de qualidade discutível, elevada precariedade e produtividade aquém da necessária); expansão do PIB perto de 3,8%; melhoria dos rendimentos e retirada do país do mapa da fome.
Por óbvio, o povo não come PIB. Ao contrário, ele tem a informação de que a economia está crescendo, a produção de bens e serviços vem se ampliando. O que ele não vê na casa dele, onde a quantidade de alimentos, cada vez mais caros, é menor. Junto a isso, ele sente maior dificuldade de transporte e locomoção dado o preço das passagens, o aluguel mais caro, material escolar, lazer, até o preço do futebol mais caro.
Corretamente pensa que só ele, seus familiares e amigos, estão perdendo. Quem está ganhando? Os empresários, que já têm muito e ficam com mais. Na igreja, que ele sustenta com o dízimo, ouve críticas à gastança do governo, alimentada por tributos cada vez maiores. Ele percebe que os juros caros são seu maior inimigo e problema. Quem fixa os juros? O Banco Central, sempre disposto a acusar o governo de ser o responsável pelo aumento de preços e juros altos, em razão da gastança. Gastança com quem? Com os juros? Não. Com emendas secretas e corrupção.
Como continuar a crer que o candidato que ajudou a eleger está está preocupado com a vida miserável que ele está levando?
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025
Ainda a Ata do Copom: alguns conceitos subjacentes à decisão do COPOM
https://youtu.be/7ul810A084k
Alguns poucos leitores dos pitacos questionam alguns dos conceitos e raciocínios abordados nos temas aqui tratados. Por exemplo: o significado de produto potencial ou de pleno emprego ou a relação contraditória entre inflação e desemprego, base da ideia de que, o crescimento vigoroso da economia deve ser contido, para evitar a inflação.
Sob o risco de um didatismo enfadonho, um texto e apresentação mais longos, simplificadamente vou tentar esclarecer tais dúvidas. Peço, pois, paciência a todos.
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Vamos imaginar uma pessoa que produza 25 unidades de um produto, por dia, a cada dia, para levar à venda pelo preço do produto nas lojas, de 20 pitacas. Com isso, obtém uma receita diária de 500 pitacas, com que ele pode comprar bens de que ele necessita e não produz. Ou seja, o que ele produz e oferece no mercado permite a ele poder adquirir o conjunto de bens de que necessita. Sua oferta individual de 500 pitacas determina o nível de sua demanda ou gastos de 500. Se algum dia, produzir as 25 unidades e quiser reservar 2 unidades para seu consumo restarão a ele 23 unidades, que lhe trarão 460 pitacas de receita.
Nesse exemplo: sua oferta continuou sendo de 25 unidades ou 500 pitacas, para atender à demanda de 500 pitacas, dividida em 2 unidades no valor de 40 pitacas e 23 produtos para outros consumidores, no valor de 460 pitacas.
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Se viesse a pegar um resfriado e precisasse de comprar um medicamento no valor de 100, teria que fazer maior esforço de produção, produzindo e vendendo, além das 25 unidades, outras 5, que lhe renderiam as 100 pitacas adicionais para o remédio. Poderia produzir mais, trabalhando mais algumas horas, além de sua jornada diária.
Comportamento semelhante, de sacrifício de seu descanso, deveria ser adotado caso quisesse comprar um equipamento que permitiria que ele
aumentasse sua produtividade, produzindo um total de 80 unidades e obtendo 1600 pitacas, no mesmo tempo de trabalho
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Se sua Oferta pessoal seria sempre de valor igual, indicando sempre o quanto teria para gastar, concluiríamos que sua O = sua D. Se isso é verdadeiro para todas os produtores da comunidade, poderíamos afirmar que a oferta agregada OA de todos os indivíduos será igual ao valor da demanda agregada, de todos DA. Como mostramos, para comprar um equipamento que iria permitir a ele crescer e produzir mais, ele teria que fazer um sacrifício, logo, não seria lógico que, feito o sacrifício, ele não usasse seu equipamento pelo máximo de tempo possível. O que nos leva à situação de que, além de OA = DA, a OA estaria sempre em seu ponto de máximo uso, ou pleno emprego, princípio conhecido como Lei de Say.
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Esse raciocínio parte da premissa errada, de que o produtor sempre vai preocupar em ocupar toda sua capacidade, não considerando que para produzir terá de adquirir máquinas, matérias primas que serão objeto de trasformação e contratar trabalhadores, essa mercadoria especial, que será o real produtor. Ou seja: produzir implica em custos que o empresário deverá procurar recuperar ao fixar seu preço de venda, acrescentando ao custo total a parcela correspondente ao seu lucro.
