Já tive a oportunidade de me manifestar antes, mas não custa repetir a minha opinião: Bolsonaro é apenas um covarde.
Característica que, conforme os recentes
casos noticiados e fartamente documentados, parece um padrão de conduta típico, forjado nas escolas
e academias militares ou no convívio na tropa.
Tal juízo se confirma pela observação
do comportamento do ministro general Luiz Eduardo Ramos, da Casa Civil, e sua
decisão de se esconder para tomar a vacina contra a Covid; ou do general Pazuello,
ex-ministro da Saúde, em sua covardia ridícula no atendimento à convocação para
testemunhar na CPI da Covid, do Senado; ou o comportamento omisso do general Augusto
Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, salientado em
reportagem de março último da IstoÉ; e até mesmo do general Mourão, sempre solícito
em expor suas opiniões discordantes aos jornalistas, embora preferindo se resguardar
de apresentá-las diretamente ao presidente.
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Admitida a covardia ostensiva de
Bolsonaro, há que se analisar seu discurso não como um conjunto de desculpas
esfarrapadas e vadias. Há que se buscar, em suas falas, mesmo que desconexas,
algum motivo recôndito. Motivo das reflexões deste pitaco.
Assim, por mais que não concordemos
com a racionalidade (se alguma!) de seu comportamento, uma reflexão talvez
permitisse lançar alguma luz sobre o caos de seu mandato.
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Nesse sentido, por mais que já tenha
sido exposta a lógica de sustentação da sua defesa da cloroquina e outros
medicamentos ineficazes, é importante destacar que a hipótese aqui sustentada é a de que tal defesa, longe de estar
ligada a questões médicas, farmacêuticas ou de saúde, tem a ver com a Economia.
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Em várias ocasiões Bolsonaro teve a
oportunidade de manifestar sua preocupação com os rumos da economia, em
especial com a taxa de crescimento do país e com a decorrente redução das taxas
de desemprego. Ou vice-versa.
Nunca é demais lembrar que o inimigo
com que se confronta, o oponente privilegiado que o capitão elegeu como alvo a
ser batido, e até condenado ao esquecimento, não é outro senão o presidente
Lula, que no último ano de seu mandato entregou uma taxa de crescimento de 7,5%
do PIB.
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Daí seu temor e suas críticas à adoção
das medidas recomendadas pela ciência, de restrição ou isolamento social, expressos
desde o início da pandemia na afirmação de que “ Se a economia afundar, acaba o governo...” .
Também não é demais lembrar que seu ídolo,
Trump, apresentava números de desempenho econômico em seu país, que Bolsonaro sonhava atingir. Isso, antes da
chegada da Covid.
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E pouco importa que ele tivesse
acreditado no discurso estapafúrdio e destrutivo de Paulo Guedes, indicando-o
para o Ministério da Economia e para o papel de principal conselheiro.
Guedes não entregou nenhum resultado
positivo prometido no primeiro ano de governo. O que não impediu de continuar
angariando o apoio dos setores empresariais de nossa elite putrefata, espoliadora
e especulativa, acrescida de uma rara capacidade de adotar um comportamento de
puxa-saco. Além de seguir o perfil do chefe: negando em um dia a afirmação mais
descabida que havia feito no dia anterior.
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Bolsonaro percebeu que não conseguiria
levar a economia a um comportamento minimamente esperado, seja por culpa de Guedes
e pelas políticas ou não-políticas adotadas; seja em razão da chegada da
pandemia. Daí seu apego à cloroquina.
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Não que fosse sua intenção promover uma
mortandade recorde da população do país (mesmo que intuísse que as vidas
ceifadas seriam as da população mais pobre, mais necessitada e, em sua visão,
menos merecedora de sua atenção e cuidados); nem que perseguisse a chamada imunidade
de rebanho, conceito cujo significado tenho dúvidas que fosse capaz de enteder.
Não se tratava de saúde pública, mas
de procurar estimular e levar a população às ruas em busca de emprego, com a
ajuda do desmonte que Guedes arquitetara em relação às relações de trabalho,
cada vez mais precarizadas e à retirada de direitos trabalhistas históricos.
