Também quero dar pitaco
sexta-feira, 20 de junho de 2025
A que interesses serve mais uma alta de juros?
Link: https://youtu.be/UzDKn-XrO-M
Sob a alegação da permanência de incertezas no cenário internacional, em função da adoção de políticas econômicas de caráter errático por parte do ioiô alaranjado, somadas às incertezas no cenário doméstico, dada a resiliência apontada pelos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho, que teimam em manter seu dinamismo, o Copom decidiu elevar a taxa básica de juros da economia brasileira para o nível recorde de 15% ao ano, patamar não atingido desde 2006.
De acordo com o Comunicado do Copom, comitê composto pelos 9 diretores do Banco Central, a decisão unânime se deve à necessidade de o Banco ter de
se utilizar da taxa de juros como instrumento único da política monetária, visando cumprir seu objetivo de levar o nível de inflação para a
proximidade da meta de 3% com tolerância de mais ou menos 1,5%.
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À primeira vista, pode parecer estranho que o Banco Central opte por uma política monetária punitiva, elevando os juros para encarecer o custo do
dinheiro, do crédito e dos financiamentos, provocando a queda do nível de gasto das pessoas e empresas.
Essa estranheza é ainda maior quando se sabe que menores gastos desestimulam os empresários a expandirem seus negócios, investindo ou ampliando sua
capacidade de produção. Isso quando não decidem reduzir o próprio nível de produção que não encontrará saída.
O resultado disso é o que se chama de redução do nível de atividade ou do crescimento, ou redução do PIB e seu efeito mais notável é o desemprego.
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Imediatamente uma contradição salta aos nossos olhos: enquanto o governo democraticamente eleito vem cumprindo as promessas de campanha e adotando medidas econômicas de estímulo ao crescimento da atividade econômica, e comemorando a elevação do nível de emprego formal, o Banco Central, instituição típica de Estado por deter o monopólio da emissão de moeda e liquidez opera como inimigo do governo.
Ao contrário de utilizar a política monetária de forma compatível e consistente com a política econômica manifestamente desejada pela sociedade, o
Banco prefere utilizar a política ou os juros para tornar o governo e suas políticas, especialmente a fiscal, mas não só, refém de sua vontade.
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Para evitar a acusação de tramar contra a melhoria do bem estar da população e contra a política do governo, o comunicado alega lutar contra
outro problema, reconhecidamente prejudicial a todos indistintamente: a inflação.
E comunica que as expectativas de inflação para 2025 e 2026 permanecem em valores acima da meta, de acordo com o Boletim Focus que estima o índice de 5,2% e 4,5% respectivamente para este ano e 2026.
Entretanto, o mesmo comunicado informa que o Boletim Focus projeta uma inflação para 2026 mais elevada que a previsão do próprio modelo do Copom (de 3,6%).
Entre a projeção de seu modelo e a do Boletim Focus, a diretoria do Banco parece preferir a do Boletim. E age com base nessa pesquisa. O que exige de nós algumas considerações.
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Em primeiro lugar, esclarecer que o Boletim Focus é o resultado de uma consulta feita aos agentes do mercado financeiro e tão somente a eles, que
não têm participação direta no processo de formação de preços dos bens que integram a inflação. Isso torna o Boletim mero porta-voz dos interesses do mercado financeiro, único setor que expande seus ganhos com a alta dos juros.
Representantes dos setores que formam preços (agro, indústria, comércio, serviços) não são ouvidos, apesar de profundamente prejudicados pelas decisões quanto às taxas de juros.
Uma segunda observação se refere ao uso dos juros para conter a inflação, teoria que tem inúmeros defensores nas escolas econômicas ortodoxas e de inspiração liberal ou neoliberal, como parece ser a formação dos diretores do Banco, fazendo coro aos agentes financeiros e à midia tradicional, que depende dos anúncios do mercado para sobreviver.
Mas reconhecer a existência de amparo de caráter intelectual – E NÃO TÉCNICO – para a decisão, não significa que não existam outras formas de
pensamento, que encaram a inflação como passível de ser explicada por vários fatores que não apenas a de muita gente querendo comprar produtos escassos.
Inflação causada por perda de alimentos devido aos efeitos de desastres naturais (chuvas, alagamentos, seca extrema, geada) ou doença em rebanhos
não são afetadas por juros qualquer que seja seu nível.
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Destaque deve ser dado também, para que não pairem quaisquer dúvidas sobre os integrantes do corpo técnico do Banco: embora alguns dos
funcionários públicos do Banco possam compartilhar a mesma visão neoliberal da diretoria, grande parte não concorda com essa abordagem. E,
independente de suas crenças, como funcionários de Estado e compromissados com o público, entregam suas tarefas, muitas de caráter técnico.
No entanto, sendo a política, e dentro dela a política econômica do governo e mais especificamente a política monetária, um campo de disputa de
interesses, onde as decisões tomadas favoreceram mais alguns agentes, no caso o setor financeiro em detrimento dos objetivos mais amplos de
desenvolvimento nacional, a decisão do Copom é estritamente POLÍTICA. No caso, a decisão de uma instituição que, a título de resguardar sua
autonomia frente ao governo, não se constrange de privilegiar ao setor que deveria estar fiscalizando e regulando: o mercado financeiro e seus
interesses. Situação típica de captura dos reguladores pelos regulados, muito mais poderosos.
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Para concluir, indica-se a seguir alguns efeitos perversos para o governo e a sociedade como um todo, causados pela decisão de elevação de 0,25%
da Selic adotada e que, ainda que inadvertidamente o Comunicado parece ironizar quando informa que: “ Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de
assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno
emprego”.
Isso quando critica o dinamismo do mercado de trabalho, com o trabalhador cada vez mais fragilizado e explorado e incapaz de gerar o nível de
renda suficiente para atender às necessidades que lhe assegurem e à sua família, uma vida digna. A ponto de, como dá a entender o professor
Safatle, um emprego apenas é pouco para seu sustento e o segundo uma miragem. A baixa remuneração de apenas um emprego reduz a qualidade de vida da família.
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Entre os males da alta dos juros, além doss já citados de redução do crescimento econômico, pode ser citado um processo perverso de concentração
de renda, com a renda sendo distribuída cada vez mais de forma injusta e desigual. Ao gerar menos oportunidades de emprego, menor inclusão no
mercado de trabalho, os salários são mantidos em limites cada vez mais reduzidos, enquanto os empresários produtivos preferem aplicar seus
recursos em aplicações especulativas do mercado financeiro, e os agentes do mercado ganham tanto de operações mais caras com o setor privado
quanto com o setor público.
Por outro lado, ao deixar de ser indissociavelmente conectada com a política fiscal, como lembra o professor Oreiro, a política monetária acarreta a elevação da despesa nominal do governo, despesa nominal dada pela soma das despesas primárias - aquelas que o governo faz para poder funcionar
e prestar serviços para a sociedade-, e as despesas financeiras de juros dos empréstimos que o governo toma junto aos agentes financeiros.