Se produzir e oferecer maior quantidade que a demanda do mercado, não conseguirá cobrir todo seu custo e irá ter prejuízo. Isso faz com que suas expectativas em relação ao ambiente econômico futuro sejam determinantes para sua decisão de quanto produzir e de usar sua capacidade máxima ou deixar manter alguma ociosidade. Essa ideia constitui o princípio da Demanda Efetiva, de Keynes e de Kalecki: são os gastos que determinam o nível de Oferta Agregada de um país. Gastos esperados e incertos.
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Daí que o desemprego não apenas pode acontecer, como é algo normal e que não ocorre só de forma voluntária, indicando que o desempregado não é alguém folgado que deseja viver de auxílios sociais. E essa situação é mais comum quando se verifica que muitas empresas gigantescas, preferem trabalhar com apenas parcela de sua capacidade, criada para ficar como uma margem de segurança. Caso a demanda de mercado de seus produtos tenha elevação inesperada, elas estão na dianteira para aumentar a produção e atenderem os consumidores sem concorrentes.
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Outro conceito importante vem de uma pesquisa empírica cujos dados mostraram que toda vez que o desemprego está elevado, a inflação é pequena, dando-se o contrário, se o desemprego é menor, ideia por trás da curva de Phillips e versões mais sofisticadas desse raciocínio. A ideia é que um bom ambiente de negócios irá alimentar expectativas de demanda crescentes, levando a decisões empresariais de expansão da produção, e gerando mais emprego, pagamento de maiores salários, que irão alimentar mais consumo, realizando o que era apenas uma profecia. Mas, se a demanda aquecida superar a capacidade produtiva instalada, isso irá ocasionar o fenômeno da inflação. Logo, menor emprego, maior salário e maiores preços, na espiral salários – preços.
Situação que levou ao desenvolvimento do conceito de TAXA NATURAL DE DESEMPREGO, que seria uma taxa que indicaria o limite de queda que o nível de desemprego deveria atingir, para manter preços estabilizados. Nos EUA, por muito tempo, estudos empíricos e projeções estatísticas baseadas em modelos econométricos estabeleceram o patamar de 4%. Além de tais modelos estarem sujeitos a influências de distintos e variáveis fatores (o erro das equações), depois da crise de 2007-2009, a taxa natural caiu para o patamar de 3%, sem qualquer inflação.
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Essa foi a época de injeção maciça de dinheiro a rodo por parte do governo americano, para salvar os bancos e poderosos interesses financeiros da bancarrota. Parte importante desse dinheiro foi usado para transações com papeis e títulos.
Mas devemos ressaltar que, além da Lei de Say e da curva de Phillips, o conceito da espiral preços/salários, se baseis em várias outras hipóteses, todas sujeitas a críticas, como a de não existir ociosidade na economia; a de que ao receberem seus salários, todos correm, imediatamente, para realizar gastos; a de que os produtos mais caros ou os bens de capital não podem ser importados enquanto decisões de investimento e aumento da capacidade produtiva, estão em curso.
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Crítica maior é quanto ao próprio conceito de pleno emprego, fruto de convenções sociais e fatores institucionais, culturais, religiosos, e vários outros, subjetivos que afetam a produtividade dos operários, como a oscilação de humor às segundas feiras, em seguida a um jogo do Corínthians (comentário feito em palestra por um diretor de Relações Industriais da IBM). Afinal, qual o limite físico temporal da jornada de trabalho? 8 horas? 12? E qual o número de turnos devem ser considerados?
Qual a duração da jornada semanal, 6 x 1 ou aquela que tem todo nosso apoio, e pela qual brigamos, de 5 x 2? E quanto à questão da produtividade, considerada baixa no Brasil, em razão de escassa educação de qualidade e de ensino técnico voltado para o mercado de trabalho? Sem contar a heterogeneidade estrutural de nossa economia, em que convivem setores com tecnologia de ponta e elevada produtividade, junto a setores que servem de bolsões de trabalho de baixo grau de conhecimento incorporado e resultados muito baixos de produção, como em setores de pequenas atividades manufatureiras, ligados a pequenos empreendimentos, ou a prestadores de serviços pessoais ou precarizados com atuação nas plataformas digitais.
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Também as máquinas podem trabalhar sem as interrupções técnicas recomendadas para descanso, lubrificação, manutenção, por curtos períodos de tempo. E até mesmo a terra e as áreas cultiváveis podem sofrer alterações. Antes considerada infertil a região do cerrado tornou-se terra fértil e produtiva, em razão do PRODECER, parceria entre agricultores japoneses e nacionais que, nos anos 70 introduziram inovações técnicas e novas tecnologias de plantio de lavouras (corretivo de solos, adubação, etc.)
Logo, não há uma definição técnica, exclusiva, para o pleno emprego ou para sua mensuração, em razão de leis das ciências naturais. Mas, em ocasiões excepcionais e por curtos períodos de tempo, sabemos que as empresas sobreutilizam sua capacidade nominal.
