quinta-feira, 27 de maio de 2021

O círculo de ódio: reflexões sobre movimentos extremistas da (ultra)direita e da manipulação das fraquezas de seus apoiadores

Este pitaco é para tratar do Brasil. Esse Brasil tão bem descrito na coluna de Sérgio Rodrigues, na edição impressa da Folha de hoje, como um país dividido, de forma maniqueísta em Brasil A e B, respectivamente o país das forças pró-vida e pró-morte. De forma tão simplesmente binária quanto organizada e oposta.

E, no entanto, é tudo um país único: Brasil. Brasil A.D ou D.D., antes ou depois da destruição.

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Mas, começo por registrar um evento ao qual ainda não fiz referência e que, de forma inequívoca, causou uma profunda cicatriz em minha forma de refletir nosso país e o mundo.

Trata-se da exclusão da deputada Liz Cheney,  filha do ex-vice presidente republicano Dick Cheney, da cúpula de líderes (ela ocupava um dos três cargos mais importantes) daquela bancada.

Pelas notícias e análises veiculadas, a deputada foi ferrenha advogada do impeachment do presidente derrotado Trump, após a invasão, por ele incentivada, ao Capitólio.

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Curioso é o fato de a deputada adotar comportamento neocon, ou seja, de cunho conservador, considerado à direita do partido dos vermelhos (os republicanos, o que mostra que a cor, em si, não pode ser responsabilizada por qualquer posicionamento político!). 

Isso antes da eleição de um populista da direita ultra-radical, que exigiu a destituição da deputada da liderança: Donald Trump.

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Levando em conta o histórico de fanfarrão de Trump, mais preocupado com o mundo das celebridades, mesmo que em níveis mais rasteiros do ponto de vista cultural, confesso ter sérias dúvidas quanto ao posicionamento político que imputam a Trump, de direitista extremado.

Ao contrário, minha opinião é que, atraído pelos holofotes proporcionados pelo cargo, e em função de seu desmesurado ego, Trump era o idiota ou o fantoche mais adequado para se envolver em uma luta, a princípio vista como derrotada, dentro de seu próprio partido.

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Por trás de Trump, as ligações espúrias, nefastas, dos irmãos Koch com Steve Bannon, o ideológo e responsável pela eleição do fanfarrão.

Creio que, ao longo de seu mandato, as ações de Trump foram, na maior parte das vezes, orientadas pela troica, ao menos até a morte de David Koch, em 2019.

Mas, é indiscutível que Trump conquistou, contra a maioria das apostas, não apenas a indicação de seu partido para a corrida eleitoral à presidência, como foi eleito, com manipulações ou não.

Claro, para tanto, muito contribuiu o movimento do Tea Party, já bastante robusto, desde a indicação de Sarah Palin como candidata a vice de John McCain, em 2008 (ou desde antes, das obras de Ayn Rand).

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Voltemos ao nosso país. Aqui, como na matriz, o miliciano genocida que ocupa a presidência da República sempre foi um boquirroto, um fanfarrão, capaz de abrir a boca para manifestações completamente toscas, abjetas, baixas, grosseiras.

Um idiota que se gabava de nunca ter feito nada na vida, de relevante, exceto ameaças, a maior parte das vezes, infundadas por delirantes ou espetaculosas.

Desde a ameaça terrorista de instalar artefatos explosivos na cidade do Rio de Janeiro, quando militar, até depois de sua expulsão por meio do “convite para se retirar”,  na carreira de representante do povo.

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Como deputado, sua folha corrida é como o grau de sua inteligência: nula.

Mas, se apresenta sinais de deficiência cognitiva e de intelecto, o deputado miliciano sabia como se comportar para, no esgoto e nas sombras, ganhar apoio, fazer fortuna e apropriar-se de dinheiro dos outros em favor próprio, seja por meio de contratações de funcionários fantasmas, seja por rachadinhas.

Esperto, logo encaminhou os filhos para, sob a governança de Queiroz, reproduzirem a apropriação indébita de recursos privados ou públicos.

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Além disso, é inegável sua vaidade, típica da personalidade de portadores de psicopatias ou sociopatias graves.

E o indivíduo com tal perfil foi escolhido, assim como Trump, para servir de invólucro para as ideias de um astrólogo com pretensões a filósofo mor e guru político, como Olavo de Carvalho. Personagem que mantém vínculos de amizade com Steve Bannon e Dugin.

