quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Ainda a Ata do Copom: alguns conceitos subjacentes à decisão do COPOM

https://youtu.be/7ul810A084k Alguns poucos leitores dos pitacos questionam alguns dos conceitos e raciocínios abordados nos temas aqui tratados. Por exemplo: o significado de produto potencial ou de pleno emprego ou a relação contraditória entre inflação e desemprego, base da ideia de que, o crescimento vigoroso da economia deve ser contido, para evitar a inflação. Sob o risco de um didatismo enfadonho, um texto e apresentação mais longos, simplificadamente vou tentar esclarecer tais dúvidas. Peço, pois, paciência a todos. *** Vamos imaginar uma pessoa que produza 25 unidades de um produto, por dia, a cada dia, para levar à venda pelo preço do produto nas lojas, de 20 pitacas. Com isso, obtém uma receita diária de 500 pitacas, com que ele pode comprar bens de que ele necessita e não produz. Ou seja, o que ele produz e oferece no mercado permite a ele poder adquirir o conjunto de bens de que necessita. Sua oferta individual de 500 pitacas determina o nível de sua demanda ou gastos de 500. Se algum dia, produzir as 25 unidades e quiser reservar 2 unidades para seu consumo restarão a ele 23 unidades, que lhe trarão 460 pitacas de receita. Nesse exemplo: sua oferta continuou sendo de 25 unidades ou 500 pitacas, para atender à demanda de 500 pitacas, dividida em 2 unidades no valor de 40 pitacas e 23 produtos para outros consumidores, no valor de 460 pitacas. *** Se viesse a pegar um resfriado e precisasse de comprar um medicamento no valor de 100, teria que fazer maior esforço de produção, produzindo e vendendo, além das 25 unidades, outras 5, que lhe renderiam as 100 pitacas adicionais para o remédio. Poderia produzir mais, trabalhando mais algumas horas, além de sua jornada diária. Comportamento semelhante, de sacrifício de seu descanso, deveria ser adotado caso quisesse comprar um equipamento que permitiria que ele aumentasse sua produtividade, produzindo um total de 80 unidades e obtendo 1600 pitacas, no mesmo tempo de trabalho *** Se sua Oferta pessoal seria sempre de valor igual, indicando sempre o quanto teria para gastar, concluiríamos que sua O = sua D. Se isso é verdadeiro para todas os produtores da comunidade, poderíamos afirmar que a oferta agregada OA de todos os indivíduos será igual ao valor da demanda agregada, de todos DA. Como mostramos, para comprar um equipamento que iria permitir a ele crescer e produzir mais, ele teria que fazer um sacrifício, logo, não seria lógico que, feito o sacrifício, ele não usasse seu equipamento pelo máximo de tempo possível. O que nos leva à situação de que, além de OA = DA, a OA estaria sempre em seu ponto de máximo uso, ou pleno emprego, princípio conhecido como Lei de Say. *** Esse raciocínio parte da premissa errada, de que o produtor sempre vai preocupar em ocupar toda sua capacidade, não considerando que para produzir terá de adquirir máquinas, matérias primas que serão objeto de trasformação e contratar trabalhadores, essa mercadoria especial, que será o real produtor. Ou seja: produzir implica em custos que o empresário deverá procurar recuperar ao fixar seu preço de venda, acrescentando ao custo total a parcela correspondente ao seu lucro. Se produzir e oferecer maior quantidade que a demanda do mercado, não conseguirá cobrir todo seu custo e irá ter prejuízo. Isso faz com que suas expectativas em relação ao ambiente econômico futuro sejam determinantes para sua decisão de quanto produzir e de usar sua capacidade máxima ou deixar manter alguma ociosidade. Essa ideia constitui o princípio da Demanda Efetiva, de Keynes e de Kalecki: são os gastos que determinam o nível de Oferta Agregada de um país. Gastos esperados e incertos. *** Daí que o desemprego não apenas pode acontecer, como é algo normal e que não ocorre só de forma voluntária, indicando que o desempregado não é alguém folgado que deseja viver de auxílios sociais. E essa situação é mais comum quando se verifica que muitas empresas gigantescas, preferem trabalhar com apenas parcela de sua capacidade, criada para ficar como uma margem de segurança. Caso a demanda de mercado de seus produtos tenha elevação inesperada, elas estão na dianteira para aumentar a produção e atenderem os consumidores sem concorrentes. *** Outro conceito importante vem de uma pesquisa empírica cujos dados mostraram que toda vez que o desemprego está elevado, a inflação é pequena, dando-se o contrário, se o desemprego é menor, ideia por