quinta-feira, 18 de março de 2021

Elevação da Selic; câmbio; reservas internacionais: não basta matar 300 mil brasileiros, há que esgotar com 370 bilhões de dólares de nossas reservas

 Em reunião que se encerrou na noite de ontem, quarta feira, o COPOM – Comitê de Política Monetária, do Banco Central decidiu elevar a taxa básica de juros da economia, a SELIC, em 0,75%.

A elevação, como destacado pela grande imprensa, representa a primeira elevação dos juros desde julho de 2015, o que não significa que não fosse antecipapa por agentes do mercado, em razão da elevação dos indicadores da inflação no país.

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Dessa forma, se surpresa houve, deveu-se mais à variação de 0,75%, frente à expectativa de 0,5% no limite.

Além da medida, o Banco Central já antecipou a decisão de novo aumento, de mesma magnitude, para a próxima reunião a ser realizada no prazo de 45 dias.

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Embora pelo sistema de metas inflacionárias adotado pelo país a medida seja o instrumento quase exclusivo para o combate à inflação, a justificativa para a elevação da taxa não se prende, nesse momento, ao repique inflacionário, apenas.

Outro motivo ocupa o primeiro plano da preocupação do colegiado composto pelos diretores do Banco Central: a desvalorização do câmbio.

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Cabe aqui, recordar a frase atribuída a Mário Henrique Simonsen, o ministro da Fazenda do governo Geisel, para quem se “ a inflação aleija, o câmbio mata”.

A questão é que, para uma economia que cada vez mais se especializa e depende da produção e exportação de “commodities”, a elevação do preço do dólar significa maior receita de vendas em reais e maior lucro para os produtores que optarem por destinarem sua produção para venda no mercado externo.

O que é muito benéfico para as contas do setor externo do país.

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Assim, ao optar por deslocar sua produção para o mercado externo, haverá menor oferta de produtos internamente, redução que, frente à manutenção da demanda irá pressionar os preços. Ou seja: a desvalorização cambial alimenta, por esse lado, a elevação de preços, em especial de alimentos e minerais e matérias primas, indispensáveis para a indústria.

Situação que reflete de forma mais realista, o verdadeiro significado de inflação: a carestia. O desabastecimento; o sumiço dos produtos nas gôndolas, pela impossibilidade de os comerciantes reporem os estoques, cada vez mais caros, com o resultado das vendas dos produtos que realizaram.

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Fica fácil perceber, pois, que para que o desabastecimento não surja, o produtor deve tomar a decisão de vender sua produção no mercado interno, o que só fará aos mesmos preços que consegue obter, depois de feita a conversão do preço em dólar, cada vez maior, para a moeda nacional.

Por outro lado, em especial, em termos de insumos industriais, mais elaborados, de maior valor agregado e maior conteúdo tecnológico, na maior parte das vezes, a economia brasileira depende do fornecimento externo: as importações.

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Entre as razões para tanto, podem ser citadas o processo de desnacionalização enfrentado pelo país pós Plano Real e liberalização e flexibilização dos fluxos de capitais, via privatizações e privatarias; via tomada de controle de empresas nacionais por capitais externos. Além dessa processo, deve ser citado o processo de desindustrialização a que o país foi submetido desde os anos 90; a queda de produtividade da economia brasileira, fruto de uma série de fatores, dentre os quais destacamos a baixa qualificação e capacidade tecnológica de nossas empresas e trabalhadores.

Em duas palavras da moda, a falta de investimento em Educação e Ciência (e tecnologia).

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O problema é que a dependência de importações, inclusive na questão dos combustíveis fósseis, implica na realimentação da espiral inflacionária, mais uma vez, em função do câmbio desvalorizado.

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Observa-se que o câmbio provoca a elevação da inflação, como efeito de causas externas, que nada têm a ver, como alguns querem fazer crer, com a elevação da emissão monetária posta em curso pelo Banco Central, em razão da pandemia. Nem é culpa da elevação de gastos públicos, que representam muito mais nesse momento de crise sanitária que atravessamos, o resultado do gasto de transferências de renda que a compra de produtos, muito específicos, por parte do governo. Ou seja, se há gastança pelo governo, não é necessariamente do tipo de gasto que possa ser considerado capaz de pressionar a oferta interna de produtos.

Do lado dos beneficiados com o auxílio emergencial, seria até dispensável argumentar com sua quase irrisória participação na elevação de preços, em especial de alimentos.

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Ninguém igonora que o benefício pago permitiu a milhões de cidadãos brasileiros invisíveis terem sua existência descoberta pelo ministro Guedes. Tampouco que o pagamento permitiu a muitas famílias poderem se sustentar e adquirirem os produtos que lhes assegurassem sua subsistência.

Mas, nem o auxílio foi tão significativo, embora muito relevante para várias famílias, quando superou em muito a soma de outros auxílios sociais obtidos; nem se o auxílio foi capaz de permitir a compra de alguns produtos a mais que aqueles que compõem a cesta básica.

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Além disso, lembremos que as parcelas do auxílio foram declinantes, de 600 reais as quatro primeiras, para 300 reais as últimas. E as compras devem ter continuado a serem realizadas, embora em valores mais limitados, enquanto a inflação escalava, justo no período da redução do rendimento.