Com isso, o déficit do governo se eleva, mesmo que o governo esteja cortando gastos essenciais e gerando resultados positivos, mas aquém dos juros devidos. Elevando seus déficits, aumenta a Dívida Bruta do Governo e a grau de endividamento calculado pela Dívida Bruta/ PIB se eleva, tanto pelo
aumento dos juros quanto pela redução do crescimento ou do PIB.
Resultado que se agrava em razão da autonomia do Banco Central que, mesmo sem qualquer necessidade, como agora, e para tirar dinheiro de circulação, vende ao mercado os títulos públicos que traz em sua carteira, tornados atrativos pela maior promessa de rendimento.
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Isso antes que o Banco Central, Instituição tipicamente de Estado possa ter decretada sua independência total do governo eleito, transformando-se
em empresa pública, regida pelo direito e mentalidade privados, para ocupar o papel de um 4° poder da República: o Poder argentário da
Plutocracia, como o deseja a PEC 65, que tramita no Senado, com o objetivo claro de impedir a participação de parcela majoritária da população dos
resultados de seus esforços e seu trabalho.
quarta-feira, 4 de junho de 2025
Elementos e argumentos que demonstram o equívoco que é a PEC 65 de captura do Banco Central por interesses financeiros
Texto base da entrevista concedida na data de 03/06 ao site Da Prática Política, tratando e enumerando os inúmeros problemas contidos na Proposta de Emenda Constitucional que tramita no Senado, mais precisamente na Comissão de Constituição e Justiça, e os prejuízos decorrentes de possível aprovação naquele colegiado para o corpo funcional do Banco; o funcionamento e cumprimento das atribuições do BC; o governo federal democraticamente eleito; a elaboração e implementação de políticas públicas, principalmente econômico-sociais; para a economia nacional, a sociedade como um todo e para a democracia em nosso país.
O texto segue uma estrutura distinta dos demais textos aqui publicados, por estes motivos.
“Dêem-me o controle do dinheiro de uma Nação e não me interessa quem faça as suas leis.” Nathan Rothschild
Aspectos ligados à legislação
-Lei complementar 4595: instituiu SFN, CMN, BC
Criou Plano de Saúde
Vinculação entre BC e CMN
- Lei complementar 179 – definiu objetivos fundamental (assegurar estabilidade de preços) do Banco, e complementares (estabilidade do sistema, flutuações nível de atividade, pleno emprego
Definiu como Autarquia especial, não vinculada a Ministério hierarquicamente ou tutela.
concedeu autonomia ao Banco – art. 6: pela autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira, pela investidura a termo de seus dirigentes e pela estabilidade durante seus mandatos,
- Questionamento da constitucionalidade em razão de vício de origem.
- Comparação internacional inadequada: institucionalidade de cada país é própria e diferenciada. EP tem definição e atribuições distintas. Ex: não fiscalizam; controle de câmbio; gestão de ativos.
- BC entidade típica de Estado com exercício de papel regulador e monopólio ou exclusividade de gestão e controle da liquidez.
- EP traz mais uma fratura na estrutura da CF; engessa estrutura na CF, dificultando evolução no tempo.
- EP retira força e autonomia operacional: pode ter poderes de polícia, regulação, supervisão e saneamento?
- Perda das prerrogativas de órgão do setor público, e demandas na condição de fazenda pública, possibilidades recursais em caso de contencioso.
- LCs poderão desmembrar funções, unidades administrativas, desestatização: transferência para setor privado de funções típicas da AM; concessões, etc.
Riscos para a segurança do sistema e suas instituições (concorrência) e sociedade.
- Futuro das regionais e a alocação de funcionários.
- Privatização de setores pode vir a fragilizar o corpo de funcionários e dispensa concurso.
- Possibilidade de indicação de indicações técnicas e políticas, afetando a autonomia.
Aspectos ligados ao corpo funcional
- Estabilidade do RJU; dispensa apenas com devido processo legal e amplo direito de defesa. Sujeita-se à possibilidade de demissão por necessidade de resultado operacional e condições econômicas.
- Como está prevê que os ativos poderão optar por congênere ou ficar no banco, cuja estrutura de pessoal será definida em lei posterior.
- abre a oportunidade para assédio moral. Não demite, mas pressiona.
- constatada necessidade de corpo mais enxuto, tempo de adaptação do pessoal pode ser muito reduzido: demissão branca.
- investidura dos ativos sem concurso público em carreira ou cargo congênere.
- até que momento o deslocamento poderia ocorrer ou voltar a ocorrer, já aberta a porta? Possibilidade de PDV.
- surgiria a questão de contribuição previdenciária: O Banco assumiria os custos junto ao INSS compensando os valores dos anos não retidos? A previdência pública?
- quem vai bancar o FGTS para os ativos mesmo no início, caso tenha pressões por demissão voluntária? Como será calculado?
Corpo funcional e atividades:
- o funcionário estável pode agir com completa autonomia, não respeitando ordens superiores que considerar injustas, ilegais ou prejudiciais.
- Fiscalização não submetida a pressões.
Aposentados: congênere sem qualquer esclarecimento adicional
Aspectos ligados a governança (e seus problemas)
- Governo eleito democraticamente define PPGA, que o Congresso aprova e define a política macro geral e micro para serem seguidas por outros órgãos
- LDOs devem ser consistentes e coerentes com Metas do PPGA
- Risco de BC não estar integrado ao Planejamento estratégico. Política monetária divergente da polítia macro. Conflito de resultados.
- CMN define metas de inflação, que o Banco deve procurar atingir, com liberdade operacional. Problemas: ruptura do BC com governo: conflito de decisão independente dos juros com risco de estabilidade via fragilidade financeira; nível de atividade e pleno emprego.
- BC é 1/3 do voto do CMN e atua como secretaria executiva.
- Fiscalização pelo Congresso – quem fixa objetivos não acompanha, controla ou fiscaliza
- em situações de urgência – ação do BC sem consistência com ações do governo, e do CMN.
- Congresso poderá acompanhar, definir sem conhecimento especializado e tempestivamente?
- Contraria a previsão de fiscalização enquanto a ação está sendo adotada. Qual a importância de fiscalização posterior apenas para registro histórico?
Risco de independência do Congresso – BC como 4º poder, tecnocrata ( de acordo com motivos de 1920 e 1922, de retirar dos políticos as decisões sobre questões econômicas nada técnicas).
- PEC e autonomia orçamentária
- Fora do OGU o BC teria praticamente independência, sem ter sido eleito democraticamente para isso.
- Realizados gastos iniciais da transformação, há previsão de economizar 6 bilhões de seu custeio, liberando esse valor para o OGU.
- Orçamento consolidado do governo tem passivo de dívida pública no Tesouro e ativos de títulos da dívida – de mesmo valor no BC. Logo, contabilmente se compensam e não têm impactos senão na Dívida Pública.
- Receita por senhoriagem: juros dos títulos da dívida que o BC é o responsável por gerir, para fazer política monetária.