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No Brasil, a taxa de desemprego recorde alcançada, de 6,6%, acende o sinal de alerta de uma proximidade perigosa dessa taxa natural, já criticada. Mas, ao que parece, é esse o raciocínio e argumento usado pelo COPOM que o leva a, mesmo com sinais incipientes e reconhecidos de retração da demanda, abandonar a cautela e, em lugar de adotar taxas de juros que permitam redução do nível de atividade mais gradual, dando tempo para acompanhar a evolução e efeitos de sua decisões, optar pela adoção de uma política agressiva de aumento dos juros, que só beneficia aos rentistas.
segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025
Copom, alta dos juros: uma análise da Ata de 4 de fevereiro
https://zoom.us/j/97342808647?pwd=VOTDduEItH4w8z6Cz4hltrs7ZaksBR.1
O ritmo intenso de crescimento da demanda interna devido à expansão do consumo das famílias e da formação bruta de capital fixo, mais o
aquecimento do mercado de trabalho e o crescimento dos rendimentos da população levaram o COPOM a elevar a taxa básica de juros da economia em
mais 1 ponto percentual. Conforme a Ata publicada no último dia 4, e apesar de sinais da redução desse ímpeto ao final do ano, na visão do comitê,
essa situação “reforça que o arrefecimento da demanda agregada é um elemento essencial do processo de reequilíbrio entre oferta e demanda da economia e convergência da inflação à meta”.
Em linguagem simples: a expansão intensa da demanda, em condições em que a oferta já atingiu seu limite e não pode mais ser ampliada, resulta em
pressões sobre os preços. Ou seja, com a oferta muito próxima do pleno emprego, a demanda torna-se a variável de ajuste ou de resgate da situação
de equilíbrio entre a demanda e oferta. Daí, a necessidade de elevação dos juros, que provoquem a queda da demanda e promovam o equilíbrio entre
demanda e oferta, em que os preços ficam estáveis.
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Assim, a Ata expressa a hipótese de que a economia já ultrapassou ou está próxima de alcançar seu nível de produção limite, ou seu crescimento
potencial, conceito baseado em uma falácia. O que não impede tal raciocínio de encontrar boa recepção nos órgãos de comunicação e na histeria de
sua atuação no papel de porta-voz dos interesses dominantes dos grandes grupos financeiros do país.
Fazendo eco às críticas da imprensa à política fiscal expansionista e à gastança desenfreada reveladora de possível descontrole fiscal pelo
governo, acusada de ser responsável pela desancoragem ou afastamento da taxa de inflação esperada pelo mercado, da meta de inflação, a Ata
denuncia a redução do esforço governamental na promoção de reformas estruturais que assegurem a disciplina fiscal e conduzam à estabilização da
dívida pública. De quebra alimenta as incertezas do mercado quanto a perda de eficácia da política monetária.
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Extremametne zelozo em relação à manutenção do equilíbrio fiscal, o documento se esquece de informar ser a despesa com o pagamento de juros, agora majorados, o principal item de expansão da dívida (762,4 bilhões de reais, de juros) . O que nos obriga a concordar com a queixa da Ata,
quanto à existência de uma desarmonia entre a política fiscal e a monetária. Afinal, a política monetária conduzida pelo Banco Central e o COPOM
põem a perder todo o esforço fiscal de redução de gastos pelo governo.
Além disso, juros altos prejudicam as famílias e seu consumo, os empresários e seus planos de investimento, o crescimento da economia e da produção, do emprego e da renda, prejudicando toda a sociedade. Beneficiam apenas à remuneração dos bancos que, como credores, mantém titulos da dívida pública em suas carteiras, elevando seus ganhos exorbitantes.
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Em razão da política de juros, o Itaú anunciou lucros de mais de 41 bilhões de reais (16,2% maiores que o ano anterior), com crescimento de sua carteira de créditos (15,5%) e queda do nível de inadimplência. Em recuperação, o Santander apresentou lucro de 13,9 bilhões de reais, 50,2% maior que o ano anterior, aumento da carteira de crédito e comportamento estável da inadimplência, enquanto o Bradesco divulgou um aumento de 87,5% nos lucros, de 19,5 bilhões de reais.
Curiosamente, ao lado do crescimento não esperado pelos modelos e adivinhos do mercado de 3,5% do PIB, e de uma taxa de desemprego de 6,2% em dezembro, aliados ao aumento da massa salarial e da renda média per capita, as estatísticas indicam crescimento de 3,1% da indústria, com queda em
dezembro, fruto da política de arrocho monetário. Mesmo arrocho que causou contração no setor de serviços em janeiro de 2025, enquanto os efeitos climáticos levaram à queda do consumo de café, aumento do preço do café e outros grãos e inclusive da carne.
