quinta-feira, 18 de julho de 2019

A reforma da previdência e a extinção dessa instituição

Não há como negar que tenho encontrado cada vez mais dificuldades para acompanhar, entender, analisar e redigir esses pitacos.
E olha que tenho feito força para tentar acompanhar a nossa realidade, por mais surreal que ela se manifeste. 
Senão vejamos.
Cumprindo promessa feita, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, não só conseguiu colocar a proposta de Emenda Constitucional da Reforma da Previdência em votação em primeiro turno, como conseguiu aprová-la por uma esmagadora e inacreditável maioria, de 379 votos a favor. E isso, antes do recesso parlamentar de julho.
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Tamanha proeza, não passou despercebida aos analistas políticos, unânimes em creditar ao desempenho de Maia, a vitória. 
Mas, em minha opinião, seria o caso de se perguntar: Vitória? Vitória de quem, cara pálida?
Porque inegavelmente, embora inerte e sem condições de esboçar qualquer reação, por menor que fosse, a aprovação do primeiro turno não representa uma vitória do povo brasileiro.
Talvez sem se dar conta, o que a proposta tão cara a Maia promove é, tão somente, amputar, sem qualquer preocupação com anestesia ou assepsia, os direitos previdenciários da maior parte do povo brasileiro. 
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E gera justamente, de forma radical, aquilo que já estava embutido na proposta original do banqueiro Guedes, a implantação do regime de capitalização. Privilegiando a previdência individual em contraposição à previdência social. Eliminando o regime de repartição solidária intergeracional, pelo mais estreito, mas liberal, individualismo. 
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Por que fica claro que, dadas as condições de qualificação da maior parte de nossa mão de obra, e suas condições de trabalho, ficará cada vez mais difícil para um trabalhador comum, atuando sob condições mais adversas, conseguir alcançar os novos limites legais, de 65 anos homem, e 15 anos de contribuição. Em trabalho formal. 
Em um país que, perversamente, já fez  uma reforma trabalhista que em nada contribui para a manutenção do emprego formal por esse trabalhador. 
E pior, que continua fazendo essa reforma trabalhista, concluindo o trabalho sujo iniciado por Temer, e tão em sintonia com os interesses empresariais. 
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Mas, admitindo-se que o trabalhador, mesmo não tendo garantia de qualquer estabilidade em algum emprego, consiga alcançar os 15 anos de contribuição com a idade mínima exigida, o que veremos é a massa trabalhadora tendo assegurada apenas um percentual reduzido de sua remuneração da ativa. 
E, apenas para registro, se chegarmos ao absurdo de permitir o retrocesso do trabalho infantil, a partir dos 9, 10 anos de idade, conforme proposta desse presidente que consegue, sem sombra de dúvida ser o mais tosco, ignorante, que o país já viu. 
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Ok. Não houve, ainda tal proposta de adoção do trabalho infantil, como política de saúde pública, para livrar as ruas de meninos drogados. Mas... estamos a caminho. E muita gente de caráter boçal (no sentido original do termo, relativo à escravidão), ainda tem coragem de se manifestar favorável à tão estapafúrdia ideia. 
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Então dando asas à imaginação, aprovada a jornada, que pode até ser reduzida para menores, esses trabalhadores não terão condições ou tempo para  se dedicarem aos estudos. (A prova de que trabalhar de criança prejudica o desenvolvimento intelectual e a educação da pessoa, é prestada pelo próprio Bolsonaro!)
Sem maior qualificação, essa massa de jovens não irá conseguir empregos em condições que lhes permita nem um emprego decente, nem uma condição de negociação de salários com seus empregadores. Nem estabilidade. 
Lembremos que, tampouco o Exército, cada vez mais acossado por restrições orçamentárias, terá condições de servir de repositório para tais cidadãos sem formação. 
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O que a reforma da Previdência nos proporciona é, pois, um quadro de trabalhadores que terão que se sujeitar a trabalhar a vida inteira (e, talvez, mais seis meses...), sem conseguir uma remuneração digna quando sua força laboral estiver desaparecido. 
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A grande maioria da população, portanto, não terá aposentadoria, nem poderão ser acusados de responsáveis pelo déficit da Previdência. De resto, essa instituição não conseguirá assegurar fontes estáveis de recursos, acabando por se desmoralizar, ampliar o rombo, até ser completamente extinta.
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Em relação a parcela que está longe de ser majoritária, mas ainda assim, de proporções significativas em nosso país, a assim chamada classe média, aquela que tem maior qualificação, empregos de melhor qualidade e melhores condições de negociação salarial, ou ainda aquela camada que forma o grupo dos profissionais liberais de nosso país,  de bom grado irão comportar-se como desejado por seus patrões: correrão para a Previdência complementar, carreando parcela de suas rendas para os tubarões do mercado financeiro. 
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Essa casta de pessoas mais privilegiadas, justamente em reconhecimento àqueles que lhes permitem viver nas franjas do poder, com que se iludem, acabam sem perceber prestando relação de vassalagem e servidão tão ou mais agressivas que a classe mais desfavorecida. 
E, por isso mesmo, irão fazer a alegria dos bancos. 
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Mas, não deverão se aposentar também. E não por qualquer maldade que lhes reserva o futuro e sim por outra razão, mais séria e não tratada até agora. 
O que nos remete a essa outra razão. Não sem antes concluir o comentário inicial de nosso pitaco.
