Em
Dívida – Os primeiros 5.000 anos, David Graeber argumentava contrariamente à
necessidade de pagamento de dívidas, em especial as dívidas acumuladas pelos países
da periferia do mundo, menos desenvolvidos, junto aos países centrais.
Em
seu raciocínio, estas dívidas já teriam sido pagas em valores múltiplos ao empréstimo
inicial, por força do pagamento de juros acumulados aplicados.
Além
disso, argumentava que a constituição destas dívidas, sob a alegação de gastos
realizados com obras de infraestrutura, por exemplo, incorporava um mecanismo
perverso de exploração dos mais pobres pelos mais ricos.
Tentando
ser sintético em assunto de tamanha complexidade, países ‘colonizadores’, mais
desenvolvidos, tributavam as populações nativas, sob a justificativa de organizar
um aparato que permitisse organizar as sociedades, suas relações sociais e
econômicas.
Com
o dinheiro arrecadado dos tributos, financiavam os gastos necessários ao desenvolvimento
da produção e de sua comercialização, em geral atividades sob a gestão de cidadãos
dos países ricos em atividades que exploravam os recursos e conhecimentos dos povos
conquistados.
Estes
recursos que facilitavam o trabalho de exploração e expropriação dos povos
nativos, é que iriam constituir a dívida sobre a qual os juros seriam capitalizados.
Dessa
forma, os ganhos e lucros ficavam com os estrangeiros investidores, enquanto o
ônus ficava com o país mais pobre.
Em
resumo: a população do país pobre paga, coercitivamente, para que o estado mais
desenvolvido use esses recursos em financiamentos destinados a aperfeiçoar o
mecanismo de exploração e extração das riquezas naturais do país pobre. Ao final
do processo, o país pobre ainda deve assumir a dívida formada em sua origem,
com seus próprios recursos.
***
Interrompo
aqui a extensa referência à análise de Graeber, antecipando desculpas por algum
eventual engano em meu entendimento.
No
entanto, gostaria de utilizar de um raciocínio análogo para tratar do tema desse
pitaco: a aprovação da PEC que vem sendo chamada PEC do Desespero, ou PEC
Kamikase nos meios mais ligados ao mercado financeiro.
Para
mim, nem uma coisa nem outra. Prefiro chamá-la PEC da Corrupção ou do Golpe.
***
Explico:
kamikase em razão do temor, justificado, de tratar-se de uma medida de fundo
apenas eleitoreiro, populista, atrasada em relação a seu alegado motivo (o
aumento da fome no país) e que ampliando gastos públicos, rompe as regras todas
da boa governança das contas públicas. Ou seja: para tentar alavancar a intenção
de votos no candidato à reeleição, o governo rompe todas as regras da prudência
defendidas pelo mercado financeiro.
Com
o controle das contas públicas sob risco, os mercados avaliam que o governo não
terá alternativa a ampliar seu grau de endividamento, razão por quê, taxas de
juros e dólar sobem. Os mercados tornam-se mais avessos ao risco, mais
conservadores, em situações de incerteza. ***
Ocorre
que o pacote de gastos ou ‘bondades’ de curto prazo que a PEC promove (que
poderão ser triturados e reduzidos a pó pela elevação da inflação que ele pode alimentar)
é, em grande medida, bancado pela arrecadação de tributos, desviados de seus objetivos
iniciais.
O
que significa que parte da população (os miseráveis) está sendo beneficiada com recursos extraídos de parte dessa mesma
população (classe média? Mais ricos?).
E
o governo ao conceder aumento de vale gás, às famílias mais carentes; vale
diesel de 1000 reais aos caminhoneiros; ampliação do antigo Bolsa Família, hoje
Auxílio Brasil, para um valor de 600 reais já cobrado pela oposição há mais de
um ano, além de uma incorporação desordenada e sem controles das famílias a
serem atingidas, acaba ‘VENDENDO’ a ideia de que, às portas da eleição, fez um
tremendo esforço e um enorme favor para os mais necessitados.
***
Graeber
destaca que dívida não é apenas aquele valor que pode ser submetido a cálculo,
para sua liquidação. Neste ponto, dívida é mais moral. Pode ser uma dívida por
um favor feito a alguém. Ou até dívida por algum evento inusual, atribuído a
alguma divindade.
***
Então,
a população poderá ser manipulada e convencida de que a dívida pública que está
sendo criada pelo governo (e que é de toda a geração atual da sociedade!) é na
verdade uma dívida para com o governo.
Os
recursos da população, passados ao governo, são vendidos como um gasto que o governo
está fazendo por meio de aumento de seu endividamento, para que essa população
pague esta dívida mais à frente.
De
preferência: pague em votos, em quantidade
suficiente para sufragar o governante bonzinho.