trás da curva de Phillips e versões mais sofisticadas desse raciocínio. A ideia é que um bom ambiente de negócios irá alimentar expectativas de demanda crescentes, levando a decisões empresariais de expansão da produção, e gerando mais emprego, pagamento de maiores salários, que irão alimentar mais consumo, realizando o que era apenas uma profecia. Mas, se a demanda aquecida superar a capacidade produtiva instalada, isso irá ocasionar o fenômeno da inflação. Logo, menor emprego, maior salário e maiores preços, na espiral salários – preços. Situação que levou ao desenvolvimento do conceito de TAXA NATURAL DE DESEMPREGO, que seria uma taxa que indicaria o limite de queda que o nível de desemprego deveria atingir, para manter preços estabilizados. Nos EUA, por muito tempo, estudos empíricos e projeções estatísticas baseadas em modelos econométricos estabeleceram o patamar de 4%. Além de tais modelos estarem sujeitos a influências de distintos e variáveis fatores (o erro das equações), depois da crise de 2007-2009, a taxa natural caiu para o patamar de 3%, sem qualquer inflação. *** Essa foi a época de injeção maciça de dinheiro a rodo por parte do governo americano, para salvar os bancos e poderosos interesses financeiros da bancarrota. Parte importante desse dinheiro foi usado para transações com papeis e títulos. Mas devemos ressaltar que, além da Lei de Say e da curva de Phillips, o conceito da espiral preços/salários, se baseis em várias outras hipóteses, todas sujeitas a críticas, como a de não existir ociosidade na economia; a de que ao receberem seus salários, todos correm, imediatamente, para realizar gastos; a de que os produtos mais caros ou os bens de capital não podem ser importados enquanto decisões de investimento e aumento da capacidade produtiva, estão em curso. *** Crítica maior é quanto ao próprio conceito de pleno emprego, fruto de convenções sociais e fatores institucionais, culturais, religiosos, e vários outros, subjetivos que afetam a produtividade dos operários, como a oscilação de humor às segundas feiras, em seguida a um jogo do Corínthians (comentário feito em palestra por um diretor de Relações Industriais da IBM). Afinal, qual o limite físico temporal da jornada de trabalho? 8 horas? 12? E qual o número de turnos devem ser considerados? Qual a duração da jornada semanal, 6 x 1 ou aquela que tem todo nosso apoio, e pela qual brigamos, de 5 x 2? E quanto à questão da produtividade, considerada baixa no Brasil, em razão de escassa educação de qualidade e de ensino técnico voltado para o mercado de trabalho? Sem contar a heterogeneidade estrutural de nossa economia, em que convivem setores com tecnologia de ponta e elevada produtividade, junto a setores que servem de bolsões de trabalho de baixo grau de conhecimento incorporado e resultados muito baixos de produção, como em setores de pequenas atividades manufatureiras, ligados a pequenos empreendimentos, ou a prestadores de serviços pessoais ou precarizados com atuação nas plataformas digitais. *** Também as máquinas podem trabalhar sem as interrupções técnicas recomendadas para descanso, lubrificação, manutenção, por curtos períodos de tempo. E até mesmo a terra e as áreas cultiváveis podem sofrer alterações. Antes considerada infertil a região do cerrado tornou-se terra fértil e produtiva, em razão do PRODECER, parceria entre agricultores japoneses e nacionais que, nos anos 70 introduziram inovações técnicas e novas tecnologias de plantio de lavouras (corretivo de solos, adubação, etc.) Logo, não há uma definição técnica, exclusiva, para o pleno emprego ou para sua mensuração, em razão de leis das ciências naturais. Mas, em ocasiões excepcionais e por curtos períodos de tempo, sabemos que as empresas sobreutilizam sua capacidade nominal. *** No Brasil, a taxa de desemprego recorde alcançada, de 6,6%, acende o sinal de alerta de uma proximidade perigosa dessa taxa natural, já criticada. Mas, ao que parece, é esse o raciocínio e argumento usado pelo COPOM que o leva a, mesmo com sinais incipientes e reconhecidos de retração da demanda, abandonar a cautela e, em lugar de adotar taxas de juros que permitam redução do nível de atividade mais gradual, dando tempo para acompanhar a evolução e efeitos de sua decisões, optar pela adoção de uma política agressiva de aumento dos juros, que só beneficia aos rentistas.

Um comentário:

Tarcísio disse...

Será que tem um vírus naquelas cadeiras que contamina todos com o neoloberalismo? De onde menos se espera é que não sai nada mesmo.