- Esta receita está vinculada ao patamar dos juros. O BC pode vir a fixar juros para aumentar seus recursos, alegando necessidade de controle inflacionário para metas muito rígidas e fora da realidade de economia em desenvolvimento como o Brasil
O projeto partiu da Diretoria, mais especificamente, Roberto Campos Neto. De sua assessoria, saíram e têm saído propostas de legislação de regulamentação da PEC, sem qualquer debate ou apresentação aos funcionários.
- Aposentados excluídos de participar de eventos em que a Diretoria apresenta seu apoio à PEC.
- 74,5% dos filiados ao Sinal, única entidade com direito legal de representação dos servidores e registro. 51% dos ativos.
- Não houve consulta e debates com o corpo funcional.
- Diretoria vendeu possibilidade de extrapolar teto de gastos e remuneração ao corpo funcional.
- Leis complementares já em desenvolvimento.
- Para aumentar juros, o BC alega risco de instabilidade em razão de risco fiscal.
Não há risco de crédito para quem emite passivos na moeda que emite.
Risco de carregamento existe, desde que taxas de juros positivas. Longo prazo mais elevados que curto prazo.
Governo pode solicitar recursos dos lucros de operações com as reservas cambiais.
- Ao aumentar juros, amplia o gasto do Governo, comprimindo a possibilidade de o governo bancar as despesas obrigatórias e, principalmente as discricionárias, como investimento em infraestrutura. Transfere renda para detentores do público, e promove um programa de austeridade típico de austericídio.
- Tem poder legal de fiscalizar fintechs e cripto.
- Receita de operações cambiais e quaisquer outras de resultado das atividades do BC devem ser repassadas ao Tesouro.
- Dinheiro é criação do Estado escolhido pela sociedade para organizar a vida social, o que exige gastos. O Estado cria dinheiro e entrega à população para que ela pague os impostos. O Estado não precisa de cobrar impostos para gastar, basta emitir.
- Tanto o dinheiro emitido não é, nem pode ser apropriado pelo Banco como se fosse seu, para financiar seus custos, nem as reservas cambiais, que são do governo que as adquire, quando credita o correspondente em nossa moeda, internamente, aos exportadores e aos proprietários dos influxos.
- Juros ampliam a desigualdade social e concentram renda.
- Papel do BC e das metas inflacionárias, dos juros e seu papel na inflação, na valorização cambial, na desindustrialização, etc. deveriam ser debatidos por toda a sociedade.
Não são decisões técnicas. São decisões de vontade dos decisores, capturados.
sexta-feira, 30 de maio de 2025
A privatização do Banco Central é o objetivo de Galípolo?
Artigo publicado originalmente no site Brasil247. Link:https://www.brasil247.com/blog/a-privatizacao-do-banco-central-e-o-objetivo-de-galipolo
Deve-se à Lei 4595, de 1964, a instituição do Sistema Financeiro Nacional e a criação dos órgãos e entidades integrantes de seus dois subsistemas - um de caráter normativo e outro de atividades de intermediação – submetidos às normas operacionais e rotinas de funcionamento definidas para o sistema.
Essa Lei foi a responsável pela criação do Banco Central, sob a forma de Autarquia Federal de natureza especial subordinada ao Ministério da Fazenda, para ser o agente executivo das decisões do recém criado Conselho Monetário Nacional, órgão de caráter deliberativo. Além entre suas atribuições incluíam-se: a emissão do meio circulante, de acordo com a autorização do CMN; autorizar o funcionamento, fiscalizar e até punir as instituições, de caráter privado, responsáveis pelas atividades de intermediação financeira.
Antecipando o processo de transformação do papel do Estado ocorrido nos anos 90 e inspirado pelos ventos do neoliberalismo, que resultou em uma política de desestatização da prestação dos serviços públicos, a origem do Banco Central sob a modalidade de Autarquia de natureza especial, confere a ele perfil análogo ao das agências reguladoras - autonomia administrativa, financeira e patrimonial; mandatos fixos para os dirigentes; além da atuação equidistante e isenta em relação aos interesses dos usuários que são toda a sociedade e a economia, e os agentes regulados.
Tarefa que torna-se, no caso do Banco, cada vez mais submetida às pressões não do Estado, mas dos agentes ávidos a ampliarem sua renda pela transferência de renda e prejuízos que impõem, parasitariamente, ao conjunto de usuários economicamente fragilizados, em razão da posição privilegiada de que são detentores, os rent seeking.
É este papel de órgão regulador que permite analisar o Banco Central pela ótica da teoria da captura do regulado, situação que ocorre quando os interesses dos regulados acabam influenciando e sendo decisivos para que as ações dos reguladores sejam favoráveis aos seus interesses em prejuízo dos interesses de todo o público.
Em geral, a captura justifica-se a partir da forma de seleção dos indicados aos cargos de direção, com mandato, dos órgãos reguladores. Afinal, alega-se que, sendo o setor regulado caracterizado por uma série de atividades de ampla especialização e complexidade, seria recomendável que a seleção recaísse sobre um especialista, dono de larga experiência de trabalho em várias áreas de negócios do setor. A crença é a de que, o conhecimento acumulado (learning by doing) e o domínio da forma raciocínio de seus colegas permitiria criar mecanismos de controle e fiscalização mais eficientes.
Pensamento que ignora o óbvio: sem saber quem é o bandido para impedi-lo de agir, e se alguma diligência e qual será atacada, o mocinho estará sempre perseguindo o criminoso, depois do crime já praticado.
Junta-se a isso a hipótese da porta giratória: se o profissional por suas qualidades foi indicado para a direção do órgão regulador, findo o seu mandato e passado o período necessariamente limitado de quarentena, seu currículo e todo o conhecimento que acumulou o qualificam para ser convidado para ocupar cargo de projeção em qualquer instituição do setor. Inclusive pelo domínio das informações estratégicas de que teve ciência enquanto dirigente com mandato.
Cumpre-se, assim, o círculo: por ser qualificado e experiente, veio do setor para o órgão regulador, para onde voltará por estar ainda mais qualificado. De fato, seria um desperdício que ele tivesse que enviar currículos e ser contratado por setor em que não tivesse qualquer conhecimento, exceto o seu networking.
Se tomarmos o Banco Central como exemplo, não admira que vários presidentes da instituição vieram do mercado financeiro e que, a cada dia, aumenta o número de seus diretores que retornam para aquele mercado. Onde vão gozar o prêmio das delícias de terem tomado decisões que sempre procuraram evitar que os agentes do setor ficassem em situação de fragilidade e risco. Risco, aliás, que não deveriam adotar, por ter como uma de suas atribuições zelar pela solvabilidade do sistema financeiro.
Galípolo não é o primeiro, nem será o último. Profissional de formação reconhecida, sempre conviveu com as várias correntes do pensamento econômico e seus representantes, sempre interessado em aprender e expandir sua rede de relações. O que lhe valeu ser reconhecido como tendo uma posição heterodoxa moderada, longe da adoção de uma posição ideológica mais nítida. Sem ser um liberal, viu uma janela de oportunidade no processo de desestatização das vagas neoliberais.
