quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Tortura nunca mais? Tortura no discurso, no elogio, no supermercado, no retorno da escravidão e até a tortura de Moro (essa merecida!)

Embora pesquisa do instituto Datafolha indique a manutenção da aprovação e do apoio da população ao ministro da Justiça Sérgio Moro, agora é a cúpula da Polícia Federal que já considera um pedido de demissão do ministro como uma saída honrosa para o herói de Curitiba.
E já começam a se manifestar sobre o assunto, engrossando o coro que passa a ser integrado, também pelo ex-presidente Fernando Henrique.
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Como já havia afirmado em nossa última postagem, não morro de amores por Moro e, pelo contrário, acredito que ele esteja apenas colhendo o que plantou.
Mas, em minha avaliação, não há dúvida que vem sendo alvo de mais que uma fritura, uma verdadeira humilhação por parte dessa verdadeira excrecência a quem a população brasileira decidiu entregar o destino da nação, no limite, até 2022.
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No entanto, o misto de juiz-soberano e divindade de Curitiba, parece não se incomodar ou faz de tonto, para prosseguir em sua "missão" que, a essa altura, já não consegue nem mesmo ser enunciada. Afinal, a alegação do juiz usada para justificar a troca da confortável posição de magistrado pela aceitação do convite para o ministério era, originariamente, a de ter mais poder para elaborar, fazer aprovar e implementar um plano ou pacote de medidas anti-crimes, favorecendo, especialmente a ampliação da segurança pública e o combate ao crime organizado e à corrupção.
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Nunca ficou claramente manifesta a vocação política ou a ambição por obtenção de cargos eletivos nas ações do juiz, agora cada vez mais evidentes. E que, por esse motivo mesmo, o reduzem a alvo preferencial do presidente a que se dispôs a servir de forma tão rastejante.
Mas, a verdade é que, mesmo não afetando sua avaliação pela população, as mensagens vazadas pela Vaza Jato desnudam aquilo que todos já desconfiavam e alguns poucos já davam como certo: responsável pela operação Lava Jato, o juiz agia todo o tempo de forma político-partidária, influenciando investigações, silenciando-se sobre investigações sobre aliados, tendo como principal objetivo menos o de passar o país a limpo, mas o de eliminar da política nacional um partido específico, ou todo um espectro de ideias do jogo democrático.
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Assim, independentemente de, em sã consciência, não acreditar que possa haver qualquer cidadão consciente politicamente, honesto e íntegro que seja contra a Lava Jato, em seu principal objetivo, também não consigo concordar, nem em pesadelos, com a ideia de que alguém com os predicados listados para o cidadão acima, possa ser a favor da forma, do como a operação foi operacionalizada até aqui.
Particularmente, a questão é que não concordo, não posso admitir que os fins justifiquem os meios, e se para pegar possíveis criminosos o Estado, o aparelho policial, a procuradoria, e até a magistratura rompe e ultrapassa os limites legais, o que temos não é apenas o fato de atos criminosos estarem sendo utilizados para desvendar possíveis crimes.
Passamos a assistir à disputa de gangues de criminosos, ao controle do crime por outros criminosos que se investiram da força da lei e da ordem, a que não respeitam.
Algo muito próximo do que temos visto ampliar sua força e seu raio de ação em nosso país: a atuação de milícias.
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Moro e os procuradores de Curitiba, longe de ser heróis, são apenas criminosos com mais acesso ao poder institucionalizado, que não hesitam em utilizar discriminadamente na defesa de seus interesses.
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E, se agindo com interesses políticos, Moro já havia sido sondado e até aceito, ao menos intimamente, se tornar ministro de alguém com a estatura moral (ínfima) de Bolsonaro, todas as suas ações e decisões deveriam passar por nova análise, novo crivo e, aquelas suportadas por medidas de exceção ou ilegais, todas culminarem em anulação de processos viciados.
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Talvez mordido pela mosca azul do poder, ou pela promessa de uma cadeira ainda mais tranquila de ministro do Supremo, esse ministrinho vendeu sua alma ao diabo.
E agora, justamente, paga por seu atrevimento.
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O que mostra, além de seu comportamento muito próximo ao de qualquer mau caráter, uma incapacidade de avaliação de situações e de pessoas assombrosa.
Afinal, foi combater crimes como o de formação de milícias, exatamente no meio em que tais criminosos encontram guarida e proteção.
Se não tiverem mais que apenas apoio...
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Dessa forma, o pacote anticrime de Moro, pleno de medidas e propostas de caráter autoritário, como o de excludente de ilicitude para o exagerado e desnecessário uso da força policial; o de aceitação de provas obtidas de forma não convencional, ou de forma ilegal em processos criminais; ou a possibilidade de, através do uso da ameaça velada e da chantagem conseguir quebrar a resistência de algum investigado, através de um possível reconhecimento de cometimento de crime, em troca de delações e punições simbólicas, a tal "plea bargain",  caminha melancolicamente pelos corredores da Câmara.
Aos olhos da imprensa, o pacote está sendo desidratado, aos poucos, o que não é de todo ruim.
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Sem força no Congresso, desrespeitado e humilhado pelo capitão que lhe reserva a posição de ordenança, sem qualquer atitude mais digna em defesa daquelas instituições a quem compete defender e zelar, Moro só continua com apoio público, por força da identificação do público que lhe dá apoio.
Explico: os mesmos que ainda apoiam o ex-juiz, e agora até ex-Ministro, ao menos com M maiúsculo, são aqueles que, desiludidos, ou iludidos, ou apenas desinformados, elegeram _ alguns agora até arrependidos, o presidente Bolsonaro.
É o mesmo público que acreditava em mitos e agora se depara com a verdade em sua pureza: não existem mitos.
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Não existem mitos, como bem o afirmou o ministro da Educação, o analfabeto Weintraub, quando posta em redes sociais o fato de que não existe Saci Pererê, nem terra redonda, nem Kafka, nem Boitatá, nem o boi Tatá, nem Moros ou Bolsonaros.
Como não existe ministro da Educação em nosso país.
Que paga e pagará muito mais caro no futuro por essa presença aparvalhada, puxassaco e esdrúxula.
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Retorno da Escravidão

