terça-feira, 2 de junho de 2020

No planalto de minha imaginação, cavalgava um imbecil, enquanto em Alphaville, ou na Av. Paulista, os sinais trocados indicavam a distopia em que vivemos


Show de horrores, ou apenas mais uma cena trivial de nossa realidade cada vez mais distópica?
Falo do policial chamado para atender a ocorrência de desentendimento familiar, em Alphaville, São Paulo.
Trata-se do caso do empresário Ivan Storel, dono de joalheria instalada na região da Sé, região central da capital paulista, empresa que o site Metropoles.com informa ter capital registrado de R$ 20 mil.
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Empresário individual, conforme o mesmo site e, em tratamento psíquico, sob o efeito de medicamentos indevidamente misturado com álcool, nosso personagem ofendeu a mulher e, não satisfeito, com a chegada de guarnição policial ofendeu o militar, ao que parece um cabo.
Entre telefonemas para gente, provavelmente ocupante de algum cargo importante, em sinal evidente de carteirada, Storel humilhou o policial com frases dignas de um período de pandemia dupla causada, uma, pelo vírus da Covid-19;  outra, pelo oligofrênico eleito democraticamente pelo povo e que comanda os desígnios dessa desgraçada nação.
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Alías, para ser justo, o ex-capitão, não merece a adjetivação acima. Oligofrênico são os seus eleitores. Bolsotários são aqueles que apesar de tudo ainda o defendem, o que mostra claramente um nível de indigência mental a essa altura, sem qualquer esperança de regressão ou tratamento.
Porque Bolsonaro ou Bolsonazi é mais inteligente. Como as personalidades esquizofrênicas, esquisóide, sociopatas, o que ele já mostrou ser é tão somente um genocida autoritário. Adepto da eugenia. Inconsequente, incapaz de qualquer sinal de empatia.
Exceto para atuar em favor de sua familícia. A gangue do mal de Flavinho, Carlinhos e Eduardinho. Que antes fossem passíveis de comparação com a tríade de patinhos sobrinhos de Donald: Huguinho, Zezinho e Luizinho.
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Na familícia, o tratamento destinado a pessoas infantilóides que “papai” reserva-lhes, não nos permite a analogia: as brincadeiras e artes da trinca de sobrinhos era sem maiores consequências. Folguedos de crianças ativas! Bem diferente das brincadeiras armadas de quem tem ligações, mesmo que platônicas, com o crime.
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Mas, voltando a nosso empresário e os dizeres com que se referiu ao policial, são um primor:
“Você é um bosta. É um merda de um PM que ganha R$ 1 mil por mês, eu ganho R$ 300 mil por mês. Quero que se foda, seu lixo do caralho. Você não me conhece. Você pode ser macho na periferia, mas aqui você é um bosta. Aqui é Alphaville, mano”.
Desculpem-me  a reprodução do trecho, mas não é possível sonorizar o texto, e colocar piss agudos, para encobrir o palavreado de alto nível desse Storel. Quase escória ou escóriel.
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Para além da sinalização de que a Receita Federal deveria dar início a uma imediata investigação dos demonstrativos de rendimentos do nosso personagem, vale assinalar que seria importante que algum repórter fosse analisar se o nome do empresário individual não está incluído na lista de beneficiários do auxílio de R$ 600 reais da CEF.
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Mas, o que quero destacar aqui, além da descoberta de que Alphaville, da mesma forma que Brasília, parece ser um outro mundo, de fantasia, é a capacidade de destratar, desfazer de algum ser humano, apenas pelo fato de ele ter uma posição -socialmente relevante, mas não reconhecida, a ponto de ter uma remunerção aviltada.
Apenas em uma sociedade humana completamente cindida, já carcomida por dentro, podre e fétida, é possível entender a existência de pessoas que são superiores ou se julgam assim, pelo fato de terem – sabe-se lá como – grana. E ostentarem essa sua situação privilegiada.
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Storel no caso, se comportou – é importante revelar que ele já pediu desculpas, até mesmo à corporação e ao policial humilhado – como muitos de nós outros, que somos capazes de enxergar, valorizar ou dispensar qualquer tratamento digno ao outro, diferente de nós. Seja pela cor de sua pele, seja por sua profissão, seja por sua forma de agir, vestir, comportar-se, seja por seus modos grosseiros de pouca educação formal, seja pela sua remuneração.
Quantos de nós já não viu, ou pior, fingiu não ver alguém na rua, talvez na janela de nosso carro pedindo esmola, apenas por ser um inútil?
Ou pior: INVISÍVEL.
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Mas o fato em si nos ajuda a entender o ambiente roto em que criamos nossa vida cada vez mais distópica. Afinal, se não fosse um empresário, mesmo bêbado, mesmo de Alphaville, a pergunta que não quer calar é outra: Qual teria sido o comportamento do policial militar?
Não é fato que na periferia o policial se acharia poderoso, importante? Não é fato que lá, ameaçando meninos ou adolescentes, negros, pobres, a maior parte, com fisionomia típica de pivete, pronto para praticar algum mal feito, não agiria com agressividade e autoritarismo?
Na comunidade, arma em punho, talvez depois de ter trocado tiros – 70, quem sabe? – ou de ter atirado granadas e ter fuzilado um garoto NEGRO  de 14 anos (apenas o exemplo mais recente de tantos outros tratados desde logo como bandido) o soldado não passaria a agir tal qual o xerife do velho oeste, cavalgando as  planícies, como o bossal do presidente cavalgou a montaria da Polícia no planalto central?