Esforçado e inteligente, especializou-se em estudar o tema das parcerias público-privadas e notabilizou-se pela participação em processos de privatização da CEDAE, enquanto ocupava a presidência do Banco Fator.
Dado seu perfil “fora da caixa”, fez parte de governos de várias tendências e partidos. É um bom e competente quadro, e por isso, Haddad o convidou para o Ministério da Fazenda e o indicou a Lula. O que o tem poupado de críticas públicas, especialmente quanto à política de juros que vem comandando.
O que nos leva a um ponto crucial: se não é o perfil de Galípolo a defesa de posições econômicas de perfil mais ortodoxos; se sabe que a elevação dos juros é incapaz de debelar uma inflação que não é de escassez de oferta de produtos por elevação de demanda e gastos de consumo; se sabe dos impactos de juros elevados nos fluxos de entrada de dólares e a consequente apreciação do real; se tem conhecimento de como a apreciação do real alimentou o processo de desindustrialização quase fatal para nosso desenvolvimento autônomo e nosso desenvolvimento científico e tecnológico; e se tem a informação do quanto a política de juros concentra renda na mão dos grupos de renda mais favorecidos, o que o faz seguir dando declarações de manutenção da Selic, em eventos que o coloca sempre em contato com banqueiros, agentes do mercado financeiro e grandes empresários? O que o faz se dobrar à pressão da mídia, sempre parceira dos interesses de seus clientes e patrocinadores?
O que o faz manifestar contrariedade com políticas voltadas para a preservação, ainda que menos indicada, de equilíbrio fiscal como o fez com a elevação do IOF, um imposto regulatório, da mesma regulação quanto ao órgão que dirige? Imposto que pode sim restringir o crédito, e a demanda em alternativa aos juros?
Porque ignora que a economia dá sinais de arrefecimento do nível de atividade e a inflação começa a dar sinais de desaceleração? Por que essa ameaça aos outros mandatos do Banco que dirige – estabilidade da economia e manutenção do nível de emprego não são parte de sua preocupação?
E, afinal, em meio a tudo isso, qual a razão de: antes de discutir no CMN a alteração da meta de inflação, completamente irreal para uma economia indexada e em desenvolvimento – eterno? Ou antes de discutir a mensuração da inflação por um índice que não seja influenciado por elevações de preços de produtos sujeitos a fatores atípicos e alheios ao nosso controle (a chamada core inflation), porque prefere dedicar sua atenção, e até defender a aprovação, da indecorosa proposta que afasta o Banco Central cada vez mais do governo e o joga nos braços, sem amparo e proteção, do Sistema Financeiro?
A PEC 65 é a antessala da privatização do Banco Central. A transformação do Banco em Empresa Pública não assegura nem acesso a maior quantidade de recursos orçamentários e financeiros, nem de melhores recursos humanos. Abre sim, a possibilidade de dispensa dos contratados concursados, substituídos por profissionais indicados pela maior experiência e maior conhecimento dos produtos e interesses do mercado financeiro?
A quem serve a retirada do status de profissional estável e zeloso da fiscalização que executa junto aos agentes tutelados? A quem serve fragilizar a condição de órgão tipicamente de Estado que o Banco Central possui hoje? A quem interessa alterar profundamente a Constituição, nesse momento, para que no futuro, legislações infraconstitucionais, de processo mais fácil de aprovação possam retalhar e privatizar as atividades passíveis de geração de lucro do Banco Central?
Não aos 74% de funcionários do Banco que se manifestaram veementemente contra a PEC 65! Não à economia brasileira e aos seus setores produtivos? Não à sociedade?
Aos banqueiros e agentes financeiros? Aos capitais externos a eles associados?
A serviço de que interesses está esta malfadada PEC 65?
quinta-feira, 22 de maio de 2025
Manifesto contra a PEC 65
Este texto é exatamente o mesmo já publicado nos sites brasi247 (https://www.brasil247.com/blog/manifesto-contra-a-pec-65-ov7regcb) e ggn (https://jornalggn.com.br/congresso/manifesto-contra-a-pec-65-por-paulo-cesar-machado-feitosa/).
Dada a importância do assunto e ter sido publicado por sites tão importantes em nossa luta pela manutenção da democracia no Brasil, achei que devia publicá-lo também em meu próprio blog.
Eis o texto. Espero que apreciem e divulguem. A sociedade brasileira precisa dessa sua ajuda.
Foi a Lei Complementar 4595 de 1965 que instituiu e regulou o Sistema Financeiro Nacional e o conjunto de instituições que o integram, como o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil. Novamente foi uma segunda Lei Complementar, a LC 179 de 2021, que concedeu ao Banco Central sua autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira, mantida sua natureza de Autarquia de natureza especial sem vinculação de tutela ou subordinação hierárquica a Ministério.
Ressalta-se a importância da LC 179, que definiu o objetivo fundamental do Banco Central de assegurar a estabilidade de preços, ao lado de outros objetivos secundários como zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego.
Para cumprir seu mandato, a LC estabelece que compete ao Banco Central conduzir a política monetária necessária ao cumprimento das metas de política monetária estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, colegiado de que o Banco Central faz parte com direito a um voto entre três. Por outro lado, visando concretizar a autonomia do Banco, a LC estabeleceu o mandato fixo e não coincidente dos membros indicados para sua Diretoria Colegiada, inclusive seu presidente.
Assim, uma leitura atenta da Lei 179 revela a preocupação do legislador em fornecer as condições e os instrumentos para que o Banco Central pudesse proporcionar, no futuro, a alta qualidade de serviços financeiros que vem prestando à sociedade no presente e que se orgulha de ter fornecido no passado, e que lhe assegura o reconhecimento de mérito por todo o corpo social.
Assim, e ciente da prodigalidade de alterações juridicas e constitucionais características de nossa evolução institucional, política e social, uma pergunta salta imediatamente em nossos espíritos, corações e mentes: qual a necessidade da proposta de uma Emenda Constitucional, especificamente a PEC 65, para abordar temas tratados cuidadosa e eficientemente ao longo de nossa história, por legislação infraconstitucional?
Por quê se introduzir uma cunha a cindir o texto de nossa Lei Maior, fragilizando sua integridade e contornando a intenção do parlamentar constituinte, que sob o título da Ordem Econômica e Financeira determinou, em seu art. 192, a regulação do Sistema Financeiro por meio de Lei Complementar?
Sabendo que a promoção de alteração de preceito constitucional, por exigir quorum qualificado nas duas casas legislativas, é de extrema complexidade, por que a preocupação, nessa hora, de dar curso a uma ruptura desse texto? Trata-se apenas do oportunismo de contar com um Legislativo dominado por forças da oposição, ou que cada vez se sente mais poderoso para avançar sobre prerrogativas e direitos de outros poderes, de forma indevida, como se dá na participação crescente na execução da peça orçamentária, via Emendas?