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O que revela que, mesmo tendo afirmado
ter lido a obra de Keynes, na língua original, Guedes foi incapaz de entender
que o comportamento do nível de emprego não depende da disposição do trabalhador,
senão que do estado de expectativas e das decisões do empresário, dono dos meios de produção.
Comprando a ilusão vendida pelo bufão Guedes,
e em busca da expansão do nível de atividade econômica, Bolsonaro parece ter
visto na cloroquina o passaporte, ou o seguro para que o trabalhador pudesse se
dirigir ao seu local de trabalho dando curso à produção.
Dessa forma, a cloroquina reduziria o
medo de o trabalhador se infectar ou transformaria a infecção em algo banal,
sem gravidade (“uma gripezinha”!).
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Por isso o desespero do ex-capitão quando
o desenvolvimento de estudos médicos começou a demonstrar tanto a ineficácia da
cloroquina no tratamento da pandemia, quanto os seus efeitos colaterais potencialmente
letais.
Voltar atrás na recomendação do
remédio significaria não apenas admitir seu erro, mas aceitar ficar a reboque de
governadores e prefeitos, que ele encarava como potenciais concorrentes ao Planalto,
na adoção das medidas sanitárias que ele tanto criticara.
Além disso, tal retrocesso poderia ser
interpretado como a admissão de sua responsabilidade em relação a algumas das
mortes ocorridas.
Talvez essa seja a razão de optar por
partir para o tudo ou nada, aprofundando sua aposta, mantendo e intensificando o
comportamento omisso e irresponsável adotado
desde o início da crise sanitária.
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Quanto à reiteração das bravatas de
que teria pronto um decreto visando impedir as medidas de isolamento social decididas
por prefeitos e governadores, à essa altura, quando a vacinação avança mesmo a
passos lentos no território nacional, minha opinião é de que servem a outro
propósito.
Acredito até que acabará emitinto o
decreto, assim que os índices de vacinação em relação à população forem
maiores, e os valores de contágio e óbitos estiverem em níveis tão reduzidos quanto
aqueles de ocupação da capacidade dos serviços hospitalares.
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Nesse caso, e com a crise sob maior controle,
o ex-capitão poderá tentar uma jogada para ser lembrado como o responsável por medidas
que permitirão a tão necessária retomada da economia, como ele sempre pregou.
Sem consequências maiores e mais graves para o povo.
A ideia seria, então, procurar ser lembrado
como a última referência na defesa dos interesses dos trabalhadores, para aproveitar-se
da memória curta do eleitorado.
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Embora não vinculada imediatamente ao senhor
da morte, outra questão que acho interessante discutir nesse pitaco diz respeito à visão dos nossos militares (o
que inclui o capitão) em relação à Amazônia.
É corrente a opinião de que os militares
têm, a respeito daquela região, uma visão ultrapassada, anacrônica, de defesa
das riquezas do território nacional e de nossa soberania. Sob essa ótica, os
militares serviriam para impedir que forças militares estrangeiras promovessem
uma invasão, com possível domínio e anexação daquelas terras aos seus países e interesses.
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Tal crença seria cômica, especialmente
quando se sabe que, aos militares e ao governo atual, pouco importa que houvesse
a exploração econômica das terras amazônicas e suas riquezas por empresas de
capital e interesses estrangeiros.
O ponto focal é que houvesse a
exploração econômica do bioma, que deixaria de ser tratado como um santuário, passando
a gerar algum tipo de renda para o país ou grupos nacionais associados.
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Se a questão da exploração nacional
versus estrangeira é uma falsa questão, qual o verdadeiro interesse dos militares
na Amazônia?
A hipótese que apresento é a de que a
soberania é mera cortina de fumaça, artifício para justificar o discurso da
necessidade da presença das Forças Armadas no local. E justificar a existência
e custeio de uma instituição como o Exército nacional, sem qualquer outra
função aceitável e crível, em benefício do Estado e do povo brasileiro.
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