quinta-feira, 27 de junho de 2019

Desatinos a conta gotas

A conta gotas.
Dessa forma, tem funcionado o governo Bolsonaro e sua fantástica fábrica de geração de factóides.
Á la Jânio Quadros, que em meio a uma crise econômica sem precedentes em nosso país (considerada por vários economistas de renome, como a primeira grande crise de caráter industrial do país), e um conjunto de medidas na área das relações exteriores que conseguiram desagradar a toda a sua base de apoio, encontrava tempo para se dedicar às questões que, em sua visão, reclamavam a adoção de medidas de urgência urgentíssima.
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Foi assim que em seu curto período de "reinado" além de condecorar com a mais alta comenda do país a ninguém menos que o líder guerrilheiro "Che" Guevara, de reatar relações com países do chamado mundo comunista ou cortina de ferro, de adotar uma reforma cambial que promoveu uma desvalorização de nossa moeda que redundou na realimentação da inflação, o presidente da vassoura encontrou tempo para tratar de questões como a proibição do uso de biquini, ou do lança-perfume nos bailes carnavalescos. Ou ainda a criminalização da briga de galos...
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Sem entrar no mérito específico de cada uma das medidas citadas - afinal, a decisão de proibir e criminalizar a briga de galos seria considerada hoje como de grande relevância-, as preocupações de Jânio naquela oportunidade não têm como não nos vir à memória, para servir como base para comparação com Bolsonaro, o Messias.
Até mesmo em relação aos famosos bilhetinhos, que ficaram como marca da gestão Jânio, utilizados para a manifestação de suas preocupações, ordens e recomendações.
Bilhetinhos, hoje, substituídos pelo twitter e outras redes sociais.
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Na onda de desatinos que vimos acompanhando, e na falta de qualquer qualificação e de proposta séria para o exercício do cargo que parte da população lhe conferiu, o Messias deixa toda a gestão da crise econômica séria em que o país está mergulhado (a mais lenta recuperação de uma crise econômica de toda nossa história) para seu posto Ipiranga, Paulo Guedes.
O que não o impede de, talvez por desconhecimento, acabar interferindo em decisões econômicas como a da fixação de preços de combustíveis, ou outras que, não sendo diretamente relacionadas à política econômica, acabam tendo relações íntimas com aquela área sensível. Como, por exemplo, o projeto de lei que cuida da forma de governança das agências reguladoras.
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E, para não deixar dúvidas no ar, quando no parágrafo anterior, levantei a hipótese de desconhecimento do presidente, não estava me referindo apenas a questões econômicas em si. Mas desconhecimento em relação ao próprio perfil do ministro que ele escolheu para comandar a Economia do Brasil e seu caráter liberal até a medula.
Caráter que pode sempre ser um ponto gerador de conflitos e discórdias com o comportamento autoritário e desatinado do Messias.
Que pode ser cristão e até messiânico, mas não é onisciente. Nem Deus.
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Dentre os desatinos, a própria escolha dos nomes de integrantes de seu ministério, anunciado como a equipe do governo empenhada em combater a corrupção e o crime organizado no país.
Claro, sem contar o Queiroz e suas relações perigosas com Flávio Bolsonaro, ou com a milícia no Rio de Janeiro. Ou ainda sem fazer menção aos amigos dos filhos e até do próprio Messias, todos devidamente condecorados em reconhecimento por relevantes serviços prestados. A grande maioria dos quais devidamente presos, por envolvimento com o crime organizado.
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Mas, para não ficar apenas no núcleo familiar, é importante que a lista - extensa -, seja lembrada.
Afinal, o raivoso e dedicado general Augusto Heleno, aquele dos socos na mesa e das acusações a Lula e até da hipótese de retorno da prisão perpétua, foi homem de confiança, na Confederação Brasileira de Volei, de Nuzman, hoje reconhecido corrupto, embora fazendo companhia ao Queiroz, ou seja, bem distante das grades.
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Do general histérico, nem devemos nos referir ao Haiti, e sua passagem por lá, voltada para a promoção da  "limpeza"  daquele país.
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De Moro, não é preciso dizer mais muita coisa. Suas ações o definem. Sua falta de compromisso para cumprir as leis, mostram a ausência de qualquer traço de caráter, mesmo que sob a justificativa, não aceitável em qualquer circunstância, de fazer justiça.
Bom lembrar: no início do governo, questionado sobre a acusação feita a Onix, o ministro da Casa Civil, do crime de Caixa 2, o nosso super-herói no combate ao crime da corrupção argumentou que o colega já havia reconhecido o erro e pedido desculpas.
O mesmo ex-juiz de figura ridícula que nada fez em relação seja ao Queiroz, seja às investigações que nunca chegam aos verdadeiros mandantes do assassinato de Marielle, seja às acusações ao seu outro colega, agora do Turismo.
Isso para não falar das mensagens e juras de amor e fidelidade, trocadas com Dallagnol...
Ou ainda dos aviões da FAB, e suas carreiras internacionais...
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Vê-se, pois que o paralelismo do Messias com Jânio não pode abranger a questão da honestidade de propósitos daquele que usava a vassoura para promover uma limpeza e o combate à corrupção, contra esse que usa das armas, ou arminhas, para o mesmo trabalho de limpeza. O que, sabemos, se aplica apenas aos inimigos, vermelhos, comunistas, e é apenas figura de linguagem, ou tropos, em relação aos amigos e familiares.
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Mas, não contente com a questão de como trata a corrupção, o Messias se preocupa em não se tornar rainha da Inglaterra, não acatando o funcionamento das regras do jogo democrático, onde o Congresso tem peso, junto ao Judiciário.
Afinal, o que significa, senão uma tentativa de ir para o confronto, as manifestações de desprezo por votações e decisões das casas Legislativas, senão o intuito de criar condições para que a já conflagrada sociedade brasileira se arraste para uma luta fratricida.
Por que é disso que se trata quando o Congresso decide que a demarcação de terras indígenas deve permanecer na estrutura da Justiça, e ele insiste em passar a atribuição para a pasta da Agricultura, em desprezo pela decisão emanada do outro poder.
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O mesmo se dá no tocante à liberação de porte, e até posse de armas. Derrotado em seus decretos originais, dentro da conformidade do regime legal em vigor no país, ele retoma, na Câmara, a ideia que o move - de que segurança não é atribuição do Estado, mas do indivíduo- e reedita com modificações superficiais, em três decretos, o que já foi decidido no Senado.
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Como disse Airton Soares, em seus comentários no Jornal da Cultura, ou o presidente usa mesmo de má- fé, ou é o mais mal assessorado presidente da história recente, especialmente nas relações com o Congresso.
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E, em meio a esse torvelinho de disputas e queda de braço, de frituras de auxiliares sem qualquer pudor, de desrespeito, prepotência, grosseria e deselegância, o presidente ainda quer, segundo suas palavras, mostrar que a Alemanha e outras nações mais avançadas é que têm que aprender com nosso país, e seguir nossos exemplos, em questões de meio ambiente, etc.
Em sua afirmação, agora e daqui para a frente, o governante do país não irá mais ter sua atenção chamada e ser repreendido por líderes de nações europeias, que não têm condições morais para adoção de tais comportamentos.
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Bolsonaro, com tal discurso, apenas se aproxima cada vez mais da solidão de Trump. E relega o país à situação de exemplo do que há de mais atrasado, ridículo e autoritário em todo o mundo.
O que só faz com que o país perca posições no cenário internacional e deixe de ser convidado para participar dos encontros em que têm acento aqueles que sabem se fazer respeitar.
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Deixando essa situação de lado, temos a sucessão de preocupações que assolam a nosso presidente em suas redes sociais, desde o "golden shower" carnavalesco, até a higiene com o pênis, ou ainda a preocupação com a indicação de um evangélico para a Corte Suprema de um estado laico, como também a preocupação com a tomada de três pinos, ou agora mais recente, o apoio à construção do autódromo do Rio de Janeiro, e a certeza manifesta de que fórmula 1, doravante, passará a se realizar naquele estado.
Como se o Rio já não tivesse problema de sobra para ir arranjar mais esse, de construção de outro espaço inútil.
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E a lista ainda pode se agravar, com a consideração da exclusão de ilicitude penal por ele tanto desejada , em relação às ações, atitudes e comportamento das forças de segurança.
O que transformará qualquer soldado de esquina, desses que podem também ser usados para fechar o Supremo, em um verdadeiro 007, com licença para matar.
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Semelhanças com Jânio, claro que existem. Como diferenças, porque Jânio era um homem ao menos esclarecido, e se se envolvia com coisas de menor importância, não tinha essa formação e essa visão de que o que não agrada, ao invés de respeito, deve passar por processo de desmoralização, até que seja extirpado finalmente do cenário.
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Por mais lamentável que isso seja.
O que me leva a concluir o texto com uma incerteza em relação ao título do pitaco. Seria tudo isso um desatino, ou parte de uma estratégia maquiavélica, de diversionismo visando a implantação de um projeto de sociedade, em minha opinião, completamente distópico?