Pior é a sensação de que, a partir dessa primeira dúvida, arromba-se a porta da insensatez e outras perguntas insistam em vir à tona: se a PEC 65 que se pretende aprovar visa assegurar autonomia financeira e orçamentária ao Banco Central – permitindo a um boeing não ter oçamento de um teco-teco – por quê não exigir o cumprimento, e fiscalizar como compete ao Legislativo, que o Executivo adote as medidas necessárias para que o art. 6° da LC 179 se torne realidade? Para isso, bastaria exigir que o Banco Central tivesse orçamento próprio definido e executado sem se sujeitar às injunções orçamentárias que afetam, como os contigenciamentos, todo o OGU – Orçamento Geral da União.
Por quê não permitir que o Orçamento do Banco lhe permita ter tratamento semelhante ao de outros Poderes, ou de outros órgãos como a Procuradoria Geral, a Advocacia Geral ou a Defensoria Geral da União? Todos órgãos cujo orçamento negociado com o Executivo é recepcionado pelo OGU.
Para que a Autoridade Monetária assegure os recursos necessários ao desenvolvimento de tantas funcionalidades na área dos meios de pagamentos; regulações e controles na área da regulação e da fiscalização que assegurem a estabilidade e saúde do Sistema Financeiro, por que não se criar uma taxa de fiscalização que incida sobre os entes regulados? Taxa de fiscalização que entraria direto no caixa do Banco Central.
Esta receita, junto a outros mecanismos, trariam a tranquilidade ao Banco para dar sequência à evolução de funcionalidades como o PIX, a moeda digital DREX, desenvolvidos apesar das limitações orçamentárias sempre citadas.
A verdade é que a PEC 65 não visa a promover maiores recursos à disposição do Banco, muito menos ampliar a atratividade do Banco na disputa pelos mais qualificados, adequados e adaptados profissionais no mercado.
O objetivo da PEC é destruir a essência de instituição tipicamente de Estado mantida pelo Banco, dotado da competência exclusiva de emissão da moeda, em nome da União, o que envolve o controle da liquidez e o exercício das políticas relacionadas a esse encargo, como monetária, a creditícia e a cambial.
Que outra razão justificaria a transformação do Banco em Empresa Pública, sob a órbita do Direito Privado, ainda que de natureza especial? Qual a motivação para transformar servidores públicos, regidos hoje pelo Regime Jurídico Único – RJU, em trabalhadores do regime privado da CLT?
As promessas de que, como empresa pública, o Banco não estaria submetido ao OGU; seus funcionários não estariam mais sujeitos ao RJU e poderiam ter remunerações de mercado, superiores ao teto do funcionalismo, são apenas promessas vãs. Ouro de tolo!
Tornar-se empresa amplia a distância entre o Banco e as propostas em benefício da sociedade, que levaram à escolha democrática do governo eleito. O resultado é deixar a instituição típica de estado, orfã! Pior, sob a influência dos interesses dos agentes a que ela deve regular. Abre oportunidade, não desprezível, para a manifestação da teoria da captura do regulador pelo regulado, de forma mais escancarada daquela que já ocorre hoje, como reconhecido por alguns parlamentares.
Quanto aos funcionários, a possibilidade de serem dispensados e seus cargos ocupados por apadrinhados dos setores financeiros privados, não poderia ser afastada. Independente dessa incerteza, estariam prejudicadas a falta de garantia e estabilidade que permite ao servidor público não se curvar a interesses escusos e a propostas de vantagens muito maiores.
Em suma, a PEC 65 apenas dá força a que a política de juros adotada pela Autoridade Monetária permaneça em níveis pornográficos, capazes de elevar os rendimentos dos títulos mantidos em posse dos magnatas das finanças, contribuindo para promover a sequência da mais perversa distribuição de renda no país; elevando a carga de endividamento público e implodindo qualquer proposta governamental de responsabilidade fiscal. Finalmente, desestimulando o investimento gerador de empregos e de crescimento da nossa economia.
Por tudo isso: 74% dos funcionários do Banco, entre ativos e aposentados, auditores e técnicos manifestaram-se contra a PEC 65 com um rotundo e sonoro não.
PEC 65 NÃO!
sexta-feira, 21 de março de 2025
Mais uma elevação de juros. Necessária? Exorbitante? Para derrubar a inflação? Quais os efeitos colaterais dos juros altos?
Link: https://youtu.be/C3A4n_UkTHI
Em seu livro mais conhecido, de 1936, Keynes afirmou que o empresário capitalista caracterizava-se por ser dotado de “animal spirits”, cuja
definição na internet é uma disposição ou intuição que o capitalista forma com base em seu estado de confiança e que oleva a agir. Na guerra pela
sobrevivência no mercado, sempre atribuí à expressão a ideia do espirito irracional do animal que se lança ao ataque, em busca do alimento ou como
comportamento de defesa.
Concordando com Keynes, acho que o ambiente econômico caracteriza-se por ser dominado por incertezas, o que leva as decisões de prazo mais longo a serem tomadas com base em expectativas incertas, meros palpites. O mesmo vale para as decisões de curto prazo, mas com menos efeitos inesperados.
***
Pior, no espaço social estas expectativas incertas dão origem à tomada de decisões cruciais, aquelas que modificam definitivamente e conformam o
espaço da atuação futura dos agentes decisores, criando realidades que impedem o arrependimento e o retorno à situação original. Nesse ambiente,
as decisões tomadas por um agente específico - por exemplo, construir uma fábrica - acabam tendo resultados afetados pelas atitudes e
comportamentos das decisões de outros agentes, e esta interação de decisões podem reforçar, se contrapor, até anular os efeitos esperados de
qualquer uma delas. A título de ilustração, ocorre-me a decisão de um investidor montar uma fábrica de carruagens, na mesma localidade em que
Henry Ford instalava sua linha de montagem.
Independente de tal situação, o empresário passa a imagem de um louco ou visionário. Pode se decidir a produzir um tipo de produto muito desejado
pelos consumidores, que pouco depois poderão abandonar o produto por questões de saúde, de mudança de hábitos sociais, por outros concorrentes novos e de maior qualidade.
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Sempre apontei esse lado meio insano do empresário que, como dizia Smith, começa antecipando capital, ou seja, gastando recursos para erguer uma
fábrica (compra de terrenos, despesas com a construção civil de instalações), gasta na compra de equipamentos e de matérias primas ou insumos, na
contratação da força de trabalho, na compra de energia para que a máquina possa gerar dada quantidade de produtos que levará ao mercado (gastos
de transportes) para eventual venda aos consumidores (gastos de comercialização, lojas, publicidade e até as despesas com financiamento de parcela
de seus fregueses, o que deve incluir provisões para perdas). Mas não é só, não falamos ainda dos custos de seguros, do recolhimento de impostos,
com o serviço de contabilidade e até da dor de cabeça com a visita de fiscais.
