sexta-feira, 16 de agosto de 2019

REFLEXÕES E PESADELO, mais um discurso de paraninfo em colação de grau da Una, ontem. Antes alguns comentários necessários

Tão estapafúrdias as atitudes, a postura e as declarações de Bolsonaro que, confesso, as palavras me fogem. Dessa forma, sinto a maior dificuldade em postar alguma análise ou comentário, razão do intervalo de tempo desde minha última publicação no blog.
No entanto, como diziam as camisetas de Collor, o tempo é o senhor da razão. E todo analista acaba se beneficiando de um certo distanciamento do calor dos acontecimentos.
Afinal, o tempo consegue amainar as paixões, impedindo que tenhamos nossa visão e capacidade de interpretação dos fatos (muito) alterados por nossas expectativas ou sonhos.
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E, convenhamos, são tão esdrúxulas as declarações de Bolsonaro a respeito da contribuição de cada um de nós para reduzir a emissão de gases que provocam o aquecimento global; ou sobre a pequena ou quase nula importância de uma ajuda financeira internacional de algo como R$ 130 milhões de reais, agora interrompida pela Noruega, colaboração que ele desdenha com sua costumeira e já comprovada grosseria e falta de educação, ou o respeito manifesto por ele à opinião - DEMOCRÁTICA - do povo argentino, nossos vizinhos, que não haveria blog ou coluna de jornal, ou algum comentarista sério que tolerasse ficar martelando um mesmo e único assunto, dias a fio.
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Apenas os humoristas, talvez, se tiverem estrutura suficiente e condições de competitividade podem aproveitar as deixas, os "cacos" desse personagem burlesco, nonsense, à procura de um autor, ou de um roteiro quem sabe?
O que justifica o fato de a maior parte dos colunistas da grande imprensa, já terem escrito algum artigo com uma profissão de fé: não continuar ocupando sua atenção e nossa paciência com esse tsunami de asneiras.
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O que nos leva, a todos, a nos perguntar atônitos: o que está por trás deste discurso tão destrambelhado?
Seria apenas o fato de ele ter o cérebro dominado por muita ... desculpem-me os poucos leitores, e apenas por muita merda. Caso ele tenha mesmo algum vestígio de cérebro!
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E, para além da tese de que ele está apenas forçando e reforçando o discurso junto à manada de idiotas que o consideram um mito, o que lhe asseguraria uma participação de ao menos 20 a 25% de eleitores, parcela bastante interessante para assegurar-lhe a presença em um segundo turno eleitoral, contando com a pulverização de candidaturas da centro direita à extrema esquerda.
Sob essa hipótese, mais uma vez iríamos assistir a toda uma grande maioria de pessoas comuns, cuja cabeça foi, ano pós ano, programada para rejeitarem qualquer que seja o espectro de algo que possa estar vinculado à esquerda, ou mais propriamente, rotulada de comunismo.
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Como ninguém nega, ao longo de mais de 70 anos, especialmente nossa mídia foi pródiga de criar e alimentar a ideia de que o comunista, antes de mais nada, é alguém que, sem querer ou gostar de trabalhar, de forma autoritária, deseja apenas distribuir todas as coisas que o trabalhador sério, comum, conquistou com seu suor e tanto sacrifício.
Isso, sem contar que os regimes e governos de cunho mais socialista são sempre identificados com governos autoritários e, pior, capazes apensa de generalizarem e distribuírem a pobreza.
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Não. Não vou aqui falar de excrecências, algumas vezes divulgadas pelo método  boca-a-boca entre a população de menor grau de educação formal e cultura, de que comunista faz mal a criancinhas ou às freiras das congregações religiosas, uma vez que não tementes a Deus.
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Na verdade, embora ninguém tenha sequer lido um mínimo - já que não leem nada mesmo,  a ideia e imagem deturpada difundida pela grande imprensa acaba apenas criando estereótipos equivocados. A ponto de levar maioria da população a temer o socialismo, mesmo que todos digam admirar os países nórdicos, ou a social democracia europeia.
