quinta-feira, 7 de julho de 2022

Dívida pública, cenário econômico e PEC da Corrupção (ou kamikaze?) e os vínculos com o maior mensalão da República, o orçamento secreto

Em Dívida – Os primeiros 5.000 anos, David Graeber argumentava contrariamente à necessidade de pagamento de dívidas, em especial as dívidas acumuladas pelos países da periferia do mundo, menos desenvolvidos, junto aos países centrais.

Em seu raciocínio, estas dívidas já teriam sido pagas em valores múltiplos ao empréstimo inicial, por força do pagamento de juros acumulados aplicados.

Além disso, argumentava que a constituição destas dívidas, sob a alegação de gastos realizados com obras de infraestrutura, por exemplo, incorporava um mecanismo perverso de exploração dos mais pobres pelos mais ricos.

Tentando ser sintético em assunto de tamanha complexidade, países ‘colonizadores’, mais desenvolvidos, tributavam as populações nativas, sob a justificativa de organizar um aparato que permitisse organizar as sociedades, suas relações sociais e econômicas.

Com o dinheiro arrecadado dos tributos, financiavam os gastos necessários ao desenvolvimento da produção e de sua comercialização, em geral atividades sob a gestão de cidadãos dos países ricos em atividades que exploravam os recursos e conhecimentos dos povos conquistados.

Estes recursos que facilitavam o trabalho de exploração e expropriação dos povos nativos, é que iriam constituir a dívida sobre a qual  os juros seriam capitalizados.

Dessa forma, os ganhos e lucros ficavam com os estrangeiros investidores, enquanto o ônus ficava com o país mais pobre.

Em resumo: a população do país pobre paga, coercitivamente, para que o estado mais desenvolvido use esses recursos em financiamentos destinados a aperfeiçoar o mecanismo de exploração e extração das riquezas naturais do país pobre. Ao final do processo, o país pobre ainda deve assumir a dívida formada em sua origem, com seus próprios recursos.

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Interrompo aqui a extensa referência à análise de Graeber, antecipando desculpas por algum eventual engano em meu entendimento.

No entanto, gostaria de utilizar de um raciocínio análogo para tratar do tema desse pitaco: a aprovação da PEC que vem sendo chamada PEC do Desespero, ou PEC Kamikase nos meios mais ligados ao mercado financeiro.

Para mim, nem uma coisa nem outra. Prefiro chamá-la PEC da Corrupção ou do Golpe.

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Explico: kamikase em razão do temor, justificado, de tratar-se de uma medida de fundo apenas eleitoreiro, populista, atrasada em relação a seu alegado motivo (o aumento da fome no país) e que ampliando gastos públicos, rompe as regras todas da boa governança das contas públicas. Ou seja: para tentar alavancar a intenção de votos no candidato à reeleição, o governo rompe todas as regras da prudência defendidas pelo mercado financeiro.

Com o controle das contas públicas sob risco, os mercados avaliam que o governo não terá alternativa a ampliar seu grau de endividamento, razão por quê, taxas de juros e dólar sobem. Os mercados tornam-se mais avessos ao risco, mais conservadores, em situações de incerteza.  ***

Ocorre que o pacote de gastos ou ‘bondades’ de curto prazo que a PEC promove (que poderão ser triturados e reduzidos a pó pela elevação da inflação que ele pode alimentar) é, em grande medida, bancado pela arrecadação de tributos, desviados de seus objetivos iniciais.

O que significa que parte da população (os miseráveis) está sendo beneficiada  com recursos extraídos de parte dessa mesma população (classe média? Mais ricos?).

E o governo ao conceder aumento de vale gás, às famílias mais carentes; vale diesel de 1000 reais aos caminhoneiros; ampliação do antigo Bolsa Família, hoje Auxílio Brasil, para um valor de 600 reais já cobrado pela oposição há mais de um ano, além de uma incorporação desordenada e sem controles das famílias a serem atingidas, acaba ‘VENDENDO’ a ideia de que, às portas da eleição, fez um tremendo esforço e um enorme favor para os mais necessitados.

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Graeber destaca que dívida não é apenas aquele valor que pode ser submetido a cálculo, para sua liquidação. Neste ponto, dívida é mais moral. Pode ser uma dívida por um favor feito a alguém. Ou até dívida por algum evento inusual, atribuído a alguma divindade.

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Então, a população poderá ser manipulada e convencida de que a dívida pública que está sendo criada pelo governo (e que é de toda a geração atual da sociedade!) é na verdade uma dívida para com o governo.

Os recursos da população, passados ao governo, são vendidos como um gasto que o governo está fazendo por meio de aumento de seu endividamento, para que essa população pague esta dívida mais à frente.