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Quanto à situação fiscal, o déficit primário do governo atingiu a 11 bilhões de reais, ou 0,09% do PIB, dentro da meta do arcabouço fiscal, sem incluir as despesas extraordinárias decorrente dos desastres no Rio Grande do Sul que, se incluídas, fariam o déficit alcançar os 43 bilhões ou 0,36%.
Em relação ao comportamento da Dívida Pública Federal, expandiu em 12,2% para o patamar de 7,32 trilhões de reais, dentro da meta fixada pelo Tesouro no Plano Anual de Financiamento (previsão entre 7 e 7,4 trilhões de reais). Também o prazo médio da dívida (entre 3,8 e 4,2 anos) e a parcela com vencimento em 12 meses (entre 17 e 21%) ficou dentro das previsões do PAF.
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A Ata menciona outros fatores, como o câmbio e eventos climáticos extremos para justificar parte da inflação, em especial a de alimentos. No caso
do dólar, cita a volatilidade como reação à política econômica americana, que nos escapa completamente do controle. E, embora reconhecendo que já pode estar em curso um incipiente processo de retração do nível de atividade, promete novo aumento de 1% da Selic para fevereiro.
Como diz o professor Oreiro, mesmo no caso de elevar a taxa básica de juros da economia, tal medida pode ser feita gradualmente, com variações menores da Selic e maior prazo para se atingir a convergência com a meta. Alternativamente, pode-se dar uma grande tacada, promovendo elevação extrema, e reduzindo o prazo para a obtenção da meta. Isso se o setor real da economia não entrar em colapso e o remédio provocar o óbito de todo os setores que integram nosso nível de atividade, à exceção dos bancos, setor financeiro e rentistas. Ou seja: a esse preço, a inflação pode ser domada. Às custas de pesado, injusto e iníquo processo de concentração de renda.
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Resta saber se a Diretoria do Banco Central, indicada por Lula e ávida por transformar o Banco em entidade privada, permitindo lançá-la nos braços dos interesses financeiros da Faria Lima via PEC 65 - da privatização do órgão de Estado – vai querer contribuir para a redução de todo o esforço democrático que o Executivo representa hoje.
O COPOM agirá em nome da sociedade e da economia real ou como refém ou representante dos interesses do mercado financeiro promovendo o último baile da ilha monetária?
E "Fora a PEC 65".
terça-feira, 31 de dezembro de 2024
Revendo e prestando contas do ano de 2024 na Economia e nos pitacos
https://youtu.be/_1V9asALL2g
Neste pitaco de prestação de contas e despedida de 2024, começo apresentando alguns dados da economia brasileira:
Crescimento do PIB em 2024, de 3,5%, contra esperado 1,2% pelos economistas e analistas de mercado.
Desemprego em 6,1, a menor taxa da história, também contrariando as previsões pessimistas do pessoal do mercado.
Massa de rendimento real recorde de mais de 332 bilhões de reais.
Redução da taxa de miséria: se de 2019 a 2022 a tendência era de aumento da pobreza, da extrema pobreza e da insegurança alimentar e nutricional,
tendo o país voltado ao mapa da fome, nestes dois anos o Brasil tem feito o caminho inverso, com as condições de vida melhorando para os mais
desvalidos.
A indústria apresenta crescimento de 3,6%, enquanto o crescimento do emprego industrial atinge os 75%.
A Balança Comercial prevê um superávit de 79.8 bilhões de dólares.
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Internamente o sistema financeiro apresenta um crescimento no volume de operações de crédito de mais de 9%, o que se dá ao lado da queda do índice
de inadimplência.
Assistimos a um aumento de vendas no varejo, enquanto é aprovada parte importante de uma Reforma Tributária, com apoio do Congresso, aguardada
há mais de 40 anos.
Medidas de redução estrutural de gastos – sem retirar completamente os mais necessitados do orçamento foram propostas e adotadas, embora consideradas insuficientes pelos mercados.
Em boa hora, o ministro Dino teve a coragem de por o dedo no vespeiro da orgia das emendas no Congresso, escancarando a necessidade de a sociedade discutir e alterar esse assalto que os congressistas estão praticando contra o Tesouro Nacional, contra as finanças públicas e contra a Economia Popular.
Atitude cada vez mais análoga à chantagem praticada pelas gangues que operam nas sombras, sem transparência e com a omissão cúmplice da grande midia convencional.
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Pelo enfrentamento corajoso às exigências descabidas e vergonhosas da Faria Lima e dos autointitulados mercados, tomamos conhecimento dos volume de gastos e dos principais beneficiários do gasto tributário de mais de 560 bilhões.