Governos tão de esquerda, ou até mais que o de Lula, para citar apenas uma das personalidades vendidas como uma das "bestas do apocalipse".
Tudo bem que longe de ser santo, Lula ainda era um mero operário que ascendeu socialmente, roubando as oportunidades de gente de linhagem muito mais nobre e mais alta estirpe.
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Voltando ao tema inicial, acho que Bolsonaro, por mais mentalmente incapaz que seja, tem sim e representa um projeto de poder, autoritário, anti-democrático, excludente, e que privilegia uma minoria que se pretende representante de uma supremacia branca, misógina, de privilegiados.
Bolsonaro é o idiota útil, para levar a sociedade civil e os mecanismos de proteção dos direitos e da justiça social ao cansaço.
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Obtido o resultado, talvez seja afastado como fazemos com o bagaço da laranja já toda sugada.
Independente disso, nosso Bozó serve para nos distrair enquanto personagens de caráter mais duvidoso e intenções muito mais destrutivas, como nosso ministro Guedes, faz avançar reformas como a da Previdência, ou a tributária, ou ainda as medidas contra a burocratização.
Bem, Guedes é tão mais perigoso, e destila certas ideias que, à primeira vista, parecem tão mais benéficas à população em geral, que merece que voltemos a escrever mais rotineiramente, ao menos para discutir certas banalidades, frivolidades, e frases retóricas, que ele emite. Frases que agradam aos ouvidos distraídos, mas que são completamente vazias de sentido. E pior, capazes de distorcer a realidade.
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Cito apenas um exemplo: em evento na última semana, nosso ministro da perversão e Economia defendeu o fim das deduções do Imposto de Renda. A alegação é que tais deduções beneficiariam apenas os privilegiados, já que o pobre enfrenta o atendimento precário do SUS, onde não paga nada, não pega recibo e não pode abater nada do imposto que recolhe...
Ao contrário, os mais favorecidos pegam recibos que, às vezes, nem tiveram algum serviço real a lhe dar conteúdo e significado, servindo apenas para que tais pessoas possam pagar menos imposto.
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Dito assim, parece que o ministro está coberto de razão. E o fim das deduções falsas não é apenas uma questão de melhorar os esquemas de fiscalização, mas uma questão de justiça social e distribuição equitativa de ônus.
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O sinistro apenas não falou que a Constituição assegura, a todos os brasileiros, atendimento gratuito à saúde. E se nosso sistema de saúde não dá conta de atender a ninguém, a nenhuma das classes sociais, o correto seria verificar como arranjar recursos para suprir nossas carências na área. Não sem antes deixar claro que, em nossa opinião, melhor que gastar curando, é gastar com prevenção à saúde. O que implica, por exemplo, saneamento, etc. Todas essas políticas públicas que o sinistro deseja destruir, sob o mau argumento de que funcionam em caráter precário.
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Ora, quem tem condições paga o médico particular ou o plano privado de assistência médica - tão a gosto do ministro liberalóide, o que é flagrante descumprimento da nossa Lei maior. Daí, a dedução é uma compensação, um reconhecimento de que a legislação está sendo desrespeitada e que aquele contribuinte pode, pois, reaver, parcialmente ou até de forma insignificante, o montante gasto por culpa da ausência de governo e de políticas de governo.
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Não vou me alongar mais.
Volto ao tema posteriormente. Em postagens que prometo tornar mais amiúde.
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O resto da postagem traz o discurso que proferi ontem, como paraninfo da turma de Ciências Econômicas, na solenidade da colação de grau relativa à turma concluinte no 1º semestre de 2019.
Eis o discurso.


