quarta-feira, 3 de março de 2021

"Aliado da morte, Bolsonaro usa o vírus  para torpedear Guedes e evitar que a sociedade se dê conta de que o rei está nu e sua política econômica é um retumbante fracasso"

Nesses tempos de cólera e mortalidade em alta, tenho passado horas a procurar respostas para o comportamento, característico de um genocida, adotado por Jair Bolsonaro.

Devo confessar que perplexidade e frustração são, até agora, os únicos resultados a que minhas análises têm me conduzido. Provavelmente, por força de partir de hipóteses incorretas ou inaplicáveis.

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Talvez residisse aí meu principal engano: querer ver racionalidade em um comportamento de alguém, que apenas é revelador de uma personalidade sociopata. Antissocial. Alguém completamente incapaz de sentir empatia pelo outro ou remorso por suas ações e condutas.

Procurando entender melhor os portadores de tal transtorno, apoio-me no Google que informa que pessoas com tais características tendem a ser autoconfiantes, arrogantes e teimosos.

Traços que se aplicam bastante bem ao perfil do ex-capitão, até no que revelam de forma implícita. Afinal, especialistas argumentam que aqueles que fazem questão de mostrar quão autoconfiantes são, em geral são pessoas dotadas de enorme insegurança.

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Nesse sentido, autossuficiência e autoestima serviriam como um EPI, um equipamento para esconder a verdade interior, de insegurança e timidez.

Ao contrário, portadores de autoconfiança dentro de limites razoáveis seriam pessoas equilibradas, conscientes de suas capacidades, e que não precisariam ficar alardeando tais atributos.

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Sem conhecimentos mais amplos para dar pitacos sobre o tema, apenas assinalo que, em minha opinião, o presidente não passa de um inseguro.

Senão vejamos: dono da Bic -  mas poderia ser uma Mont Blanc, sem qualquer problema -  ninguém discuto o fato de que é dele, desde que dentro da lei, a assinatura com poder de fazer, deixar de fazer, vetar, nomear, escolher, direcionar ações, atividades e metas. Algumas, várias, envolvendo o que faz o mundo funcionar: recursos financeiros.

No entanto, sua preocupação em não se tornar uma rainha da Inglaterra, ou em demonstrar que ele é quem manda, ou quem demite ou convida ministros e assessores, que ele é que foi eleito, etc. chega a ser risível, tamanha a insistência em expressar o que é a essência do estado de direito, em relação ao candidato sufragado pela maioria do povo.

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Ora, a isso, dá-se o nome de democracia. E, dentro das atribuições e competências discriminadas em documentos legais, tudo que ele fizer ou se propuser a fazer, deve ser obedecido.

Até por militares, de patentes mais elevadas, conquistadas ao longo do exercício de toda uma carreira.

Sim, em nosso país, os generais de 4 estrelas devem prestar continência e obediência ao capitão, comandante em chefe das Forças Armadas.

Isso é o que está lá no livrinho.

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Mas, não é só em termos de poder e autoridade, que Bolsonaro parece ter dúvidas hamletianas.

Sua necessidade de se mostrar macho, imbrochável, um reprodutor de primeira linha, capaz de gerar outros vários machos com apenas uma fraquejada, é notória. Difundida como sua função de garanhão, justificativa usada para os recursos recebidos a título de auxílio moradia, enquanto deputado.

Ou ainda, sua referência ao passado de atleta, capaz de lhe assegurar imunidade e saúde, mesmo contra vírus poderosos, causadores de mera gripezinha, frente ao temível e saudável organismo. Status de atleta que procura transmitir por meio de sessões constrangedoras de flexões que realiza, ou com a prática de futebol, ou corridas rasas.

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Comportamentos que se alternam com outras em que exibe cenas de "golden shower", ou faz questão de tecer algum comentário de cunho homossexual.

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Mas acho que seria uma hipótese algo simplória, de minha parte, atribuir ao presidente um desejo sádico de assistir ou acompanhar o sofrimento do povo. Seria simplista alegar sua aliança com o vírus, e sua subordinação à morte.

Ele pode ser sádico, além de não ser coveiro, como fez questão de nos esclarecer. Já mostrou também  que não se acha todo poderoso, afinal, todos vão mesmo morrer, e ele lamenta, mas o que ele pode fazer?

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Mais sério, claro, foi sua comemoração em acertar, não as medidas de prevenção frente à pandemia, não as compras de vacinas capazes de asseguraram esperança à população: esperança de vida.

Ele preferiu comemorar que todas as previsões, os maus presságios, que havia feito, se concretizaram. O que era uma inverdade. Mas, preferiu comemorar a morte de um dos indivíduos do grupo de teste para a Coronavac, evento infeliz, sem qualquer vinculo com a realização dos testes.

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A mim, é difícil esquecer sua expressão de derrota ou decepção, ao se referir à chegada das vacinas e ao início do processo de vacinação em nosso país.

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Que ele indicasse tratamentos inócuos, como a montagem e distribuição de kits Covid, ineficazes e com efeitos colaterais desconhecidos ou arriscados, poderia ter explicação. Afinal, a compra e até a fabricação de medicamentos poderiam ter rendido gastos extravagantes, emergenciais e extrateto, com interesses outros, não explicitados.

Que mandasse uma delegação com funcionários graduados fazer um tour por Israel - país onde a vacinação foi considerada prioridade máxima e onde até o primeiro ministro se prontificou a participar da campanha de conscientização em prol da vacina- em busca de uma proteína sob a forma de spray nasal, ainda em estágio preliminar de testes contra o corona, dá para entender.