Tudo para os consumidoresao final, poderem não adquirir a quantidade projetada pelo empresáro, resultando em que ele antecipou recursos que não irão dar retorno, ou com retornos menores que os esperados. Daí a dificuldade de o empresário ter condições de bancar seu negócio com recursos próprios, o que o leva a solicitar finaciamentos tanto para inversões quanto depois, para capital de giro. O que custa dinheiro. Juros. Visando obter lucros, no caso de êxito, de 10, 12, talvez 15% ao ano.
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É neste ambiente, que o COPOM -colegiado dos diretores do Banco Central- a quem compete definir a taxa de juros básica da economia decidiu elevar,
na reunião de ontem, os juros para 14,25% ao ano. Terceira elevação, novamente de 1% conforme prometido em dezembro, o que significa que, desde
aquela data, a Selic já aumentou 25% em relação ao patamar que ela estava de 11,25%..
Comparando este aumento de 25% à inflação do mesmo trimestre de 2%, ou à inflação acumulada de 12 meses de fevereiro, de 5,06%, pode-se concluir
da existência de alguma incoerência gritante, entre pretensa doença e a dose do remédio adotado.
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Voltando ao empresário, nenhuma aplicação de renda fixa, que pague 1,3 do CDI (taxa média de juros para empréstimos entre as instituições
financeiras, agora, em 14,15%) vai render menos que os 15% de sua rentabilidade esperada e incerta. E, mesmo sendo um animal irracional, ele será
tentado a aplicar seus recursos no mercado financeiro, paralisando ou vendendo sua empresa, ou reduzindo o nível de produção, emprego, bem como diminuindo o nível de problemas e riscos com que se defronta.
Cai a produção, emprego e renda; cai o consumo, o investimento; cai a arrecadação do governo; cai o PIB, o que já promove a elevação do índice
Dívida Pública/PIB. Menor arrecadação eleva o déficit primário do governo e a insatisfação popular; eleva a pressão dos mercados financeiros e da
mídia, o que pode gerar até queda de autoridades. Seria isso um golpe em andamento? Dado pelo BC autônomo e que o mercado quer independente – DO GOVERNO - se prosperar a PEC 65, que privatiza o Banco Central?
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E em relação à inflação? Em minha opinião deverá subir, o que vai alimentar a falácia teórica de que estamos em dominância fiscal que é quando os
juros não conseguem mais cumprir seu papel de derrubar os preços, dada a situação de "gastança da máquina pública e a continuidade dos déficits".
Na verdade, os juros maiores elevam os custos financeiros de todo o setor empresarial. Como um dominó, sobem os custos de toda a cadeia de
produção, transportes e comercialização da indústria e serviços do país. Repassados para os preços, e dada a enorme indexação de nossa economia,
tudo acaba capturado pelos índices de preços, que serão usados para correção de salários, preços de aluguéis, câmbio e produtos em geral. Os juros
elevados são os principais elementos realimentadores da inflação.
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Juros pornográficos alimentam, no entanto, os rendimentos dos títulos públicos, na mão dos grandes bancos, grandes agentes financeiros, grandes
empresários com geração própria de caixa, grandes fortunas individuais. Talvez os 141 mil cidadãos a que o governo se propõe agora a tributar, e
que o Congresso já deu sinais de discordância.
Aplicações no mercado financeiro, para famílias de classe média mais alta, acabam trazendo perdas, caso tenham que vender os títulos. Ocorre que o
preço dos títulos cai com a elevação dos juros. O raciocínio é simples: se um título que custou 100 paga juros fixos de 10% ou 10 reais em um ano,
com juros maiores, de 20%, eu teria o mesmo rendimento de 10 reais com um título de 50. Logo, se precisar vender sua carteira de títulos, haverá
perda.
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Conclusão: só se beneficiam os grandes interesses financeiros, aqueles que parecem trazer o Banco Central como refém. O que torna o Banco Central
um dos principais agentes do processo de distribuição desigual, iníqua, injusta e vergonhosa da renda em nosso país.
Pornográfica mesmo.
É isso.
quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025
A experiência do regime de metas e metas contínuas: críticas. E a popularidade de Lula
link do youtube: https://youtu.be/_FcxC_8nI7E
Em 2024 a inflação brasileira atingiu 4,83%, ultrapassando a meta fixada em 3% para todo o ano e, inclusive, o limite superior de 4,5%, soma da meta mais o intervalo de tolerância admitido, de 1,5%.
Criado em 1999, o regime de metas de inflação atribui ao CMN a definição da meta e o intervalo de confiança para um dado período de tempo (o ano calendário). Esta meta passa a ser o alvo que o Banco Central deverá perseguir, usando os instrumentos de política monetária que compõem o arsenal a sua disposição. Por ser uma expectativa, ou esperança, a meta pode não ser cumprida, podendo ser afetada por eventos inesperados, impossíveis de serem antecipados e controlados, com que a realidade se impõe aos nossos desejos, razão de se definir um intervalo de tolerância.
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No site do Banco Central o regime de metas é apresentado como um mecanismo exitoso para a manutenção da inflação em níveis relativamente baixos, apesar de várias críticas que têm sido feitas à própria meta ou ao seu alcance.
As críticas abrangem o fato de que a inflação superou o limite superior da meta (mais a tolerância) em pelo menos 8 anos desde 2001, inclusive no último ano. E isso sem considerar que a meta foi fixada em valores elevados nos primeiros anos de sua vigência : 8% em 1999 e 6% o ano seguinte, ambos com um intervalo de 2%. E também sabendo que em 2003 e 2004 as metas dadas foram alteradas para maior. Ou ainda que, enquanto a meta média de todo o período até 2024 foi de 4,356 (4,625% com a alteração citada), a média da inflação foi de 6,3, acima da meta, para um crescimento médio do PIB de irrisórios 2,18%.
Pior: apenas em 1 ano a inflação ficou abaixo de 3% (2,95% em 2017), ou próxima a esse número mágico em 2 anos: 3,14 em 2006 e 3,75 em 2018.
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No site do Banco, afirma-se que o regime ajudou ao processo de ancoragem das expectativas de inflação, sendo utilizado pelas pessoas e empresários, como referência de “inflação prospectiva” e ampliando a previsibilidade dos agentes econômicos.
No entanto, nos países mais ricos, o regime sofre outra crítica, a de a autoridade monetária ser dotada com apenas um instrumento exclusivo de política: a manipulação da taxa básica de juros da economia, em nosso caso a Selic. Crítica dirigida mais à formulação da teoria econômica que fundamenta o modelo de metas, que compreende a inflação como fenômeno unicausal, dependente da variável da demanda agregada -, atrelada ao debate de o uso das taxas de juros ser recomendado apenas aos fenômenos inflacionários provocados por excesso de demanda.
