quarta-feira, 13 de março de 2019

Discurso de Colação de Grau: País maluco, beleza


Colação de grau de um Curso de Ciências Econômicas, temos de falar do Brasil. 
Razão por que inicio homenageando Charles Lutwidge Dodgson, o Lewis Carroll, sua Alice e seu país das maravilhas.
E o Gato de Cheshire, personagem de uma palestra sobre Planejamento Estratégico,  que fiz há não muito tempo. E que se iniciava com Alice dizendo ao gato que estava perdida e perguntando qual caminho tomar para sair de onde estava. Ao que o Gato respondeu com outra pergunta: e para onde você quer ir?
Surpresa, a menina disse que não sabia, o que fez o Gato encerrrar o assunto: então você não está perdida. Pode tomar qualquer caminho, apenas terá que andar bastante.
Hoje isso chama ter foco.
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Confesso que, hoje em dia, enxergo nesse país das maravilhas uma semelhança muito grande com o nosso  pa-tro-pi, abençoado por Deus e bonito por natureza, e onde, em geral, em fevereiro tem carnaval. E que ando me sentindo como Alice, a maior parte das vezes. Especialmente, quando ela afirma que não deseja ficar entre gente maluca e ouve do Gato que isso é impossível.
“Somos todos malucos aqui” “Eu sou louco, você é louca ... ou então não estaria aqui”, filosofa o sábio animal, personagem eternizado por um sorriso que se estendia de orelha a orelha. E que, ao longo do livro, podia surgir ou desaparecer de repente ou lentamente, aos poucos, deixando, às vezes, visível apenas seu rosto, e sempre, sempre, com aquele sorriso fixo, escancarado, de orelha a orelha: a primeira imagem a surgir, a última a desaparecer.
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E olhe que o Gato nem era eleitor no Brasil, embora eu identifique sorriso igual, estampado  no rosto dos eleitores transformados em Pangloss ou Pollyanas, alheios à situação do país, que não deveria inspirar sentimentos senão de arrependimento e lágrimas.
Delineado este cenário, qualquer análise do Brasil, deve partir da premissa de que o país se encontra imerso no mais puro, refinado e nostálgico instante de psicodelia. Situação descrita à perfeição por nosso filósofo da tevê e sua exclamação: Loucura, loucura, loucura.
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Reconheço que se o movimento psicodélico nos remete aos anos 1970, reviver tal período pode ser muito positivo, se lembrarmos que o lema do movimento era “Paz e Amor”.
Afinal, paz e amor é tudo que precisamos nos dias de hoje, não apenas para cumprir o mandamento maior das religiões cristãs – que nos ensina a amar uns aos outros – mas para ter presente a verdade de que o amor que nos une, não pode ser causa de rupturas e separações. 
O que exige de cada um de nós nos perguntarmos o que fazer para impedir que o respeito e a tolerância deem espaço à discriminação. 
Para que não assistamos, inertes, ao crescimento das estatísticas que assinalam que, desde 2011, foram assassinadas 4 422 pessoas LGBTs, apenas em razão de sua orientação sexual, conforme relatório encomendado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e enviado à Advocacia Geral da União, no final de 2018.
E o que fez a AGU, além de decidir não divulgar os relatórios sobre o tema? O que serve apenas para esconder o fato de que, a cada 16 horas uma pessoa LGBT é vítima de homofobia, em nosso país?
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E quanto ao amor heterossexual, como podemos contribuir para cessar a violência contra as mulheres, algumas das quais punidas apenas por serem superiores, em vários atributos, aos machos, seus companheiros?
Em um sistema econômico que valoriza tanto a propriedade privada, ainda que em alguns casos essa propriedade deva se submeter a sua função social, que ações positivas executar para que esses machos aprendam que propriedade é um conceito aplicável apenas às coisas. Não às pessoas.
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Nos anos 80, Renato Russo lançava o sucesso “Que país é esse”? 
Temo afirmar-lhes que tal dúvida não poderia ser mais atual. Afinal, que país é esse onde ridicularizamos o esforço do passarinho que, à moda dos Chicos Mendes, lutava para apagar o incêndio da floresta, com as gotas de água que levava em seu bico? 
O que hoje, talvez, significasse ter resiliência.
Ao contrário, nós toleramos as agressões ambientais, e aceitamos bovinamente que as companhias valorizem menos a vida, as vidas, privilegiando a ampliação dos lucros.
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O que fazer para que nossa ainda que pálida lucidez possa controlar nossa maluquez? 
Para que a mesma comoção popular causada pelo segurança do supermercado que agrediu e causou a morte da cadela Manchinha, em dezembro passado, possa se repetir com os Pedros Henriques? Afinal, maluco beleza ou só surtado, Pedro Henrique Gonzaga também foi vítima de um segurança, sendo morto por estrangulamento sem que causar a mesma reação. 
E olhe que o segurança autor do mata-leão nem podia estar ali, trabalhando, condenado que tinha sido por agressão a sua companheira.
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Que país é esse em que aplaudimos e somos todos solidários à indicação dos policiais bombeiros que atuaram em Brumadinho ao Nobel da Paz, enquanto nos silenciamos frente ao extermínio de 13 suspeitos, já rendidos, em ação da Polícia Militar em morro carioca. Ação que o governador e ex-juiz Witzel, chamou de “ação legítima da polícia para combater narco-terroristas.”
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Eventos que se sucedem em um país que libera a posse de armas para combater a violência, e aqui devemos lastimar a morte da criançada de Suzano;  discute a aprovação de um pacote de medidas contra o crime, que flexibiliza o conceito da legítima defesa e o direito da Policia de atirar primeiro e questionar depois; que abranda cada vez mais o crime de Caixa 2, certa vez classificado pelo juiz Moro de mais grave que a corrupção.
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Que país é esse, em que se comemora, amanhã, um ano da morte de Marielle – sempre presente, e seu motorista, crime ainda sem solução?
Marielle: mulher, negra, homossexual, política, de esquerda. Coquetel pra lá de explosivo, devo admitir.
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Caros afilhados, o que fazer para que nossa loucura seja restrita a pedir Paz e Amor? 
A sermos mais solidários, mais respeitadores. Menos juízes e mais companheiros? Malucos, guiados pela Beleza.
Se me permitirem, indico uma saída possível: que nos preocupemos com aquilo que realmente importa: a Vida.
A vida e o convívio nosso, de cada dia, com os nossos familiares, tão merecedores de aplausos e cumprimentos quanto cada um de vocês. A eles, vocês devem, além de base e apoio, sua sanidade.
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Para terminar celebrando a alegria, faço aqui uma referência a um dos muitos Chicos que servem de exemplos para todos nós. 
Desta vez, Chico Xavier que nos ensina:
"Quem eu sou, interfere diretamente naqueles que estão ao meu redor". 
"Se cubra de Gratidão, se encha de amor e recomece..."
 Um dia bonito nem sempre é um dia de sol. Mas com certeza é um dia de PAZ.
Vão ser felizes. Brasil pela soma de todos nós. Deus no interior de cada um de nós.


Um comentário:

Anônimo disse...

Texto impecável... Parabéns Paulo, por ser esse mestre e ser humano que você é!