***
O
governante, seus aliados na montagem do negócio ilegal, contam com esse
sentimento de gratidão dos mais miseráveis. E tramam a aprovação de um absurdo
juridico, fora de hora – o Estado de Emergência – para corromperem uma ampla
parcela da população.
***
PEC
ou Proposta de Emenda à Constituição, que deve ser aprovada a toque de caixa na
Câmara mais venal de que se tem notícia na história política do país, para que
seja decretado o Estado de Emergência.
A
necessidade dessa medida é que, sem ela, o governo estaria cometendo crime de
responsabilidade, aprovando pacote de benefícios sociais em ano de eleições, o
que é proibido pela Constituição e nossa legislação eleitoral.
Não
houvesse esta proibição, qualquer governante, por mais inepto ou inescrupuloso
que fosse, miliciano ou não, genocida ou não, passaria todo seu mandato sem
fazer nada exceto turismo interno, e no momento final, despejaria sacos de
dinheiro comprando os votos da população.
***
Uma
PEC necessita de ao menos 2/3 mais 1 de
votos em ambas as Casas legislativas. Exige votação qualificada, e em dois
turnos.
A
presente PEC provoca um problema de consciência grave, junto aos opositores:
durante mais de ano, eles acusavam a inação do governo, denunciando a falta de ações capazes
de mitigarem o sofrimento dos mais necessitados.
Agora,
quando o governo age de forma capciosa, eles irão contra tudo o que pregaram e
defenderam?
***
A
oposição está refém. De um governo que age com sadismo, frente a grande parte dos
que jurou defender.
Daí,
PEC da Corrupção. Dai PEC que desmonta o aparato jurídico institucional, e muda
a Lei Maior de um país, num golpe, sem qualquer discussão ou estudo de suas
consequências.
Desta
PEC, para outra que instaure o fim do regime democrático de Direito, resta
pouco chão a ser trilhado.
***
Mas,
o governo responsável pela morte de 680 mil brasileiros na pandemia; pelo
atraso de vacinas; pela agressão constante ao meio ambiente, de porteira
distraidamente arreganhada; de queimadas incentivadas para a expansão do agronegócio
troglodita, o desmatamento, a mineração devastadora; de falta de fiscalização
de regiões destinadas ao crescimento de zonas de contrabando de flora, fauna,
espaço de ampliação da atuação do narcotráfico; pelo armamento de todo tipo de
criminoso, travestido de CACs (caçadores, frequentadores de clubes de tiros);
pela morte de nossos ambientalistas, e povos nativos, ou qualquer um que se
preocupe em resguardar matas, florestas, clima, riquezas naturais; esse governo
é também o maior responsável pela velocidade inédita do avanço da corrupção em
nosso país.
***
Não
bastasse tirar o país da 6ª posição entre as maiores economias do mundo; nos colocar
na 13ª posição na maior parte deste desgoverno; de apenas agora retornar ao 10º
lugar no ranking; não bastasse trazer a inflação (saudosa?!) dos anos da ditadura
militar de volta; ou não conseguir debelar o problema do desemprego, só abaixo
de 10% em razão do aumento de pessoas desalentadas ou em ocupações por conta
própria, ou seja, cada vez mais precarizados. Não bastasse a renda média estar
em queda, a pobreza aumentando e a concentração de renda ficar cada vez mais dramática.
ESTAMOS
ASSISTINDO À EVOLUÇÃO DO MAIOR MENSALÃO da história, agora disfarçado de Orçamento Secreto,
ou verbas do relator.
***
De quebra, o MEC tornou-se um antro ‘evangélico’
(?) de tramoias e trapaças de toda espécie: desde a compra de equipamentos de
computação - à proporção de mais de 300 máquinas por aluno -, até a compra de
kits de robótica para escolas sem água, em localidades, sem acesso regular à
internet. Ou a negociação de obras junto à distribuição de bíblias gratuitas;
tudo por apenas algumas barras de ouro...
***
Conseguimos
a proeza de piorarmos em todos os quesitos que integram o mínimo necessário
para o julgamento e classificação de uma sociedade que se deseja ética, moral,
culturalmente desenvolvida; avançada e em condições de promover e incorporar
novas e mais avançadas tecnologias, com respeito às diversidades e ao respeito
à dignidade humana. Mais solidária e justa.
***
É
contra o desatino e desconstrução promovidas pelos milicianos e suas famílias
no poder do país, que temos de reagir.
Aceitando
as esmolas com duração até o final do ano, dos benefícios com prazo para
terminarem, porque delas depende a sobrevivência de muitos.
Mas
sem abaixar a cabeça, derrotados pelo tratamento dispensado por nossos
governantes, que insistem em tratar o povo como meras mercadorias.
É
isso.
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