Afinal, é o tipo de negócios que, bem negociado, permite rachadinhas interessantes.

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Mas, minha hipótese mais atual é de que Bolsonaro preferiu se aliar ao vírus e aos seus efeitos deletérios apenas para não ter que reconhecer que o rei está nu. E assim, não ter que debater a real e frustrante realidade que é responsabilidade exclusivamente sua.

Afinal, é dele a escolha de ministros. Foi dele, por mais que os interesses do mercado financeiro pressionassem, a escolha de um economista de formação liberal, formado em Chicago e treinado no fracasso da experiência chilena de Pinochet: Paulo Guedes.

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Guedes, incensado pelos “mercados” representava o salvo conduto,  junto àqueles que, de fato possuem e exercem o poder, a assegurar a chegada de Bolsonaro ao governo.

Lembremos que Bolsonaro sempre deixou claro que nada entendia de economia, como também que, quando estudante da Academia Militar, estava em voga e sendo disseminada uma visão de desenvolvimento fortemente nacionalista, capitalista, desigual, com forte presença do Estado, então militarizado e autoritário, como indutor do programa destinado a transformar o país no Brasil grande, no Brasil potência.

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Difícil acreditar que quem sempre preferiu se meter com distribuição de recursos entre funcionários de seu gabinete, e distribuição de recursos entre milicianos, fosse ter visão macroeconômica, ou ainda visão liberal.

Mas Guedes era tudo aquilo que  o oportunismo do capitão recomendava. E faro ele sempre mostrou ter. Ao menos para as pequenas ilegalidades.

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Tal oportunismo eleitoral, levou à nomeação de Guedes à situação de Posto Ipiranga, justo no momento em que o petróleo iniciava uma recuperação de preços no mercado internacional. E, como preços elevados do óleo bruto representam aumento de custos de toda a cadeia dos combustíveis dele derivados, a alta do preço do barril e dos combustíveis, com a resultante alta dos custos de transportes, soma-se à nossa dependência do modal rodoviário para escoamento da nossa produção, afetando os preços em geral, especialmente de produtos como alimentos, de grande impacto na cesta básica das famílias brasileiras.

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Enquanto o óleo subia de preço, junto com combustíveis, transportes e preços em geral, que se elevaram 4,52%, acima da meta de inflação, o apoio de Bolsonaro junto a parcela importante de seus apoiadores, tratados como gado, descia ladeira abaixo. 

Junto com a queda de apoio, iniciava-se a perda de prestígio de Guedes. Afinal, a política de preços de mercado da Petrobrás segue a lógica de mercado da cartilha de Guedes.

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Mas, os conflitos entre o Guedes Ipiranga e o Bolsonaro, “militar” estatizante, já vinham durante todo o governo. E entre anúncios de medidas no sentido da liberalização e retrocessos, ficou claro para os donos do capital que haviam embarcado em uma canoa com maiores fugas de água que aquela que haviam previsto.

Investidores internacionais começaram a retirar recursos do país, repatriando recursos. A incerteza no ambiente econômico, fez o dólar se valorizar.

Com isso, preços de produtos internacionais tornaram-se mais elevados, com efeitos duplos: por um lado, encareciam produtos como o petróleo, e disparavam nova reação em cadeia de preços já tratada. De outro, tornavam mais interessante para produtores de “commodities” direcionarem sua produção para mercados no exterior. Vendas pagas em dólares valorizados representavam elevação de receitas e ganhos para os produtores do agronegócio, como: soja e derivados, milho, insumos para ração alimentar para rebanhos.

Vale assinalar que tais produtos já tinham demanda elevada por parte de mercados chineses, o que ajudava a elevar os preços em dólar.

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Internamente, o efeito foi nova elevação de preços de alimentos e produtos de primeira necessidade, realimentando a alta de preços.

Inflação que nada tem a ver com aumento de demanda interna como consequência de pagamento de auxílio emergencial ou a elevação de gastos e déficits, ou expansão monetária para dar curso ao pagamento de tais auxílios.

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Junto à inércia e inação de Guedes, acovardado para se manter no cargo, e a elevação inflacionária dos preços, a economia não cresceu como era a promessa quando do golpe contra a presidenta Dilma; o desemprego só fez aumentar, apesar das reformas ditas estruturantes ou modernizadoras, na verdade meras medidas de castração dos direitos trabalhistas e sociais, e emasculação da classe trabalhadora, até chegar ao resultado do PIB de queda de -4,1%, a maior da série, em 2020.

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Ora, como a queda do PIB pode facilmente ser atribuída ao vírus, a melhor estratégia para esconder o tremendo fracasso da área econômica seria dar corda e continuar dando corda ao seu efeito deletério, sobre a vida, a sociedade, a economia.

O governo cada vez apresenta um resultado pior. Mas Jair tem uma desculpa. E sem poder culpar a Guedes, sua escolha, melhor se aliar ao vírus.

Que mantém o sonho vivo para 2022, apesar de não dar a mesma certeza em relação à população e aos eleitores de Bolsonaro.

Certeza apenas a narrativa de que a bandeira do país jamais será vermelha. Como o sangue anêmico da população que segue bovinamente o presidente.  


Um comentário:

Pat disse...

Boa análise, Paulo. O sentimento diante a tanta destruição e descaso com a vida é indignação e perplexidade diante da cegueira dos seguidores irracionais de figura tão perversa.
Não desanimamos na luta pela defesa pela vida, e pela vida digna para todos.
Força e coragem!!!