Pela ação deletéria de Campos Neto, a população hoje começa a ter conhecimento do principal gasto público, responsável pela elevação do indicador
Divida Pública / PIB, o pagamento sagrado e intocado de juros de mais de 850 bilhões.
De meu ponto de vista, há ainda outro grande evento a ser comemorado nesse final de ano de 2024: a saída de Campos Neto da presidência do Banco Central do Brasil.
Isso porque o queridinho da imprensa e dos famosos escritórios instalados nas imediações da Faria Lima, de forma geral para o país, e em especial os servidores da ativa e os aposentados do Banco Central, entre os quais me incluo, têm motivos para considerar a passagem desse senhor como um dos piores períodos de toda a brilhante história daquela instituição de Estado.
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Como os interesses das grandes corporações como bancos e as grandes empresas de comunicação e jornalismo não são necessariamente próximos dos
interesses dos empresários cujos capitais estão aplicados em atividades produtivas, geradoras de emprego, produção e renda e sujeita a toda a
espécie de riscos; como os objetivos e as práticas das grandes organizações financeiras, inclusive internacionais, não se confundem com aqueles da
grande maioria da população brasileira; como as necessidades dos donos do capital que exercem a função de gerarem empregos não são
necessariamente coincidentes com aquelas dos seus empregados, como nos mostra a reivindicação pela humanização da jornada de trabalho, na direção
contrária ao 6x1, nem mesmo quando o empregador é o governo e os empregados os funcionários públicos, a passagem e os elogios a Campos Neto são
como falso brilhante.
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Eleito mais de uma vez o melhor presidente de Banco Central do mundo, não se tem notícia de, em qualquer momento e de forma pública, o dirigente demonstrar qualquer reconhecimento à dedicação, sacrifício, interesse público, nível de qualificação, criatividade e capacidade de inovação e de conservação dos trabalhos dos funcionários do Banco em prol da sociedade.
Ao contrário, publicamente, o mandatário bolsonarista que se engajou com tanta disposição na campanha pela reeleição do inelegível - a ponto de ir votar com a camisa amarela apropriada pelos partidários do derrotado - apenas conseguiu dar declarações de crítica ao governo democraticamente sagrado vitorioso nas urnas.
Sem demonstrar respeito pelo cargo que ocupava e pelas consequências de suas palavras, foi dos críticos mais ácidos da política fiscal executada pelo novo governo, de elevação de gastos até como forma de se tentar reconstruir toda a destruição que o governo anterior promoveu nas instituições de Estado no país.
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Ao lado desse comportamento, seu discurso sempre foi no sentido de alimentar o pânico junto aos rentistas financeiros, causando stress e alimentando e reforçando a adoção de medidas tipicamente especulativas.
Protegido pela imprensa de viés neoliberal e pela autonomia que retira o Banco da influência política do governo, para colocá-lo na posição de vassalagem dos interesses financeiros privados, sua competência não o livrou de ter de assinar 2 cartas de explicações para o descumprimento da meta inflacionária, deixando encomendada uma terceira.
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Além disso, Campos Neto foi personagem de ações judiciais, convenientemente não destacadas pela mídia, entre elas a ação popular proposta pelo
deputado Boulos, por conflito de interesses, em razão de manter em seu patrimônio particular, aplicações em investimentos financeiros, grande
parte dos quais, em aplicações em títulos de renda fixa, metade deles atrelados e ampliando seus ganhos toda vez que fosse decidido algum aumento
da taxa Selic.
Mas não é só. Mantinha também investimentos no exterior, nunca suficientemente conhecidos, e passíveis de ganhos por eventual valorização do dólar.
Sua defesa alega que declarou tais investimentos ao assumir a presidência do Banco, e que não fez novos envios, o que não impede de continuar obtendo ganhos pela simples manutenção das posições já possuídas.
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Mas pior ainda de sua passagem foi a divisão e o conflito que provocou entre o corpo de funcionários do Banco, entre comissionados e não
comissionados, entre alguns ativos e aposentados, ao apresentar, propor, defender e vender internamente a ilusão de que a todos os problemas
orçamentários do banco poderiam ser resolvidos, inclusive relativos à elevação de remunerações acima do teto de salários para os funcionários
ativos, caso fosse aprovada a Proposta de Emenda Constitucional 65, a PEC 65.
Esta trágica possibilidade, rechaçada pela maioria dos integrantes da categoria (74,5%), levou a um embate do Sindicato dos Funcionários do Banco,
o SINAL e seus filiados pelos corredores e gabinetes do Senado, para tentar de vez não deixar prosperar a PEC da Privatização do Banco Central.
PEC que entrega a política monetária e arrasta toda a política econômica do governo democraticamente eleito, qualquer que seja sua orientação, para os desígnios da Faria Lima e dos rentistas e especuladores, que nada contribuem para o crescimento e o desenvolvimento da economia nacional.
