terça-feira, 15 de outubro de 2019

Homenagem aos professores, esses mestres da provocação em um país em que a Lei da Mordaça tenta voltar nas Escolas, sem partido

Terça feira, 15 de outubro, dia do professor.

Não poderia deixar de usar esse espaço para prestar minhas homenagens a todos os colegas que, dentro de sala de aula, nas bibliotecas, nos corredores, nos pátios, em qualquer espaço disponível nas escolas, colégios, faculdades, nos materiais e laboratórios da Educação à Distância, atendem à sugestão de Rubem Alves que atribui ao professor o papel de criar a alegria de pensar.
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Ser professor de espantos, mais que das matérias tradicionais em que o ensino se apresenta por motivações didáticas.
E atender àquilo que o Padre Geraldo Magela Teixeira, ex-reitor da PUC-MG e do Centro Universitário UNA, costumava afirmar, de forma a evitar que se perdesse o foco: nas escolas, até as paredes ensinam.
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É verdade. E, por ser verdade, importa destacar que se as coisas já estão todas à nossa volta, à nossa disposição, na Internet ou nas paredes das escolas, em todos os lugares, ou nos livros. o papel do educador é o de se tornar um provocador.
Não o dono das soluções acabadas e da palavra final. Mas aquele que provoca. Que aguça. Que estimula a curiosidade. Que questiona as verdades estabelecidas. E que ensina a pensar.
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Papel e comportamento bastante diferentes do que está sendo proposto hoje, em nosso país e em algumas de nossas instituições de ensino, para ser o padrão de comportamento do professor, e que atende pelo eufemístico nome de Escola sem partido.
Projeto que, aprovado em primeira votação na Câmara Municipal de Belo Horizonte, na data de ontem, procura, na verdade, servir como um tipo de censura. Feita justamente na intenção de não permitir que a apresentação de conteúdos de ensino deem espaço a questionamentos, contrapontos, debates, opiniões divergentes.
E eliminando aquilo que o senso comum e a sabedoria popular sempre destacaram, a ponto de transformar em um provérbio: Da discussão nasce a luz.
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O problema é que tal tipo de escola, capaz de levar a pensar, capaz de respeitar a divergência, capaz de entender a importância da provocação para aguçar o interesse do ser humano em aprender cria um cidadão mais consciente. Mais difícil de ser ludibriado. Mais difícil de ser manipulado.
E tal tipo de pessoa não se satisfaz com qualquer tipo de explicação simplista para os problemas e as dificuldades rotineiras da vida.
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Dessa forma, esse objetivo de criação do homem por inteiro, completo, íntegro, não combina com uma proposta de educação e transmissão do conhecimento que se pretende doutrinária. Dogmática.
Daí a proposição de que o professor em sala de aula seja apenas um conteudista, transmissor impassível e inerte de "verdades" que já existem e são apresentadas de forma muito mais divertida, muito mais agradável, muito mais fácil até, nas redes sociais, nos sites da internet.
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No fundo, a proposta de transformar o professor em um robô segue apenas a lógica de utilização dos programas de disparo automático de mensagens, de uso já bastante difundido, para entupir, entulhar, caixas de mensagem e correio eletrônico com material de interesse de grupos que buscam a dominação autoritária.
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Ao procurar limitar qualquer manifestação do professor, exceto a narrativa do conteúdo incluído nos livros, apostilas e outros materiais, impede que o conhecimento aproveite, para ser útil e se tornar uma ferramenta de desenvolvimento pessoal e social, a realidade de cada aluno. Impossibilita que cada aprendiz possa ter sua atenção despertada para a relação que existe entre aquilo que é o objeto de conhecimento e sua realidade. Dificulta que o aprendizado possa se tornar útil para sua vida e, como tal, venha a despertar-lhe a curiosidade e o desejo genuíno de aprender e questionar e aprofundar em sua busca de saber.
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A questão é que, para chegar a esse nível de estimulação, de vinculação do conteúdo com a realidade experimentada por aluno, a escola teria que ter espaço para discutir as realidades e os ambientes sociais completamente distintos. e as carências e necessidades e demandas totalmente estranhas de cada aluno individualmente. E de cada grupo social em que o aluno estivesse inserido.