O macho, com estrela no peito, e o mais profundo vazio, para liderar mais uma marcha contra as instituições democráticas?
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Saindo de Alphaville e do guarda, mas juntando coisas como marchas e movimentos e comportamentos de PMs.
Vamos para a Paulista, a avenida. Para acompanhar a marcha das torcidas organizadas de São Paulo, unidas para combater o golpe que se prenuncia.
Movimento pacífico, que ultrapassou os decibeis e incomodou talvez, vizinhos, tantos foram os gritos, a plenos pulmões, em prol da Democracia.
Isso, ao que parece e foi a reação de parte da Polícia de Doria, defender, clamar, exigir o respeito à democracia parece ter sido alçado, senão à condição de crime, à de contravenção penal.
E dá-lhe cacete para quem sabe, de repente, as torcidas inimigas, passarem a ter a equivocada percepção de que o que as separa (o futebol) é mais importante que o que as une (uma sociedade justa, digna, com respeito aos valores do Estado de Direito!).
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Do lado de lá, a marcha da insensatez: uma bolsotária, dessas que parece fugida de um hospício qualquer, portando um taco de beisebol.
A ela, toda a atenção, carinho, desvelo e gentileza do policial que a recomendou voltar para junto dos seus, os valorosos defensores do autoritarismo, do golpe, da ruptura democrática.
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Em meio a esse ambiente, valentões, especialmente os valentões que saíram de seu recolhimento para se unirem à turba de bolsotários, manipuláveis, e meros invólucros, com cérebros já carcomidos por tanta fake news e tanta mentira, apenas para fazer a lavagem já celebrizada há tanto tempo: Uma mentira repetida mil vezes, transforma-se em uma verdade.
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Mas, vários valentões da gangue comandada pela famílicia, agora libertam-se de seus fracassos, da carga de complexos que vieram acumulando ao longo de anos, talvez por não ter sido dada a eles a oportunidade de estudarem, de serem profisisonais de sucesso (nesse funil que é o mercado de trabalho), de serem cidadãos que tinham condições de morar em ambientes mais salubres, mais saudáveis, menos rígidos e rigorosos, pelo rigor que acompanha, desafortunadamente, a pobreza, a miséria, a vida invisível.
Foi isso que Bolsonaro e sua chegada ao poder destampou.
O horror da liberação do interior da lâmpada de Aladim, do gênio do mal. Vingativo, disposto a fazer anos de recalque e sofrimento servirem de alimento para uma vingança contra o mundo opressor, desigual e injusto.
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Tais valentões, pela dura lida, não tiveram – é necessário que se reconheça – outra forma de se desenvolverem, senão pela energia gasta em atiividades capazes de lhes criarem e dotarem de portentosos feixes de músculos.
Nenhum desenvolvimento cognitivo, ou intelectual, ou cultural.
O que os faz, hoje, pelo medo que sua forma física de academia inspira, preferirem pela imposição da força. Como forma de ocupar o espaço vago dos neurônios atrofiados.
Esses valentões, não passam de recalcados que agora acreditam que lhes foi dado, pela vez primeira o reconhecimento. Agora sua existência tem sentido!!
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Mal sabem ou não sabem, estupidificados que são, que depois do golpe, se houver e não for contido; depois da reação que espero que aconteça, desde já, antecipando-se ao golpe; será contra eles que os autoritários conquistadores do poder se voltarão.
Afinal, a maioria desses que pretendem alcançar o poder supremo não tolera o desigual, o diferente, e só querem o poder para exercer para eles, em nome deles, por eles esse poder. Para isso, irão excluir os que apenas se encaixaram, tardiamente, a suas fileiras.
Esses servem para tropa. Como bucha de canhão. Mas nunca serão tratados como iguais, menos ainda como membros de uma raça pretensamente superior.
São os coitados que, ao final, ajudarão seus algozes a os eliminarem do centro de suas atenções.
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Para encerrar, uma reflexão provocada pelo comentário que li, hoje, na Folha, sobre o livro “A Deseducação do Negro”, de Carter Woodson, historiador e negro americano. Livro de 1933, traduzido para o Brasil há dois anos e que eu desconhecia.
De minha leitura, veio a minha memória a história do elefante, desde pequeno preso às estacas do circo e terrivelmente castigado sempre que tentasse algum ato de maior liberdade.
A ideia é que, preso desde pequeno, sem condições de tentar reagir e sem forças, então, para levantar o circo em sua fúria libertária,  o comportamento do animal acabaria por torná-lo completamente anulado. Incapaz de reconhecer sua força e lutar, depois de adulto.
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Acho que no Brasil, os negros, os pobres, os meninos de comunidades foram, anos a fio, deseducados, para aprenderem a respeitar uma pátria onde sempre foram párias.
Pela deseducação a que foram submetidos, nunca foram considerados, independente de cor, origem, etc. pessoas aptas a buscarem suas próprias visões de mundo, seus ideais, espaços de manifestação e formas de lutas.
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Lutar, querer se afirmar seria apenas questionar a nossa formação cordial, humanista, igualitária e .... de miscigenação cultural, onde todos são respeitados (???)
Comportamentos de autodeterminação e identificação com causas próprias seria apenas a expressão de algum rebelde sem causa. Mais uma jabuticaba no balaio de produtos humanos que o Brasil é capaz de gerar.
Afinal, não é o Brasil uma democracia multirracial? Rica e variada? De várias culturas, pensares e vertentes?