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Surge aqui um terceiro nome, Aleksandr Dugin, referenciado como o guru de Putin.

A ligar os três gurus, uma visão baseada no tradicionalismo com base em trabalhos de filósofos tidos como esotéricos, como René Guénon e o italiano Julius Évola.

Em sua leitura dos filósofos responsáveis por estruturar o tradicionalismo, pontos em comum, como um olhar crítico à idade moderna, de que desdenham. Para eles, a queda de valores e símbolos da espiritualidade, o predomínio do raciocínio científico e da razão sobre os valores religiosos, o materialismo e a organização da vida social em organizações supranacionais, globalistas, são males que devem ser combatidos e destruídos, pela capacidade de tais valores estabelecerem comportamentos sociais comuns ou comunistas!!

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Sob tal ideia de manutenção do status quo, ou até da volta no tempo, para a época de sociedades de castas e direitos não reconhecidos para todos, sua linha de ação se baseia em negacionismo, construção de realidades paralelas, mentiras ou “fake news”, ou uma “fake reality”.

Para tocar tal disparate em frente, e transformá-lo em diretrizes de políticas públicas, só pessoas inteiramente ocas de conteúdo, conhecimento, ou discernimento.

Aqueles por quem sentimos vergonha alheia, já que incapazes, de se envergonharem por si mesmos.

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O que me causa estranheza é que tais políticos eleitos não representam apenas uma embalagem espalhafatosa para  ideias esotéricas. Eles têm seguidores. Logo, representam uma camada de indivíduos que, para mim, representam o pior dos seres vivos a habitarem o esgoto da sociedade humana.

Pessoas que, provavelmente, nem mesmo tinham consciência de toda a podridão que continham e vieram cultivando ao longo de uma vida, provavelmente de frustrações e incapacidade de lidarem com dificuldades, adversidades. Sempre desenvolvendo teorias conspiratórias centradas em inimigos que lhes roubaram o que era seu por direito (divino?).

Indivíduos limitados, medíocres, incapazes de extraírem lições das derrotas e de se tornarem vitoriosos.

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Daí, ausentes de valores mais dignos, passam a pregar e destilar ódio; discursos de negação da vida, do direito à diversidade, de proteção aos mais desvalidos e mais fracos; de desrespeito ao meio ambiente, à mãe Gaia, templo de toda a vida.

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Claro, aí no meio, alguns distraídos, cada vez mais arrependidos de terem tomado a embarcação que lhes vendeu o sonho utópico da viagem mais mirabolante. Alguns, como parte dos eleitores de Trump, incompetentes para lidarem com as mudanças de que se tornaram vítimas, que lhes roubaram o emprego, a renda, a vida digna.

O que lhes acarreta um problema sério, em uma sociedade em que pessoas sempre foram classificadas como vencedores ou perdedores (losers).

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Em um ambiente em que se vende a ilusão da concorrência entre iguais, livres, em igualdade de condições, perdedores criam a visão mais trágica de si mesmo, perdendo o auto-respeito e o amor próprio. Tornam-se, aos seus próprios olhos, uns párias. Dispostos a tudo.

Aqui a influência de personagens como os irmãos Koch, ou os magnatas do capital financeiro, os plutocratas que não se preocupam com a  utilização de dinheiro para a produção ou a geração de emprego e renda. Preocupam-se apenas em atividades especulativas, rent seeking.

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Ninguém fala ou expõe a realidade nua e crua: a concorrência não é livre nem todos têm as mesmas armas e condições. A meritocracia é apenas uma falácia.

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Se existem esses perdedores, ludibriados em sua fé no mercado e nas condições (falsas) de livre concorrência dos mercados, não devemos nos esquecer que, mais cedo ou mais tarde, o conhecimento das verdadeiras condições acaba por se impor. O que cria as condições favoráveis para o arrependimento.

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Pior são os que não nutrem essa visão idílica da sociedade em que vivemos. Os ratos de esgoto que, com o advento da internet e das redes sociais apropriaram-se do espaço novo, para destilarem suas ignomínias.

Um comentário:

neuza botelho de melo disse...

Análise perfeita! Recomendo o compartilhamento. Informação é poder.