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Outras causalidades possíveis, provocadas por outras variáveis - estrangulamento da oferta, inflação de custos, inflação inercial –, indicam a ineficácia da manipulação da taxa de juros cujo impacto afeta principalmente os gastos totais do governo, o déficit nominal e a dívida pública bruta, já que o pagamento de juros é um importante item de despesa financeira e total do governo.
Tem também um impacto sobre os fluxos de capital, em especial os influxos, como nos anos de 2005 a 2007 quando, ao provocar a valorização de nossa moeda, levou a uma corrida às importações e reforçando o processo de desindustrialização cujos efeitos são visíveis até nossos dias. Sem contar o impacto sobre a distribuição de renda e os ganhos privilegiados dos rentistas do mercado financeiro. Ou ainda pior: provocar recessão para reduzir a inflação, eliminando qualquer nível razoável de atividade econômica. Caso típico da aplicação do remédio que cura a febre por matar o doente.
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Procurando acompanhar os países mais avançados, que promoveram mudanças visando aperfeiçoar o regime, o Brasil promoveu uma mudança fundamental em seu regime de metas: a partir deste ano de 2025, o sistema não fixa uma meta para o ano calendário. Fixada em 3% mais o intervalo de confiança pelo CMN a meta vale para o período de 12 meses, a cada mês. Ou seja, divulgada a inflação para o mês de fevereiro de 25, verifica-se a inflação acumulada nos 12 meses compreendidos entre março do ano anterior até fevereiro deste ano. Se a variação de preços no período for de 3% a meta foi alcançada.
Se a inflação acumulada superar a meta mais o limite de tolerância, o Banco Central deverá começar a adotar as medidas julgadas necessárias. Haverá estouro da meta quando a inflação romper o limite superior da meta ao longo de um prazo de 6 meses consecutivos. Nesse caso, o presidente do Banco deverá encaminhar carta pública ao ministro da Fazenda apontando as razões do estouro, as medidas que serão adotadas e prevendo um prazo para que a inflação retorne à meta.
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Este sistema de meta contínua é que levou o BC a prever um estouro da meta para os próximos 6 meses, com a inflação atingindo 5,2%, e uma previsão de 4% para o 3° trimestre do ano.
O rigor imposto pela nova sistemática, agravando um problema já identificado por economistas de várias tendências e escolas, motivou a divulgação de uma carta aberta ao CMN. Ali, a meta de 3% é criticada por este patamar estar se mostrando disfuncional. A ideia é que se há um consenso de que a estabilidade de preços não significa inflação zero, mas uma inflação suficientemente baixa, adotar um valor apenas para copiar o padrão de países mais desenvolvidos, não respeita as distinções entre as várias economias, inclusive quanto ao grau de rigidez que elas carregam. Deste ponto de vista, a economia brasileira padece de “resquícios de indexação formais e informais”, que permanecem como no caso dos alugueis residenciais ou das tarifas de serviços públicos, como energia, corrigidos pela inflação do IGP de 12 meses; ou dos reajustes salariais e benefícios sociais, atrelados ao INPC.
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Com vários conjuntos de preços rígidos para baixo ou indexados à inflação passada, representando uma parcela importante dos índices de preços, uma meta de inflação excessivamente baixa coloca uma pressão adicional sobre os setores cujos preços não apresentem essa rigidez. Daí a inflação de serviços e preços monitorados apresentarem maior resistência à queda, dificultando o alcance da meta. Essa a razão para que, sem criticar as bases do arcabouço adotado, a carta proponha elevar a meta para 4%, o que a tornaria mais factivel. Afinal, a inflação ficou em 3% ou abaixo desse valor em apenas 1 ano ao longo de todo o período de 25 anos, apenas às custas de elevado desemprego o que leva as previsões do próprio mercado a superarem os 3%.
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Para concluir, um breve pitaco sobre a queda da popularidade do presidente nas pesquisas, apesar dos bons índices de nossa economia, como a queda de desemprego (baseada em ocupações de qualidade discutível, elevada precariedade e produtividade aquém da necessária); expansão do PIB perto de 3,8%; melhoria dos rendimentos e retirada do país do mapa da fome.
Por óbvio, o povo não come PIB. Ao contrário, ele tem a informação de que a economia está crescendo, a produção de bens e serviços vem se ampliando. O que ele não vê na casa dele, onde a quantidade de alimentos, cada vez mais caros, é menor. Junto a isso, ele sente maior dificuldade de transporte e locomoção dado o preço das passagens, o aluguel mais caro, material escolar, lazer, até o preço do futebol mais caro.
Corretamente pensa que só ele, seus familiares e amigos, estão perdendo. Quem está ganhando? Os empresários, que já têm muito e ficam com mais. Na igreja, que ele sustenta com o dízimo, ouve críticas à gastança do governo, alimentada por tributos cada vez maiores. Ele percebe que os juros caros são seu maior inimigo e problema. Quem fixa os juros? O Banco Central, sempre disposto a acusar o governo de ser o responsável pelo aumento de preços e juros altos, em razão da gastança. Gastança com quem? Com os juros? Não. Com emendas secretas e corrupção.
Como continuar a crer que o candidato que ajudou a eleger está está preocupado com a vida miserável que ele está levando?
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025
Ainda a Ata do Copom: alguns conceitos subjacentes à decisão do COPOM
https://youtu.be/7ul810A084k
Alguns poucos leitores dos pitacos questionam alguns dos conceitos e raciocínios abordados nos temas aqui tratados. Por exemplo: o significado de produto potencial ou de pleno emprego ou a relação contraditória entre inflação e desemprego, base da ideia de que, o crescimento vigoroso da economia deve ser contido, para evitar a inflação.
Sob o risco de um didatismo enfadonho, um texto e apresentação mais longos, simplificadamente vou tentar esclarecer tais dúvidas. Peço, pois, paciência a todos.
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Vamos imaginar uma pessoa que produza 25 unidades de um produto, por dia, a cada dia, para levar à venda pelo preço do produto nas lojas, de 20 pitacas. Com isso, obtém uma receita diária de 500 pitacas, com que ele pode comprar bens de que ele necessita e não produz. Ou seja, o que ele produz e oferece no mercado permite a ele poder adquirir o conjunto de bens de que necessita. Sua oferta individual de 500 pitacas determina o nível de sua demanda ou gastos de 500. Se algum dia, produzir as 25 unidades e quiser reservar 2 unidades para seu consumo restarão a ele 23 unidades, que lhe trarão 460 pitacas de receita.
Nesse exemplo: sua oferta continuou sendo de 25 unidades ou 500 pitacas, para atender à demanda de 500 pitacas, dividida em 2 unidades no valor de 40 pitacas e 23 produtos para outros consumidores, no valor de 460 pitacas.
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Se viesse a pegar um resfriado e precisasse de comprar um medicamento no valor de 100, teria que fazer maior esforço de produção, produzindo e vendendo, além das 25 unidades, outras 5, que lhe renderiam as 100 pitacas adicionais para o remédio. Poderia produzir mais, trabalhando mais algumas horas, além de sua jornada diária.
