Não sou uma pessoa medrosa. No entanto, tenho medos, alguns até exagerados, como o de altura.
Sempre
tenho a impressão, sei lá porque, de que o chão lá embaixo está com o dedo me
chamando, me atraindo. Grande parte das vezes, fico com minhas mãos molhadas de
um suor inoportuno. Por isso, prudentemente evito beiradas de sacadas,
varandas, janelas.
Mas
não evito andares elevados. Já andei muito de ultra-leve, não tenho medo de
avião, e desci escorregando de toboáguas insanos. (Eu insano. Não o brinquedo!).
Também já passei pela experiência de circular por montanhas russas (de porte
médio, sem looping).
No
caso da montanha russa, não saí de lá com uma sensação boa.
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E
se inicio este pitaco com meus temores é que, cada vez mais, me assalta a ideia
de que nosso país está vivendo uma situação de autêntica montanha russa. Pior:
sem qualquer equipamento de segurança.
O
que justifica a dificuldade de manter os pitacos com uma periodicidade mínima
razoável.
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Afinal,
as coisas estão acontecendo, ou melhor, se desconstruindo de forma avassaladora.
Aos trambolhões. Como que em um turbilhão.
O
que tem me deixado espantado, mas satisfeito. Porque a desconstrução que era a
estratégia de ação política do desgoverno de nosso país, atingindo instituições,
valores, relações sociais, e colocando em risco o Estado de direito, a Democracia
e a Paz Social, alcança - e já não era
sem tempo! - ao próprio governo.
Governo
que vê suas entranhas putrefatas corroídas, expostas em praça pública, para que
toda a naçao possa perceber aquilo que ele é. O que sempre foi: antro de corrupção.
Governo de milicianos corruptos, protegidos por uma espécie de farda ou manto
de honradez.
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Então,
cada vez que eu preparava meu pitaco, e antes de postá-lo, a realidade já era
outra, talvez paralela, e o pitaco já estava desatualizado. Atropelado por fatos
novos e mais dignos de atenção, que surgiam de forma avassaladora.
***
Foi
assim com a questão da CPI e suas várias e acertadas inflexões: i) do atraso
criminoso, face à falta de vontade política para a negociação e compra de vacinas
pelo governo para, ii) a discussão do
kit de tratamento precoce, com substâncias “off label” e “off the rails”. Ou, iii)
a formação de um gabinete paralelo, de aconselhamento ao responsável pela
mortandade a que o país foi condenado. Em outras palavras, a tentativa em
identificar os cúmplices do genocida no comando.
***
Naquela
oportunidade, gostaria de ter manifestado minha impressão de que a investigação
do tal gabinete paralelo, e dos médicos citados como seus integrantes, não levaria
a lugar algum. Não apenas pela regular e constante - E PREVISÍVEL – postura negacionista adotada pelos depoentes.
Mas pelo equívoco em que a CPI incorria, em minha visão.
É
que a negação de existência de um gabinete paralelo não representava, necessariamente, MAIS uma mentira. Necessariamente
não era fake.
***
Como
o que veio a público foi um vídeo de uma reunião, no Palácio, do irresponsável
pelo desgoverno de nosso país com alguns dos médicos defensores das teses ‘terraplanistas’
do tratamento precoce, não vejo como condenar aos conselheiros, mesmo que errados,
por decisões tomadas por outra pessoa.
Isso
não significa que a expressão gabinete paralelo fosse uma criação ou invenção
da CPI. Nunca podemos deixar cair no esquecimento que a ideia de formação de um
“shadow cabinet” ou gabinete sombra ou ainda gabinete paralelo apresentada verbalmente
pelo médico virologista Paolo Zanotto, advogado da opção pela linha anticientífica.
***
Mas,
se houve a reunião, se médicos recomendavam tratamentos ineficazes, se foi
formado um grupo consultivo ou não, gostaria de fazer duas reflexões.
A
primeira, relativa às consequências desse gabinete junto ao vassalo que ocupava
o ministro da Saúde e sua equipe, inteiramente desprestigiados, tratados como o
descarte de lixo na mesa de baralho.
A
segunda, ligada a uma questão que considero mais delicada, já que não considero
ser um ato criminoso, nem criticável, que alguém, obrigado a tomar decisões em
assuntos que não domina, queira ouvir opiniões – às vezes até antagônicas- para
formar seu juízo.
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Assim
ainda que tal gabinete existisse e suas propostas fossem completamente equivocadas,
como provaram ser, não acho que quem o integrava devesse ser acusado, ou
condenado pela mera expressão de suas crenças.
Se
tais pessoas merecem alguma punição, essa deve ser adotada pelos órgãos e conselhos
de classe a que pertencem, com base nos códigos de conduta profissionais a que
tais profissionais estão sujeitos.
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De
mais a mais, se o responsável pelo des- governo adotou as propostas sugeridas,
mesmo falhas, e insistiu teimosamente em sua defesa, ele é o responsável exclusivo,
único, do resultado e pela mortandade atingidos. Ou seja: se há alguém a se imputar
o crime pelas mortes evitáveis, esse é o ocupante do poder executivo. Apenas
ele.