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No fundo, isso seria despertar justo o tipo de discussão, de viés social, culturalmente marxista, que os defensores da Escola sem partido desejam evitar a qualquer custo. Por que isso significaria tocar o dedo na ferida. Identificar as raízes da desigualdade vergonhosa que deveria nos envergonhar e que  assombra a todo o mundo. Significa questionar as razões de tanta diferença de tratamento entre os mais privilegiados e os desfavorecidos, em um país pródigo em riquezas de toda espécie.
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Talvez manter toda essa questão debaixo do tapete seja o mais importante, em uma sociedade em que políticos que nunca fizeram absolutamente nada pela sociedade, além de discursos de ódio e desrespeito possam se passar por mitos.
Uma sociedade que abusa dos privilégios e que não quer perder nenhuma fatia de qualquer um deles.
Afinal, perder direitos significa cada vez mais desgarrar-se do pelotão que vai à frente, aproximando-se perigosamente do grupo que segue na traseira.
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Entende-se por isso, a luta de pais de um Colégio tradicional, de classe média alta, como o Loyola de Belo Horizonte, para impedir que qualquer material que leve a questionar seu mito e todo o status quo possa ser utilizado em sala de aula, ou como material para questão de prova.
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Pouco importa que as tradições do Colégio e da Companhia de Jesus que o mantém se proponham a formar o ser humano compassivo, humanista, democrático, solidário. Pouco importa que o texto se encaixasse à perfeição no conteúdo sendo tratado naquele instante, a saber, a estrutura e a forma de apresentação do texto de HUMOR.
Seria trágico, não fosse cômico, se já não houvesse em nossa literatura toda a discussão do temor que a possível existência de um livro sobre a Comédia,  de Aristóteles tivesse de fato existido.
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Embora, mais uma vez, o texto do blog acabe ficando longo, não resisti a citar trecho de artigo de Sérgio Medeiros, sobre a teoria do riso, do filósofo grego.
Porque, segundo o artigo, "para Aristóteles, segundo seus historiadores, o riso seria "próprio do homem", sinal de racionalidade humana, a necessária ligação do homem com os deuses através das ideias que elevam o espírito - (teoria da felicidade)..." (Teoria do Riso - o livro perdido de Aristóteles, por Sérgio Medeiros - da internet).
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Pois bem, para os críticos do filósofo, o riso rebaixava o homem, destruía a solenidade ou quebrava o dogma da fé e do respeito devido à.... divindade.
Razão porque Jesus não ria.
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O que temos então é um grupo de pais que não podem ver qualquer texto caricaturizando seu mito. Ainda e mais uma vez, dentro da concepção do fundamentalismo e do sagrado, que torna um texto de Duvivier profano.
Independente de tal texto servir para discutir questão de colocação pronomial e estrutura de textos de humor.
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Os pais e famílias do Loyola que se insurgiram contra o texto, e censuraram a sua utilização, tanto quanto a direção do Colégio que anulou a prova, submetido à vontade de tal grupo de pais apenas revelam que a censura está de volta. Velada. Mas íntegra.
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Mas, lembrando texto que li outro dia, de uma brasileira que mora na Suécia, a respeito de Greta Thunberg, visando demonstrar o que é uma sociedade mais igualitária, e as razões para tanto, quando comparada com uma sociedade em que cada um pensa apenas em seu próprio interesse, como a brasileira.
Dizia o texto que a professora pediu que os alunos fizessem experiência com um bambolê, para ver quantos poderiam caber no interior de um.
Ao final da experiência, as crianças perceberam que, se abraçadas, poderiam muitas delas caberem em um jogado no chão.
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Abraço de afeto, de solidariedade. De sensação de sermos todos um só.
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Diferente de nosso sinistro da Educação, que nem em Português tem dado demonstrações de saber se expressar, talvez por não ter estudo no Loyola.
Também ele favorável à Escola sem Partido, a nova forma de fazer valer a  Lei da Mordaça.
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Isso para não falar de Eduardo, o chapeiro de hamburguer, ex-futuro e, tomara, fracassado representante de nosso país no Trumpistão e seu evento ou Convenção de Direita no Brasil, realizado no último fim-de-semana, em São Paulo.
Onde teve a oportunidade de mais uma vez, mostrar total desprezo por democracia e respeito e dignidade, ao vestir a camiseta com ironias à sigla LGBT, traduzida para Liberdade, Guns de Armas, Bolsonaro e Trump.
Como as redes sociais perceberam, esqueceu-se do Q, de Queiroz.
Mas esse é assunto para outro pitaco.
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É isso.