Por tudo isso, a imprensa histérica faz retrospectivas críticas ao governo Lula, sem identificar corretamente as responsabilidades de uma das piores bancadas legislativas que já tivemos a oportunidade de presenciar no Congresso e antecipando em 2 anos, o debate eleitoral para 2026, e cacifando mais uma vez nomes de políticos que se curvam aos interessesa dos grandes grupos capitalistas, e completamente avessos à defesa de interesses da maioria da população.
Movida apenas por seus interesses de ganhos, a imprensa não aprende.
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Feliz 2025
quarta-feira, 18 de dezembro de 2024
Razões do dólar nas nuvens e da necessidade de a PEC 65 subir no telhado.
https://youtu.be/s0cWtbONx5o
Em entrevista concedida ontem, a uma rádio da capital sobre as razões da alta do dólar e suas consequências para o dia a dia do cidadão comum,
comecei apontando algumas das razões dessa movimetação, típicas de fim de ano.
Primeiro, o fato de contratos internacionais de financiamento terem os meses de abril e outubro como datas para pagamentos de amortizações do principal e de encargos, em especial, juros.
Isso explica a queda dos estoques de dólares em poder dos bancos, de 50,6 bilhões em setembro para perto de 30 bilhões de dólares em dezembro.
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Se a oferta de dólar apresenta queda, a demanda tende a aumentar nessa época, seja por causa das viagens internacionais, de férias,
seja pela remessa de dividendos das filiais de empresas estrangeiras para suas matrizes.
Mas a principal explicação da alta do dólar é a ESPECULAÇÃO praticada pelos mercados financeiros, pressionando ou chantageando o governo de forma
a que ele venha a adotar um violento choque fiscal.
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Qual a ideia, por trás dessa cobrança?
Para alguns desavisados, a piora de expectativas de inflação. Um comportamento que, curiosamente, repetiu-se em todos os anos do governo anterior,
incapaz de cumprir a meta de inflação anual, ou de sequer respeitar o limite superior do intervalo de tolerância.
E, por que se acredita que a inflação está fora de contole? Por que o governo Lula é considerado gastador, gastando mais que arrecada, o que
revela não ter compromisso com o equilíbrio fiscal.
No governo anterior, no desespero de comprar a fantasia de sua reeleição, houve gastos maiores que o total arrecadado. No último ano de 2022, o governo fez graça com chapéu alheio, dando calote em governos estaduais, com o ICMS dos combustíveis e deixando de pagar direitos legalmente reconhecidos, os precatórios.
No entando, o mercado não criticou, nem fez chantagem alguma, apesar de tanta intervenção. Apenas se beneficiava de medidas de um governo de discurso liberaloide.
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Cobrando a redução do desequilíbrio fiscal e do grau de endividamento em relação ao PIB, os mercados exigem, agora, redução dos gastos públicos:
em especial, querem que o salário mínimo não se eleve acima da inflação; que os benefícios previdenciários e sociais se desvinculem do salário
mínimo; querem a redução de programas que visam o resgate da dignidade da pessoa humana, como o bolsa família, o pé de meia. Além disso, exigem
que o governo gaste cada vez menos em educação e saúde, abrindo essas importantes áreas de atuação pública para a atuação privilegiada da
iniciativa privada. Afinal, o lema é: governo cada vez mais fora, mais espaço para a atuação e ganhos de capital e lucratividde dos interesses empresariais.
O governo corta os dedos, mas não aceita a amputação do braço. Apresenta pacote de corte de gastos que o mercado julga insuficiente. E o mercado
chantageia.
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O mercado divulga expectativas cada vez mais pessimistas de inflação, impõe a elevação dos juros que rendem os títulos que mantêm em carteira (e
de que não querem se dispor; apesar de sempre alegarem temer a incapacidde de o governo honrar sua dívida!).
Desprezam o fato de que juros maiores ampliam cada vez mais os gastos do governo, que diziam desejar reduzir (1% a mais de juros, custa mais de 56
bilhões ao ano, para um custo de gasto financeiro COM JUROS, de mais de 850 bilhões!).
Junto, desprezam a inteligência alheia.
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Juros maiores representam menor demanda, menores vendas, menor produção, menor emprego, ociosidade e custos e preços maiores (para compensar o custo da ociosidade). Representam, também, menos decisões de expandir a produção e menores investimentos. Menos dinheiro para a economia real e
maiores recursos para aplicações financeiras, com maiores rendas de juros.
Antecipando a redução de lucros das empresas com ações em bolsa, os acionistas liquidam suas posições, vendem as ações e remetem o dinheiro para
fora do país. Aumenta a demanda e o preço do dólar. Por fim, o fluxo de entrada de capitais tende a se reduzir, caindo a oferta de dólares.