Comportamento semelhante, de sacrifício de seu descanso, deveria ser adotado caso quisesse comprar um equipamento que permitiria que ele
aumentasse sua produtividade, produzindo um total de 80 unidades e obtendo 1600 pitacas, no mesmo tempo de trabalho
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Se sua Oferta pessoal seria sempre de valor igual, indicando sempre o quanto teria para gastar, concluiríamos que sua O = sua D. Se isso é verdadeiro para todas os produtores da comunidade, poderíamos afirmar que a oferta agregada OA de todos os indivíduos será igual ao valor da demanda agregada, de todos DA. Como mostramos, para comprar um equipamento que iria permitir a ele crescer e produzir mais, ele teria que fazer um sacrifício, logo, não seria lógico que, feito o sacrifício, ele não usasse seu equipamento pelo máximo de tempo possível. O que nos leva à situação de que, além de OA = DA, a OA estaria sempre em seu ponto de máximo uso, ou pleno emprego, princípio conhecido como Lei de Say.
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Esse raciocínio parte da premissa errada, de que o produtor sempre vai preocupar em ocupar toda sua capacidade, não considerando que para produzir terá de adquirir máquinas, matérias primas que serão objeto de trasformação e contratar trabalhadores, essa mercadoria especial, que será o real produtor. Ou seja: produzir implica em custos que o empresário deverá procurar recuperar ao fixar seu preço de venda, acrescentando ao custo total a parcela correspondente ao seu lucro.
Se produzir e oferecer maior quantidade que a demanda do mercado, não conseguirá cobrir todo seu custo e irá ter prejuízo. Isso faz com que suas expectativas em relação ao ambiente econômico futuro sejam determinantes para sua decisão de quanto produzir e de usar sua capacidade máxima ou deixar manter alguma ociosidade. Essa ideia constitui o princípio da Demanda Efetiva, de Keynes e de Kalecki: são os gastos que determinam o nível de Oferta Agregada de um país. Gastos esperados e incertos.
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Daí que o desemprego não apenas pode acontecer, como é algo normal e que não ocorre só de forma voluntária, indicando que o desempregado não é alguém folgado que deseja viver de auxílios sociais. E essa situação é mais comum quando se verifica que muitas empresas gigantescas, preferem trabalhar com apenas parcela de sua capacidade, criada para ficar como uma margem de segurança. Caso a demanda de mercado de seus produtos tenha elevação inesperada, elas estão na dianteira para aumentar a produção e atenderem os consumidores sem concorrentes.
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Outro conceito importante vem de uma pesquisa empírica cujos dados mostraram que toda vez que o desemprego está elevado, a inflação é pequena, dando-se o contrário, se o desemprego é menor, ideia por trás da curva de Phillips e versões mais sofisticadas desse raciocínio. A ideia é que um bom ambiente de negócios irá alimentar expectativas de demanda crescentes, levando a decisões empresariais de expansão da produção, e gerando mais emprego, pagamento de maiores salários, que irão alimentar mais consumo, realizando o que era apenas uma profecia. Mas, se a demanda aquecida superar a capacidade produtiva instalada, isso irá ocasionar o fenômeno da inflação. Logo, menor emprego, maior salário e maiores preços, na espiral salários – preços.
Situação que levou ao desenvolvimento do conceito de TAXA NATURAL DE DESEMPREGO, que seria uma taxa que indicaria o limite de queda que o nível de desemprego deveria atingir, para manter preços estabilizados. Nos EUA, por muito tempo, estudos empíricos e projeções estatísticas baseadas em modelos econométricos estabeleceram o patamar de 4%. Além de tais modelos estarem sujeitos a influências de distintos e variáveis fatores (o erro das equações), depois da crise de 2007-2009, a taxa natural caiu para o patamar de 3%, sem qualquer inflação.
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Essa foi a época de injeção maciça de dinheiro a rodo por parte do governo americano, para salvar os bancos e poderosos interesses financeiros da bancarrota. Parte importante desse dinheiro foi usado para transações com papeis e títulos.
Mas devemos ressaltar que, além da Lei de Say e da curva de Phillips, o conceito da espiral preços/salários, se baseis em várias outras hipóteses, todas sujeitas a críticas, como a de não existir ociosidade na economia; a de que ao receberem seus salários, todos correm, imediatamente, para realizar gastos; a de que os produtos mais caros ou os bens de capital não podem ser importados enquanto decisões de investimento e aumento da capacidade produtiva, estão em curso.
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Crítica maior é quanto ao próprio conceito de pleno emprego, fruto de convenções sociais e fatores institucionais, culturais, religiosos, e vários outros, subjetivos que afetam a produtividade dos operários, como a oscilação de humor às segundas feiras, em seguida a um jogo do Corínthians (comentário feito em palestra por um diretor de Relações Industriais da IBM). Afinal, qual o limite físico temporal da jornada de trabalho? 8 horas? 12? E qual o número de turnos devem ser considerados?
Qual a duração da jornada semanal, 6 x 1 ou aquela que tem todo nosso apoio, e pela qual brigamos, de 5 x 2? E quanto à questão da produtividade, considerada baixa no Brasil, em razão de escassa educação de qualidade e de ensino técnico voltado para o mercado de trabalho? Sem contar a heterogeneidade estrutural de nossa economia, em que convivem setores com tecnologia de ponta e elevada produtividade, junto a setores que servem de bolsões de trabalho de baixo grau de conhecimento incorporado e resultados muito baixos de produção, como em setores de pequenas atividades manufatureiras, ligados a pequenos empreendimentos, ou a prestadores de serviços pessoais ou precarizados com atuação nas plataformas digitais.
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Também as máquinas podem trabalhar sem as interrupções técnicas recomendadas para descanso, lubrificação, manutenção, por curtos períodos de tempo. E até mesmo a terra e as áreas cultiváveis podem sofrer alterações. Antes considerada infertil a região do cerrado tornou-se terra fértil e produtiva, em razão do PRODECER, parceria entre agricultores japoneses e nacionais que, nos anos 70 introduziram inovações técnicas e novas tecnologias de plantio de lavouras (corretivo de solos, adubação, etc.)
Logo, não há uma definição técnica, exclusiva, para o pleno emprego ou para sua mensuração, em razão de leis das ciências naturais. Mas, em ocasiões excepcionais e por curtos períodos de tempo, sabemos que as empresas sobreutilizam sua capacidade nominal.
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No Brasil, a taxa de desemprego recorde alcançada, de 6,6%, acende o sinal de alerta de uma proximidade perigosa dessa taxa natural, já criticada. Mas, ao que parece, é esse o raciocínio e argumento usado pelo COPOM que o leva a, mesmo com sinais incipientes e reconhecidos de retração da demanda, abandonar a cautela e, em lugar de adotar taxas de juros que permitam redução do nível de atividade mais gradual, dando tempo para acompanhar a evolução e efeitos de sua decisões, optar pela adoção de uma política agressiva de aumento dos juros, que só beneficia aos rentistas.
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