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro amigo,
li o pitaco de hoje quando esperava por atendimento em uma repartição pública. Felizmente consegui ler tudo, sem interrupção, dando assim a merecida atenção ao belo texto.
Que me remeteu à minha infância, quando passava férias em São José da Varginha, na casa de um tio avô. Nascido ele em Pitangui gostava de falar sobre a Guerra de Canudos, quando testemunhou, ainda criança, o movimento de tropas rumo ao sertão baiano. Falava com eloquência que Antonio Conselheiro era o líder de fanáticos que queriam derrubar a república recém proclamada e derrotando cinco expedições do exército brasileiro. Foi derrotado pela maior e mais equipada delas, que contava com canhões de grande alcance... Concluía afirmando com a expressão "a religião pode ser também a ruína de muita gente..."
Ouvi dezenas de vezes aquela história e cada versão havia um ponto a mais, um detalhe que havia escapada da anterior. Em uma ocasião, ao voltar às aulas fui para a biblioteca pesquisar a respeito e pouco encontrei... para minha decepção apenas uma página na Barsa. Na primeira oportunidade perguntei a ele sobre a guerra e ele voltou a contar a epopeia. Mas daquela vez, foi ao quarto e trouxe um livro: Os Sertões... e disse, é grande, mas leia, quando voltar aqui você de traze-lo.
Eu não me aquentava de ansiedade. Peguei o livro com cuidado (já era muito antigo... notei uma série de palavras e também frases inteiras grifadas)... Mas para minha decepção pouco consegui entender e me entendiei com o livro e confrontei pela primeira vez, mas não a última, com minha ignorância.
Sete anos depois comprei um livro sobre o assunto: Canudos, a luta pela terra, então recém lançado. Devorei o livro e no feriado seguinte fui para São José da Varginha. Procurei meu tio e naquela noite ficamos próximos ao fogão a lenha falando sobre o assunto, na oportunidade levei meu gravador cassete e documentei a nossa animada e proza. No dia seguinte ele me presenteou com Os Sertões. E sentenciou: "você me contou muita coisa que eu não sabia... a gente tem de estudar mesmo..."
Estava ali o testemunho de um senhor já próximo dos noventa anos, disposto a ouvir, a aprender... Embora tivesse escolaridade rudimentar. Foi assim, sem querer, o meu primeiro professor de história: quando instigou a conhecer mais, abrindo as portas de minha curiosidade, provocando a pesquisa, estimulando a alegria e a aventura da descoberta.
Lamentável a reação dos pais do Colégio Loyola, triste, pequena, mesquinha... estes pais são a caricatura de si mesmos, provedores de uma sociedade intolerante, preconceituosa e escrava de um modelo social perverso e promíscuo. E a tal escola sem partido é mais uma peça deste jogo macabro.
Desculpe pelo longo texto.
Um abraço.

Fernando Moreira