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Afinal,
quantos de nós já não fomos aconselhados por amigos a assumirmos a direção de
um carro mesmo depois de comemorações com drinks e bebedeiras? Quantos de nós já não ouvimos sugestões para a
adoção de comportamentos ilegais, imorais, de mau gosto? Quantos fomos aconselhados
a adotar alguma decisão, como a de abandonar um emprego, nos endividarmos além
de nossas possibilidades, de não pagarmos uma fatura, ou até de, ao invés de
conversar, dar um jeito de entrar na justiça, fazendo litigância de má-fé?
Importa
frisar: independente dos maus conselhos, não é o fato de recebermos orientações
equivocadas que nos levam a agir. Ao contrário, nossas ações se dão sob a inspiração
de nossos princípios, nossas crenças, ou de nossa avaliação dos riscos e potenciais
consequências e penalidades.
***
Logo,
o mesmo deve valer para aquele cujas decisões causaram a morte de mais de 510
mil brasileiros. É este irresponsável, por omissão ou dolo, que deve ser
responsabilizado por toda nossa tragédia.
***
Mas,
em mais uma das reviravoltas inesperadas da montanha russa a que estamos submetidos,
surge agora uma denúncia séria de corrupção, feita por um deputado da base
governista e ao que parece integrante do grupo de pessoas do círculo mais
íntimo ao presidente, o deputado Luis Miranda. E, de repente, o governo se vê
apanhado em um verdadeiro looping.
Que
o deputado seja íntimo do presidente fica claro não só por ter tido acesso ao
gabinete oficial, levando de carona o seu irmão. Em especial, a questão é que o
presidente não se viu acanhado ou constrangido em fazer comentários
desabonadores de figuras de elevada posição em seu governo. Observo que o presidente
não falava de um inimigo político, mas o acusado de estar cometendo mais uma
merda, era ninguém menos que seu líder, o seu representante maior junto ao
Legislativo.
***
E,
informado do ato suspeito, o que fez o criminoso instalado no Planalto? Nada,
exceto prevaricar, em mais um crime para constar em sua ficha corrida.
Isso,
se não vislumbrou ali uma janela de oportunidade para que um filho seu se aproximasse
e se envolvesse com alguns dos suspeitos de participação na ação espúria.
***
Se
Ricardo Barros se envolveu em falcatruas com a Precisa (a sucessora da Global)
e seus dirigentes; se agiu para liberar vacinas sem aprovação da Anvisa, a
preços majorados e em condições atípicas, completamente esdrúxulas; se quis se
beneficiar deste trambique, além de outros, com testes, etc. foi o senador Flávio
Bolsonaro quem acompanhou, “como qualquer parlamentar o faria”, o presidente das
empresas suspeitas ao BNDES, para tratar de questões financeiras.
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Vale
destacar aqui é que a suspeição quanto ao contrato de compra desta vacina não atinge
à metade do valor do contrato de aquisição de equipamentos de informática
(computadores, laptops) para distribuição a escolas do país, patrocinada pelo
FNDE, operação com irregularidades identificadas, denunciadas e, finalmente suspensa
pela AGU, fato que Elio Gaspari não se cansa de registrar em sua coluna na
Folha de São Paulo.
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De
igual forma, é importante lembrar que Marcelo Álvaro Antônio, Ministro do Turismo
do governo Bolsonaro pelo período de
dois anos, foi denunciado pelo Ministério Público de Minas Gerais por vários
crimes (falsidade ideológica, associação criminosa e apropriação indébita), sem qualquer reação por parte do presidente.
Ao
contrário, sua exoneração do cargo só ocorreu em consequência de o ministro ter
publicado críticas duras ao ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo
Ramos e à articulação política do governo.
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Destaca-se
também a presença de Ricardo Salles no Ministério do Meio Ambiente, condenado por
crime de improbidade administrativa, em primeira instância, sentença revertida dois
anos depois pela segunda instância; além de suspeito de crimes ambientais e
investigado pela PF.
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Ou
seja, o que não dá mais para esconder é que o governo Bolsonaro está repleto de
ações e pessoas suspeitas, tanto entre seus auxiliares, quanto entre seus
familiares (vide as ligações com milicianos no Rio, as rachadinhas de Flávio ou
de Carluxo, ou os cheques de Queiroz para Michelle).
E
que a opção pela inação alimenta uma suspeita ainda maior sobre o comportamento
(ou a falta dele) por parte do presidente eleito sob a bandeira ilusória do
combate à corrupção.
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Resta
apenas perguntar: identificado que o presidente não tem apenas um, mas vários
bandidos de estimação, dos quais se torna cúmplice por omissão, o que dizer de
seus eleitores, em especial daqueles que alegam não ter bandido pet?
Um comentário:
jaMé está ladeira abaixo, o que não significa que seu propósito esteja... a turma do curralinho, infelizmente, não deixará de existir. Foram libertados, como ocorre com monstros de toda natureza naqueles filmes trash, cujo enredo está presente em nosso país desde 2016, e tem sequencias cada vez mais bizarras.
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