De resto, o retorno da escravidão ganha cada vez mais adeptos e, com ela, as penas de castigos corporais.
Cada vez mais respaldados por quem tem em torturadores seus principais ídolos, e capaz de criticar qualquer pessoa ou discurso em defesa de direitos humanos.
Afinal, essa monstruosidade eleita para governar nosso país, deixou claro, várias vezes, que direitos existem apenas para os de sua turma: filhos, chegados, amigos, funcionários fantasmas ou não, policiais, milicianos.
Não existem direitos humanos para bandidos.
Esses devem ser execrados e, mesmo que por fome, mera gula de comer chocolate, ou por simples falta do que fazer, merecem é ser apanhados, retidos, desnudados, e torturados.
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E todo esse castigo imposto por quem tem a mesma origem, condição social, e até cor do meliante.
Independente do fato de o criminoso de tanta periculosidade ser menor de idade.
E de precisar que dois homens, DOIS, adultos, com algum treinamento como seguranças, sejam e sirvam como os agentes da punição.
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O que mais me preocuupa é que a reedição da figura dos capitães do mato, ou de capatazes, ainda mais filmada pelos próprios algozes é sintoma de que havia no ar, na cena gravada, no estabelecimento, ou nas redes sociais, a aprovação tácita para que o criminoso hediondo fosse punido. E tratado a chicotadas, para deleite daqueles que de humanos já perderam há muito qualquer atributo.
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Tortura nunca mais?

Mas, a ação dos seguranças, provavelmente aceita por baixo dos panos por muita gente que se considera honesta, de bons princípios, até cristã... e que causa agora comoção e leva os donos da loja a terem de adotar (constrangidos, talvez?) a medida de demissão nesse mundo de mi-mi-mi e desse inconveniente comportamento politicamente correto, não se dá ou ganha reforço à toa.
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A origem está no presidente e suas declarações, a favor do torturador e estuprador Ustra, que com seu comportamento desonra até o sobrenome, Brilhante.
De alguém como Stroessner e sua ditadura violenta e sanguinária no Paraguai.
Declarações a favor da repressão da Ditadura e dos porões que, curiosamente ele queria dinamitar, e que lhe valeu a exclusão da Força. (Ah! esses arroubos da juventude do tenentinho!!!)
Declarações a favor, agora, de Pinochet, o mais cruel e sanguinário, mais terrível ditador chileno.
Declarações que são ou podem servir como um salvo conduto a qualquer atitude, por mais bárbara que seja, mais humilhante ou mais abominável, desde que tal atitude seja adotada contra todos os que se posicionem contra suas posições e crenças.
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Ao defender a tortura, o presidente ofende a dignidade humana, e consegue colocar contra si e o país que infelizmente representa, todas as forças, inclusive as de mesma inclinação ideológica, que acreditam nas ideias como forma última de tentar melhorar a vida das civilizações e dos homens.
Essa a explicação para as reações de Pinera e de toda a direita chilena, como da própria direita mundial.
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Mas, para desencanto meu, ainda há os que insistem em defender esse estrupício que ocupa o Planalto e dá vexames em escala cada vez mais ampliada.
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Fico me perguntando o que será da abertura da sessão da ONU, dia 24 agora de setembro, ocasião em que o presidente do Brasil, por convenção é sempre quem pronuncia o primeiro discurso.
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Já antevejo Bozó alcançando a tribuna e as delegações se levantando e, em sua maioria, abandonando o plenário.
No que seria mais uma derrota vexatória para nosso país, senão a pior de todas.
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É isso.

Um comentário:

Anônimo disse...

Há coisas que continuam assustando e horrorizando, apesar de não serem novidade. Refiro-me ao apoio a jair que muitos ainda reiteram; indiferente de toda a desfaçatez, ignorância, boçalidade tão fartamente presentes no capitão...
E ainda o cinismo e a subserviência de sérgio e outros praticantes do capachismo esclarecido. Me faz lembrar de um provérbio que minha mãe sempre dizia: "me diga com quem tu andas e eu direi quem tu és"... que foi atualizado nas redes sociais substituindo a última expressão por "... que eu direi se vou junto".
É evidente que o apoio a ambos revelam muito sobre parte da sociedade brasileira.
Felizmente uma outra parte dá sinal de vida: começaram os panelaços...

Fernando Moreira