De preferência: pague em votos, em quantidade suficiente para sufragar o governante bonzinho.

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O governante, seus aliados na montagem do negócio ilegal, contam com esse sentimento de gratidão dos mais miseráveis. E tramam a aprovação de um absurdo juridico, fora de hora – o Estado de Emergência – para corromperem uma ampla parcela da população.

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PEC ou Proposta de Emenda à Constituição, que deve ser aprovada a toque de caixa na Câmara mais venal de que se tem notícia na história política do país, para que seja decretado o Estado de Emergência.

A necessidade dessa medida é que, sem ela, o governo estaria cometendo crime de responsabilidade, aprovando pacote de benefícios sociais em ano de eleições, o que é proibido pela Constituição e nossa legislação eleitoral.

Não houvesse esta proibição, qualquer governante, por mais inepto ou inescrupuloso que fosse, miliciano ou não, genocida ou não, passaria todo seu mandato sem fazer nada exceto turismo interno, e no momento final, despejaria sacos de dinheiro comprando os votos da população.

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Uma PEC necessita de ao menos 2/3  mais 1 de votos em ambas as Casas legislativas. Exige votação qualificada, e em dois turnos.

A presente PEC provoca um problema de consciência grave, junto aos opositores: durante mais de ano, eles acusavam a inação do  governo, denunciando a falta de ações capazes de mitigarem o sofrimento dos mais necessitados.

Agora, quando o governo age de forma capciosa, eles irão contra tudo o que pregaram e defenderam?

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A oposição está refém. De um governo que age com sadismo, frente a grande parte dos que jurou defender.

Daí, PEC da Corrupção. Dai PEC que desmonta o aparato jurídico institucional, e muda a Lei Maior de um país, num golpe, sem qualquer discussão ou estudo de suas consequências.

Desta PEC, para outra que instaure o fim do regime democrático de Direito, resta pouco chão a ser trilhado.

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Mas, o governo responsável pela morte de 680 mil brasileiros na pandemia; pelo atraso de vacinas; pela agressão constante ao meio ambiente, de porteira distraidamente arreganhada; de queimadas incentivadas para a expansão do agronegócio troglodita, o desmatamento, a mineração devastadora; de falta de fiscalização de regiões destinadas ao crescimento de zonas de contrabando de flora, fauna, espaço de ampliação da atuação do narcotráfico; pelo armamento de todo tipo de criminoso, travestido de CACs (caçadores, frequentadores de clubes de tiros); pela morte de nossos ambientalistas, e povos nativos, ou qualquer um que se preocupe em resguardar matas, florestas, clima, riquezas naturais; esse governo é também o maior responsável pela velocidade inédita do avanço da corrupção em nosso país.

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Não bastasse tirar o país da 6ª posição entre as maiores economias do mundo; nos colocar na 13ª posição na maior parte deste desgoverno; de apenas agora retornar ao 10º lugar no ranking; não bastasse trazer a inflação (saudosa?!) dos anos da ditadura militar de volta; ou não conseguir debelar o problema do desemprego, só abaixo de 10% em razão do aumento de pessoas desalentadas ou em ocupações por conta própria, ou seja, cada vez mais precarizados. Não bastasse a renda média estar em queda, a pobreza aumentando e a concentração de renda ficar cada vez mais dramática.

ESTAMOS ASSISTINDO À EVOLUÇÃO DO MAIOR MENSALÃO da história, agora disfarçado de Orçamento Secreto, ou verbas do relator.

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 De quebra, o MEC tornou-se um antro ‘evangélico’ (?) de tramoias e trapaças de toda espécie: desde a compra de equipamentos de computação - à proporção de mais de 300 máquinas por aluno -, até a compra de kits de robótica para escolas sem água, em localidades, sem acesso regular à internet. Ou a negociação de obras junto à distribuição de bíblias gratuitas; tudo por apenas algumas barras de ouro...

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Conseguimos a proeza de piorarmos em todos os quesitos que integram o mínimo necessário para o julgamento e classificação de uma sociedade que se deseja ética, moral, culturalmente desenvolvida; avançada e em condições de promover e incorporar novas e mais avançadas tecnologias, com respeito às diversidades e ao respeito à dignidade humana. Mais solidária e justa.

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É contra o desatino e desconstrução promovidas pelos milicianos e suas famílias no poder do país, que temos de reagir.

Aceitando as esmolas com duração até o final do ano, dos benefícios com prazo para terminarem, porque delas depende a sobrevivência de muitos.

Mas sem abaixar a cabeça, derrotados pelo tratamento dispensado por nossos governantes, que insistem em tratar o povo como meras mercadorias.

É isso.

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