2 comentários:

Vilela A disse...

Professor, comungo da sua aflição: realmente estamos presenciando um show de horrores! Hoje, particularmente, foi um dia triste pra mim. Na minha cidade, Diamantina, várias mulheres expuseram nas redes sociais, mais especificamente no twitter, diversos casos de assédio sexual e abuso psicológico pelos quais já passaram, principalmente em festas de república. Impressionou-me o número de mulheres que relataram casos de estupro; a maioria dos casos aconteceu em festas.

Faço um gancho com o presente texto, em que você relata o caso do homem que ofendeu e humilhou o policial alegando ganhar muito mais dinheiro que ele. Além disso, conheço e convivo com pessoas tão ignorantes, que chegam a me dar pena: hoje um conhecido me disse que iria parar de assistir ao Jornal Nacional porque este só serve para falar mal de Bolsonaro. Triste. A nossa sociedade está doente.

Fico pensando se não deveria ser incluído nas escolas, desde criança, disciplinas como empatia e respeito ao próximo, política, economia, direitos humanos, crimes hediondos... Professor, precisamos ensinar valores, incentivar a busca pela informação, a arte, a cultura! Ensinar nossas crianças e jovens a lerem jornal, a se politizarem, mostrar para elas que o dinheiro não define a importância de alguém, que o feminismo é importante sim.

Eu, que estou hoje com 33 anos, começo a pensar em ter filhos. Sempre ouvi algumas pessoas dizerem que não queriam ter filho porque o mundo é um lugar muito ruim. Confesso que achava exagero, mas hoje não acho mais. Penso no quão complicado e desafiador é educar uma criança no mundo de hoje.

Enfim, minha única esperança de evoluirmos é o investimento em educação. Resta-nos pedir com muita fé que esse desgoverno acabe logo e que o próximo governante pense dessa forma e aja nesse sentido.

Unknown disse...

O retrato da burguesia que segrega. Só queria que o governo aplicasse a regra social que lhe cabe, e que os brasileiros se adaptaram... Põe o bonitão do 300 mil por mês a pagar 50% de imposto de renda e libera os menos abastados.