Visando obter um protagonismo tolo, Rodrigo Maia, ao ver tanto discurso de desconstrução e ruptura institucional de Bolsonaro e dos energúmenos que lhe seguem, reagiu como qualquer criança. 
Parece que para Maia a situação apresentou-se da seguinte forma: se a sociedade, embalada pelo discurso anti-democrático, fascista do presidente e seus gurus, está sendo cada vez mais atirada contra o Congresso, cabe pois ao Legislativo mostrar sua altivez. Dessa forma, cabe tomar do Executivo a sua proposta, alterá-la de alguma forma, e fazer a reforma passar, para mostrar que o Congresso está operando. 
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Mas, a proposta que está aprovada é a do Governo, com necessárias críticas e alterações, é forçoso se reconhecer, como a questão do trabalhador rural e do BPC, e até mesmo com a questão da capitalização. Embora essa última, como já dito acima, descendo por vias tortas, goela abaixo da sociedade. 
E não apenas a proposta aprovada é a do Governo, com espaço suficiente para agradar a categorias especiais, como os militares, as forças policiais e até os empresários do agronegócio (perdoados em algo como 84 bilhões de reais de dívidas!), como para sua aprovação, mais uma vez o Executivo foi peça chave, na compra de votos, agora travestidos sob a feição de emendas orçamentárias, de caráter impositivo, algumas.
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A abertura do cofre, retomando a velha política de coalizão e corrupção que tanto o pessoal que ocupa o poder denunciava, foi peça tão importante para a aprovação da PEC em primeiro turno, quanto o trabalho de interlocução de Maia. 
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E o que precisava ser realmente discutido não foi colocado em pauta em qualquer instante: a situação da Previdência no país. Um país que está envelhecendo, em que o crescimento populacional tem dado demonstrações de que não irá conseguir, no futuro imediato, nem mesmo manter o ritmo de substituição de mão de obra. 
Um país que, sob a tormenta da inovação tecnológica, cada vez menos terá condições ou necessidade de gerar ou manter empregos de grande parte de sua população. 
Esse último fato, o efeito das mudanças tecnológicas cada vez mais tirando espaço também de grande parte de nossos profissionais liberais, e da classe média que se acreditava acima do bem e do mal. 
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Nenhuma dessas questões foi levantada, de forma séria, pela imprensa, embora objeto de discussões por quem está, de fato, interessado em debater o problema e estudar soluções possíveis, sem ter que ficar prestando retribuições aos favores obtidos junto ao capital financeiro. 
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A reforma - não séria, nem necessária sob a forma que agora foi conduzida - foi aprovada, mas não se mostrará nem mesmo capaz de atender aos interesses do mercado financeiro, exceto no curtíssimo prazo. Porque em relação às contas públicas, atenderá muito menos ao que era necessário. 
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Até porque, a Previdência, parte da Seguridade Social consagrada na Constituição de 88 não apresenta déficit, como já mostrado pela tese da professora Denise Gentil e vários outros estudos. 
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Menos ainda irá contribuir para o crescimento do país. Que só apresentará algum soluço nesse final de ano, em razão das medidas populistas de Guedes, para favorecer a demanda agregada e a elevação do consumo, o que é no mínimo o reconhecimento da incapacidade de Guedes e suas teorias voltadas para o "supply side economics"  de funcionarem. 
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A liberação parcial de recursos do FGTS, mesmo contas ativas, e de PIS, são medidas paliativas, positivas. Mas não terão o alcance que se estima. 
A grande maioria da população irá aproveitar para sacar os recursos e pagar dívidas voltando a limpar o nome. 
Com o nome limpo e crediário reabilitado, poderá sim, ocorrer uma elevação do consumo, mas de fôlego curto, se algum.
Porque não devemos nos esquecer que, como bom gato escaldado, quem conseguir quitar seus compromissos irá pensar muito antes de retomar, num momento de desemprego elevado e ocupações precárias, novos compromissos. 
Não podemos esquecer que a população aprende com os traumas vividos, e que a psicologia social não recomenda que se comemore uma inesperada reação de vendas. 
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Enquanto isso, Moro e seus asseclas continuam blindados, já que do esquema, como cada vez vai ficando mais claro, fazia parte também pessoas de conduta ilibada, como Fux, Fachin (Aha! Uhu! O Fachin é nosso!!!) e até o promoter Barroso. 
Disso, e da falta de caráter, para não afirmarmos categoricamente que a turma de Curitiba estava cometendo crimes, já que há apenas em tese essa possibilidade, falamos em outro pitaco. 
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Da indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada brasileira nos Estados Unidos, e da vergonha da decisão provisória de Toffoli de suspender os inquéritos contra Flávio Bolsonaro e, de quebra, o amigo "in pectore" Queiroz, também tratamos em outros pitacos. 
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É isso. 


Um comentário:

Vilela A disse...

Paulo, a situação é tão grave que a sensação que tenho é que estou em um sonho. Para ser sincera, até hoje eu ainda não consegui acreditar que Bolsonaro ganhou as eleições. Risos, mas é sério. É que são tantos absurdos e disparates que me parece que andamos séculos para traz, voltamos à era medieval... Enfim, continue relatando e opinando sobre todas as questões relevantes do nosso tão sofrido Brasil e seu povo. Quem sabe um dia eu vou acordar e ver que isso tudo era realmente um sonho? Ou melhor, um pesadelo..rs Um grande abraço!