Reflexões e Pesadelo


Senhoras e senhores, prezados alunos, boa noite.
Meu discurso hoje tem uma estrutura diferente. Trata-se de um conjunto de reflexões que partilho com vocês.
Nessa noite não vou falar de Marielle. Não vou perguntar quem mandou matar Marielle, nem vou perguntar se alguém tem notícias do Queiroz.
Tampouco vou falar das delícias de uma sociedade dominada por milícias. Ou de um governo que se preocupa, a cada instante, em eliminar direitos sociais, governando em nome de uma minoria: as elites vinculadas ao grande capital.
Para o povo, o conselho de manter estoques...
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De início, parabenizo a todos vocês que concluem, vitoriosos, mais essa etapa da vida, e a todos aqui presentes - familiares, mães, pais, companheiros, parceiros, filhos e amigos-, que lhes proporcionaram as condições necessárias a essa conquista, ajudando-os a preservar a sanidade e a serenidade. Recebam todos minhas homenagens.
Mas, em meio a tantas e justas comemorações, não podemos nos alhear do ambiente que nos envolve e que, se não se confunde com a realidade paralela de Matrix, revela uma sociedade cada vez mais distópica, como o demonstra a experiência de Jean William, o tenor paulista, considerado um dos talentosos e promissores nomes da cena erudita brasileira.
Apadrinhado pelo maestro João Carlos Martins o cantor, que já se apresentou para o papa Francisco, o príncipe Albert 2º de Mônaco, e nos mais famosos palcos da Europa e Estados Unidos, como o famoso Avery Fisher Hall, no Lincoln Center, em Nova York tem sido vítima de ameaças e ofensas nas redes sociais, apenas por ter o nome semelhante ao de um ex-deputado, hoje fora do país.
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Eu mesmo, em minha insignificância, ao fim de uma solenidade de colação de grau fui alvo da brincadeira de mau gosto de alguns poucos presentes, que me fizeram o sinal de arminhas com as mãos.
Tais episódios trazem-me à memória uma  tirinha em quadrinhos, publicada há muitos anos nos jornais, que tinha o  Reizinho  como personagem, de que me sirvo para uma primeira reflexão.
Na história, Reizinho observava o movimento de uma minúscula formiga, filosofando que valor teria a vida de alguém tão frágil, tão pequeno, tão insignificante. Para ele, pisar naquele reles inseto apenas poria fim a um sofrimento, uma nulidade. Mas, enquanto se decidia quanto a que atitude adotar, nos quadrinhos seguintes  o ilustrador ampliava seu foco, se elevando e se distanciando das duas figuras. Até o quadrinho fnal, em que a terra era um pontinho em meio ao cosmos e nem se distinguiam mais a formiga ou o vulto de Reizinho, meras partículas de poeira na imensidão do espaço.
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A segunda reflexão me transporta à sala de aula e à imagem do vidro, que utilizo para divagar sobre a verdade. Por que como a verdade, o vidro  é uma estrutura única, concreta, sólida, mesmo que transparente. Mas o que se vê através dele depende da posição de início do observador.  O que eu vejo, olhando de fora para o interior, é diferente do que vê quem está olhando de dentro para fora.
Se a realidade concreta e palpável de ser vidro não se altera, muda a interpretação. O que deveria nos obrigar, como professores, analistas, cidadãos, a olhar, sempre, a raiz da divergência de nossas opiniões em relação à interpretação de outras pessoas de nosso convívio.
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O que exige uma explicação, já que respeitar a visão dos outros não significa abrir mão de defender, com unhas e dentes, como meus alunos bem o sabem, o pensamento que eu possa ter em algum momento. Mesmo ciente de que meu raciocínio pode mudar em seguida. Evoluindo. Aperfeiçoando-se.
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Razão porque, ainda que envaidecido de ter sido escolhido paraninfo da turma, como o Reizinho, devo admitir minha insignificância como professor.  
Não se trata de cansaço, de fadiga de material! A verdade é que estou convencido que, em todos esses anos em salas de aula, não demovi um aluno que fosse de suas ideias originais. Mesmo quando elas não existiam.
O que me permite entender o significado e a experiência contida na frase da professora emérita Maria da Conceição Tavares, para quem: “Os mestres, parece que nasceram para serem humilhados pelos alunos”.
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No entanto, os professores temos sido acusados de participar de uma conspiração destinada a promover uma lavagem cerebral, visando fazer a cabeça de nossos alunos, de forma  a inculcar-lhes uma visão de mundo nem sempre aceita.
Se existe tal conspiração, confesso que, ao fim e ao cabo, sempre me senti sozinho, isolado. Talvez por ter estado, sempre, na defesa do lado derrotado. O que não me abate. Antes, me enche de orgulho, especialmente quando percebo que do lado derrotado, e sem se queixar, estiveram todos os meus ídolos.
Pessoas que nunca se abateram e, movidos pela fé, sempre buscaram construir um mundo melhor. 
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Capazes de acreditarem que “Quando o muro separa, uma ponte une; Se a vingança encara, o remorso pune; Você vem me agarra, alguém vem me solta....  Você corta um verso, eu escrevo outro; você me prende vivo, eu escapo morto; De repente olha eu de novo, perturbando a paz, exigindo o troco”.  Porque, como descrito por Paulo César Pinheiro em Pesadelo, “E se a força  é sua, ela um dia é nossa, olha o muro, olha a ponte, olhe o dia de ontem chegando, que medo você tem de nós.”
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O que nos traz à última reflexão, baseada em um filme italiano do final dos anos 1970: Pasqualino Sete Belezas. Órfão de pai e mãe, o jovem do interior da Itália, como irmão mais velho tornou-se o guardião da honra de sete irmãs, até quando descobriu que um aventureiro abusara de uma delas.
Para lavar a honra da família,  Pasqualino se vinga, matando e esquartejando o rapaz em sete partes, cada uma delas despachada em malas para um destino distinto. Preso e tratado como herói, foi condenado a muitos anos de cadeia.  É inesquecível a cena de sua chegada à cela, alvo da reverência e respeito de todos os demais prisioneiros. Exceto um, um ancião que já perdera a conta de há a quanto tempo estava preso.
Curioso, Pasqualino quis saber que crime tão hediondo aquele senhor poderia ter cometido. Ao que o velho respondeu: eu pensei.
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Além da reflexão, a história serve para mostrar como a defesa dos valores da democracia e da justiça social, nem sempre bem vistos ou tolerados, devem exigir sempre nossa atenção. O que permite que eu transmita um conselho para meus afilhados de Ciências Econômicas, esta maltratada área das Ciências Sociais, citando uma vez mais a professora  Conceição Tavares:
 “Se não se preocupa com ajuste social, com quem paga a conta, você não é um economista sério. Você é um tecnocrata.”
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Concluo com a consciência tranquila de não ter feito qualquer menção ao governo de nosso país. Desde cedo, aprendi que não devemos discutir o que não entendemos. Não há como discutir uma realidade distorcida.
Afinal,  distópico ou não, Matrix é apenas um filme de Hollywood.
Vão ser cientistas sociais. Vão transformar o mundo. Vão ser felizes.