De mais a mais, o auxílio era destinado a dar condições de todo aquele prejudicado pelo desemprego ou pela impossibilidade de obter a sua sobrevivência dos bicos do mercado informal, poder continuar se sustentando.

Logo, informalmente todo esse contingente de 66 milhões de pessoas, já estaria obtendo recursos e participando do mercado.

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Se a inflação não se deve à elevação da demanda ou à emissão monetária, então sua origem encontra-se nos choques de oferta, pela quebra de safras. Ou a explicação que passa pelo câmbio.

Isso, independente de o Banco Central ter atuado para conter a escalada do dólar tendo, inclusive, utilizado as reservas internacionais formadas pelos governos petistas, para injetar dólar a vista no mercado forçando a queda de sua cotação.

As reservas internacionais, que encerraram 2020 no nível de 350 bilhões de dólares, estavam em 343,5 bilhões ao final de fevereiro depois de terem atingido os 378,1 bilhões em meados de 2019.

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A utilização das reservas constituídas, é preciso deixar bastante claro, pelos governos esquerdistas ou “comunistas” do PT, estão sendo dilapidadas aos poucos pelo  (des) governo liberal e sem propostas, do genocida Bolsonaro.

Não basta matar mais de 300 mil pessoas, há que esgotar também com os 370 bilhões de reservas que esse desgoverno herdou.

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Entendidas as razões que justificam a elevação da Selic, resta analisar, brevemente duas questões: a primeira, o país pode estar caminhando, celeremente para uma situação de estagflação, desemprego em alta, queda do PIB ou desempenho pífio, e inflação em escalada, mesmo que não acelerada.

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Tal situação que representa o pior dos dois mundos, teria a capacidade de alimentar o agravamento de ambas as situações. Senão vejamos: a incerteza de ganhos na esfera produtiva, seja pelos efeitos deletérios da pandemia e da mortalidade que ela acarreta, seja pela elevação dos juros, que impactam positivamente os ganhos financeiros da riqueza fictícia, às custas de adiamentos, atrasos, paralisações de decisões de investimento ou mesmo de produção do setor real da economia, acaba criando um panorama desfavorável aos negócios. Tal cenário leva os donos do capital, principalmente o externo, mas não só, a retirarem seus recursos do país. A saída ou fuga de capitais, alimentada por toda a situação de caos político, social, sanitário que o país atravessa, acaba pressionando para cima os preços do dólar.

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Dólar mais caro, realimenta o processo espiral de inflação maior, mais risco de reações sociais ou políticas (perda de popularidade dos governantes), mais fuga de capitais; ao mesmo tempo, preços mais caros, importações mais caras, dificuldades maiores de importação de insumos, redução das atividades produtivas, maior desemprego, mais invisíveis, necessidade de aumento dos prazos e valores de auxílios emergenciais, maior gasto público, maior endividamento interno...

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Ou seja: o cenário é trágico, embora não poderia dizer que é pessimista.

Como diz a lei de Murphy: não há situação nenhuma ruim que não possa piorar.

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Por tudo isso, acho que o Banco Central ao elevar a Selic, agiu mais de forma a atender à pressão ou chantagem dos agentes do mercado financeiro, que estão cada vez mais exigindo juros futuros maiores para continuarem financiando o governo, no processo de rolagem da dívida.

Ou seja: talvez a explicação seja fruto da captura do órgão regulador pelos regulados.

O que já era previsto.

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Uma última observação: em um país em que a instabilidade é a regra; a Justiça é morosa, e nem um pouco preocupada em fazer prevalecer o direito; o governante é um sociopata, genocida; os políticos vivem todos em um parque de diversões, aproveitando as cores, as luzes, a música em meio aos carrinhos de uma montanha russa; os ministros são meros capachos, e a população é composta de eleitores capazes de votarem em lixo, não sobra muito espaço para tratar de temas como o retorno e o discurso de estadista de Lula; as reações de Bolsonaro; o retorno cada vez mais acintoso da censura; as trocas de seis por meia dúzia nos ministérios do terror; a lives proponentes de golpes por parte do genocida.

Por isso, peço desculpas aos amigos que acompanham nossos pitacos.

Um comentário:

Daniel Penido L. Amorim disse...

Vi como boa grande parte de sua análise econômica mais técnica. Um economista que associa a inflação apenas à emissão de moeda, como na Teoria Quantitativa da Moeda, demonstra desconhecimento da Economia Monetária moderna, no que diz respeito à Regra de Taylor e a função reação do Banco Central, que inclui ainda o câmbio e o hiato do produto entre as variáveis explicativas consideradas. Contudo, quanto ao final da parte mais técnica do texto, é importante considerar que o aumento da taxa de juros, no caso brasileiro, deve atrair capital estrangeiro direcionado aos títulos públicos, impactando o câmbio via a conta de investimento em carteira do balanço de pagamentos. Particularmente, faz tempo que vejo a taxa de 2% como insustentável no longo prazo. Era previsível que ela afetaria a transmissão (pass-through) da taxa de câmbio ao ponto de elevar a inflação. Uma taxa de juros um pouco mais alta deve equilibrar melhor taxa de câmbio e inflação.