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O dólar alto promove encarecimento de insumos, fertilizantes, partes, peças e componentes industriais, eleva o preço dos combustíveis e aumenta
custos de produção, repassados para os preços. A profecia de inflação se auto realiza.
O Banco Central eleva os juros e reinicia e aprofunda o processo.
Enquanto isso, Galípolo, indicado por Lula para exercer o mandato de presidente do Banco Central pelos próximos 4 anos, se alia aos interesses do
mercado e participa da elevação dos já pornográficos juros. Afirma que o câmbio flutuante é uma conquista e um fundamento do nosso modelo, e
assinala que não irá usar instrumentos de mercado para controle do dólar (flutuação suja).
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Ao contrário, promove reunião de TRABALHO com servidores do Banco Central, não dando oportunidade para que o sindicato de funcionários, o SINAL,
possa se manifestar. E de trabalho mesmo não trata nada.
Trata apenas e todo o tempo da PEC 65, que visa privatizar o Banco Central, tirando-o da esfera de influência da política econômica do governo eleito pela sociedade, tornando a política monetária um obstáculo à atuação da política fiscal e de qualquer política destinada a reduzir as
desigualdades vergonhosas que assolam nosso país: de renda, de propriedades, de terras, de oportunidades, de respeito e justiça.
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No fundo, vindo do mercado, para onde deverá voltar findo seu mandato; ainda em pleno vigor já que ainda jovem, o que parece lhe interessar, como
a outros de seus apaniguados é poder ter todo a autonomia e espaço para conseguir obter rendimentos ou remuneração que lhe coloque no mesmo
patamar dos milhões de reais mensais dos principais banqueiros do país.
Seus bajuladores, crentes de que poderão alcançar salários na casa das centenas de milhares de reais mensais, não se incomodam em manter uma
instituição cada vez menos sob a esfera de influência do governo e mais dominada pelos interesses dos grandes agiotas legalizados, representantes dos interesses financeiros de nosso país.
No fundo, Gabriel Galípolo, que inicia afastando contato com a representação legal dos funcionários, afastando aposentados que ajudaram a
construir o banco de hoje, deve estar certo.
Afinal, diz a lição que manda quem pode, obedece ao mercado quem tem juízo.
quinta-feira, 5 de dezembro de 2024
Reflexões e dúvidas sobre a reação do mercado ao pacote fiscal
https://youtu.be/cpJb4I97H7w
Relaxar o freio aplicado sobre a dívida é o pedido feito pelo presidente do Banco Central, para possibilitar investimentos necessários em defesa e
infraestrutura. E ele não se refere a juros, mas a aumentos de tarifas.
Afinal, aumento das transferências para o governo, tributárias ou não, diminuem a renda disponível ao gasto e o consumo. Criam um ambiente
pessimista que contagia aos empresários e promovem queda do investimento.
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Claro. A proposta não é, nem do presidente de saída do Banco Central do Brasil, nem do entrante em potencial, ambos mais preocupados em manter a
moeda estabilizada lá fora. Daí não mexerem com câmbio.
A proposta é de ninguém menos que o presidente do Banco Central da Alemanha, país do qual pode se dizer tudo, menos que tenha um governo perdulário, gastador, comunista e coisas do gênero.
Enquanto isso, os analistas de mercado, e a imprensa que lhes presta vassalagem e pressiona para que mais cortes fiscais sejam aprovados pelo Congresso e grandes federações e associações empresariais, agem como a mãe orgulhosa vendo o filho, fardado, desfilar pela primeira vez, completamente fora do ritmo: “Só meu filho está marchando certo. Todos os outros estão errados”.
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Nesse meio tempo uma curiosidade me assalta: já dissemos aqui que, sendo a dívida pública soberana, de reais tomados pelo governo junto à
população, principalmente os bancos e grandes intermediários financeiros, que risco de o governo não pagar aos credores existe? Ele sempre pode trocar as dívidas e seus títulos: ao invés de deixar papeis que rendem juros na mão do mercado (os títulos públicos), pode optar por deixar dinheiro, virtual ou em cédulas, que não pagam juros.
Ah, mas isso vai gerar inflação. Será? Vamos lembrar que a proporção de gente que detém tais títulos é muito pequena e ainda menor a parcela que iria correr para aumentar seu consumo, dada sua propensão a gastar menor (os ricos têm menor propensão a consumir, dado que já têm sua vida material bem equacionada).
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Importa dizer que esta ideia, tida como estafúrdia, não é minha. E de toda uma escola de economistas monetaristas críticos à visão da corrente principal de pensamento. Dita principal só por apresentar argumentos e defesa para a todo o status quo que mantém a desigualdade de oportunidades, remunerações, rendas, e propriedades, privilegiando os mais poderosos.