5 comentários:

Juliane Raquel disse...

Você deveria ter mais respeito pelos formandos, suas famílias e convidados, pois transformou uma colação de grau num palanque político de esquerda , gerando desconforto, mal estar e revolta ! Por que não se manifestou quando o PT arrombava os cofres públicos e ainda tirava dinheiro do BNDES para mandar para ditaduras como Venezuela e Angola ? Por que não se preocupa com o massacre que Maduro está fazendo com o povo Venezuelano? Bolsonaro virou herói internacional, pois é um dos poucos que teve coragem e patriotismo para tentar resgatar o Brasil de um esquema de corrupção de décadas , envolvendo políticos, artistas e a grande mídia ! Ele está honrando o país ao tentar cumprir fielmente o que prometeu na campanha !

Pat disse...

Excelente e corajoso discurso. É de cidadãos comprometidas com a verdade é o futuro da nação, como você, que o país necessita.

Anônimo disse...

Lamentável, desnecessário e inoportuno o discurso do paraninfo.
Que desconforto este senhor causou na platéia...um momento de tamanha alegria, confraternização, onde os formandos comemoravam com grande emoção junto de seus familiares, amigos e pessoas queridas.
Me senti decepcionada pois na noite da minha tão esperada formatura eu fui OBRIGADA a escutar um discurso político. Não importa quem é de esquerda...ou direita, cruzeiro ou atlético...aquele não era o momento para isso.Estávamos todos alí para somar, comemorar!
O que menos se esperava alí era um palanque .
Decepcionante! Se tivesse um pouco de tato, sensatez, perceberia que aquele momento pedia palavras de entusiasmo, positividade, incentivo e contrariamente, o cidadão de forma inesperada despeja azedume, acidez e desconforto emocional "politizado" através de palavras negativas, com pitadas de sarcasmo disfarçadas de poesia política.
Manifeste em seu blog, em suas redes sociais...para seus seguidores.
Tenha empatia, seja alguém que desperte emoções positivas nas pessoas.
Deixo aqui meus sinceros pêsames, pelo seu lamentável discurso na noite da minha Colação de Grau em Direito.

Anônimo disse...

Magnífico e consistente. Emocionante e profundo. Acima de tudo de sensibilidade e humanismo.
Uma pena que nem todos foram capazes de entender, inebriados pela empáfia obscurantismo de todos os matizes, o que explica, em grande parte, a tragédia que vivemos. E que muitos ainda não se deram conta.
Meu abraço

Josiane Rafaella Faleiro disse...

Querido Professor Paulo, parabéns pelo discurso.
Que dias difíceis hein...
Tenha certeza que seu trabalho como educador de uma ciência SOCIAL já fez muita diferença na vida de muitos.
Abraços!