Um comentário:

Anônimo disse...

A conclusão do pitaco de hoje é a tormenta que tira o sono das pessoas com o mínimo de senso crítico. O que vem acontecendo desde 28.10.18 chega a ser surreal. Por parte de jair era esperado. E cada um que chega supera o antecessor em mediocridade. Veja o ministro da educação, suas declarações estapafúrdias, preconceituosas, desclassificadas... Ao comentar o escândalo do avião da FAB, diz "drogas piores já foram carregadas..." fazendo alusão aos ex-presidentes Lula e Dilma, não importa se foi carregado droga, há uma espécie de licença para fazer. Da mesma forma que sérgio reage com relação à sua postura no processo do triplex... tudo é permitido...O que será que está acontecendo?? Tudo isto é tão "maluco" que foge à minha limitada capacidade de compreensão.
A esquerda por sua vez, padece de uma liderança e penso que também de propostas. A reforma trabalhista de temer desmonta os sindicatos; a OAB, há muito tempo, deixou-se perder; a CNBB foi deformada no pontificado dos anos anos 1980 e 1990... jornalistas que cumprem o papel verdadeiro de sua profissão, são facilmente rotulados como comunistas (assim como aqueles que tem senso crítico). Palavra que no domínio público do país está associada com tudo o que há de pior. Um show de horrores.
Mas, como nada é tão ruim que não possa piorar, há o sentimento em diversos setores da sociedade, de que jair é mesmo um messias, e quem estiver contra ele é uma espécie de herege.
Quarta feira, passei em uma lojinha para trocar a bateria do meu relógio. O rapaz que me atendeu, assistia tv em que era transmitido noticiário sobre a votação do habeas corpus de Lula. Ele comentou: "é patrão, será que vão soltar este bandido? O que estão fazendo com o Moro é uma covardia..."
Respondi de imediato: votei em bolsonaro... mas estou decepcionado e arrependido. Até agora não fez nada de bom para o país, só tem agravado a crise... Assim como o Moro que não fez papel de juiz e de gente honesta. E olha que eu era fã dele também.
Mentira minha! Mas entendi que era a única maneira de fazer com que o rapaz pudesse refletir.
Os tempos nunca estiveram tão sinistros...

Fernando Moreira