Esta corrente principal é que sempre deseja confundir os cidadãos de bem, vendendo-lhes a falsa ideia de que o governo e suas contas devem ser
pensadas exatamente como pensamos a vida financeira das famílias, inclusive a nossa. É ela que defende a meritocracia dos mais beneficiados desde o berço; lutam contra aqueles que não querem trabalhar duro para vencer, são contra a redução da jornada 6x1; não querem pagar mais tributos, o que os faz ficar radicalmente contra o pacote do Haddad. Mas sempre defendem a isenção de impostos a título de estímulos. Daí, no nosso país, o pobre paga mais que o rico, mais uma vez, na contramão do resto dos soldados do desfile.
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Correndo o risco de fazer uma comparação semelhante e incorreta, agora dos bancos com um dono de comércio de esquina, vamos admitir que o banco é uma loja que, ao contrário de vender berinjelas (exemplo de Delfim Netto), vende dinheiro.
Ninguém irá achar que o banco deseja ficar com suas “berinjelas” , recusando-se a vendê-las, no lugar de obter preço maior que o valor que pagou por elas. O objetivo do banco é esse: ter lucro, como qualquer feirante.
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Por outro lado, cada vez mais os bancos se vêem às voltas com clientes vindos de famíias endividadas, alguns já inadimplentes, tomando dívidas para liquidar outras em uma roda viva que aumenta seu desequilíbrio, já que essa rolagem de dívidas sempre é feita com juros maiores. Os bancos alegam que têm que embutir o risco de calote.
Devemos observar que os juros para o banco são fruto de quanto custa para ele convencer às poucas famílias que têm sobras de dinheiro no fim do mês e das muitas empresas pequenas, médias e, especialmente das maiores, a lhe ceder o uso desse valor. Títulos de renda fixa, por exemplo, coisa de 30% a mais que a Selic. Vamos dizer que algo como 1,5% ao mês. Além disso, o banco tem os custos administrativos, como aluguel de espaço físico para agências, pessoal, máquinas, água, luz, etc. Aí entram os riscos de inadimplência, risco de crédito, risco operacional, gastos com publicidade etc. E ao final, o lucro do Banco. O que nos leva a taxas de até 400% ao ano, dependendo do linha de empréstimo.
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Se as famílias estão cada vez mais endividadas, vão evitar tomar empréstimos, até o ponto que literalmente é se endividar ou morrer (de inanimção, sem comida).
E os bancos irão sempre preferir emprestar ao governo, cujo risco é zero. Pela classificação de risco adotada em nosso país, aplicações bancárias em título público têm risco zero, o que permite a eles, não necessitarem de reservar parte de seu capital para eventual perda do recurso. Ou seja, não há necessidade de provisão de capital. Outras operações de crédito com as pessoas comuns, o risco chega a 100% e se o banco te emprestou 1000, o dono deve reservar 1000, para alguma eventualidade de não retorno do dinheiro.
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Feitas essas observações, minha dúvida pode ser dita. Qual o interesse dos bancos em evitar gastos do governo acima do que ele arrecada, ou déficits, se eles bancos é que irão financiar essa dívida pública ainda mais sabendo que o risco de perda do dinheiro é zero?
O que aconteceria caso o governo emitisse reais e recomprasse todos os títulos de sua dívida?
Em que tipo de atividade os bancos, tão zelosos da saúde do governo, iriam aplicar lucrativamente seus recursos? Emprestando a quem ele não confia que irá pagar? Emprestando para grandes empresas seja para capital de giro, seja para investimentos? Investindo em ações na Bolsa? Ou comprando dólares e os enviando para aplicações no exterior?
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As opções acima indicam que se aplicassem emprestando para empresas em nosso país, o país poderia crescer e ter mais estabilidade, emprego, produção e renda. O mesmo se dá com aplicação na compra de ações em bolsa, o que fortaleceria nossas empresas e permitira financiar o crescimento da economia brasileira. Claro, se isso não troxesse uma inflação de ativos capaz de gerar até uma bolha de ativos.
Por outro lado, se tirassem dinheiro do país, elevariam o dólar, encareceriam nossas importações e alimentariam um processo inflacionário de produtos como alimentos, roupas, serviços pessoais, etc. Essa opção apenas revelaria a pressão ou chantagem feitas por todos esses agentes patriotas sobre o governo.
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Por quê?
Para pressionar o governo a pagar juros maiores sobre os títulos do governo que estão em seu poder e eles terem mais lucros e ganhos, sem riscos e com o dinheiro à sua vista (dentro do pais).
Juros maiores que, mais que chantagem permite a eles, forçarem ao aumento das despesas financeiras do governo, aumento dos gastos e mais endividamento, reiniciando o ciclo de enriquecimento de poucos em prejuízo de muitos.
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