Fazendo
parte do campo das Ciências Sociais, a Economia não poderia de deixar de sofrer
a influência de tentar entender fenômenos que afetam a cada um de nós, que
lidam com nossas necessidades, sonhos, expectativas, e visões de mundo.
Ou
seja, não pode ser isenta, imparcial, alheia à ideologia. Afinal, o analista
responsável por identificar uma situação problema e suas causas, e de propor as soluções
ou políticas que ele julga mais recomendáveis, sabe que ele é parte do problema e que
as soluções sugeridas podem afetar sua vida.
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Um
indivíduo nascido em lar de classe favorecida, que nunca passou fome, que teve os
brinquedos e roupas que desejou e pôde viajar e estudar nas melhores
instituições de ensino, muitas vezes não será capaz de perceber como o esgoto a
céu aberto, a falta de calçamento em sua rua, de comida em casa ou o ônibus lotado para ir ao trabalho é crucial. Tampouco
tem ideia do que é conviver em um ambiente onde a escassez é violenta, o que
naturaliza a violência em todos as relações humanas.
Por outro lado, aquele vindo de família
menos favorecida nunca vai conseguir entender a preocupação de alguns com local
de estacionamento para seus automóveis, ou a queixa de impostos exorbitantes cobrados
sobre jet skys ou jatinhos. Ou a queixa de ter de contribuir – pagando impostos -,
para o atendimento de tratamentos de alto custo no SUS.
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Sem
rodeios, indo direto ao assunto, há duas grandes linhas de pensamento na
Economia. Uma, que é a mais tradicional, desenvolvida já há muito mais tempo por
economistas originários das elites, que prega o liberalismo. Com o liberalismo,
a meritocracia, que dá a cada um, de acordo com seu esforço pessoal, o acesso
aos bens e serviços que lhe darão prazer.
Para
essa escola denominada neoclássica ou novoclássica, ou neoliberal, todos os
problemas sociais, em especial, relativos a 'o que, quanto, para quem produzir',
deverão ser resolvidos pelo deus Mercado, onde se realizam trocas (supostamente
entre iguais).
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De
um lado, o produtor e a sua oferta. De outro, o interessado no produto, o consumidor
e sua demanda.
No
mercado, vale a lei da Oferta e da Procura. Se tem muita gente querendo um bem
de quantidade restrita, ocorre uma espécie de leilão e o preço do bem sobe.
Se
o governo, para ser bem aceito por toda a população, distribui a todos os
indivíduos poder de compra, ou os recursos para que comprem tudo que desejem, vai
haver falta de produtos generalizada e todos os preços irão subir. Vai surgir a
inflação.
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Nessa
ótica, a inflação é sempre explicada por uma causa única: excesso de demanda. E
o excesso de demanda depende de
políticas populistas, de cunho demagógico do governo, representadas por emissão
de muito poder de compra - ou dinheiro e crédito; ou por política fiscal
irresponsável, com o governo gastando muito, ou cortando impostos para deixar
mais dinheiro para todos gastarem.
Para
os neoclássicos, em geral, o governo, usando política monetária inadequada, expansionista,
frouxa, e política fiscal irresponsável de gastos públicos, para dar à população,
especialmente a mais carente, os produtos que ela não daria conta de comprar
por seu mérito seria a causa da elevação da demanda.
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Em
síntese: o Estado e o governo gastador e irresponsável, tentando ajudar à
população é que acaba prejudicando a todos.
Daí
a ideia liberal de reduzir o Estado a um mínimo, para não exigir o
financiamento via tributos extraídos sobre os ombros dos mais poderosos, nem interferir no funcionamento do deus mercado. Para não gerar inflação.
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A
título de observação, apenas não se vê ou se ouve empresários e a elite reclamando
com mesma veemência de incentivos e/ou subsídios, sempre bem vindos, SE e quando DESTINADOS
A APOIAR O NOSSO SETOR DE NEGÓCIOS. E SÓ ELE.
No
caso da política monetária, o foco é tirar a instituição estatal que cuida do
dinheiro e sua criação, o Banco Central, da dependência e subordinação – via escolha
de seus dirigentes – dos políticos, sempre demagógicos.
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Essa
a lógica por trás do Banco Central independente, com diretores com mandato fixo
de datas não conjugadas com os mandatos dos políticos. Ou seja, esses diretores
não devem qualquer favor ou obrigação a quem os indicou.
E
devem adotar a decisão que acharem mais recomendada para manter a inflação sob
controle. No Regime de Metas Inflacionárias, cuja única ferramenta disponível é
a manipulação das taxas de juros, juros elevados, restrição da circulação de
dinheiro, redução da demanda.
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O
efeito colateral é queda da expectativa de venda por parte de empresários
produtivos, sua decisão de cortar a produção, resultando na geração de desemprego, queda da renda
do trabalhador, aumento da desigualdade e fome e miséria.
Sem
produzir o empresário se torna rentista, aplica seu dinheiro a juros e mantém
seus rendimentos e benefícios.
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A
questão é que o presidente eleito em um democracia foi aquele que apresentou
uma proposta para solucionar os problemas encarados como prioritários pela maioria
da sociedade.
Não
devemos nos esquecer que a maioria é composta por todos os menos favorecidos,
desde os que não têm emprego, até os trabalhadores mal remunerados e explorados.
A
ideia então é que,um Banco Central independente terá condições de não submeter
suas políticas ao sabor das conveniências do político ou partido eleito. Nem da
sociedade.
E
a política que será praticada será voltada para atender aos interesses da elite
dominante, como juros altos, remuneração tranquila de capitais especulativos
ociosos e sem compromisso social.
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A
briga política, enfrentada agora por Lula não é nova e nem uma jabuticaba bem
patropi: vários outros países já passaram por tais debates.
Aqueles
a quem a sociedade confiou as rédeas das decisões sobre o melhor uso social dos
recursos ficam impossibilitados, na prática, de governarem e executarem os
planos que permitiram sua eleição.
O
eleito e a sociedade perdem poder de comando para um tecnocrata, com visões de
mundo de caráter mais elitista que, legalmente deve cumprir uma legislação definidora
do papel do Banco Central. Por suas especificidades técnicas, complexas, papel e funções
definidas por todos os vinculados ao poder do capital hegemônico: o financeiro.
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Em
seus mandatos anteriores, em nenhum momento Lula interferiu no comando e na
autonomia do Banco Central sob a direção de Henrique Meirelles. Dar autonomia objetiva,
necessária, SEM INDEPENDÊNCIA, não significa que a política será populista ou irresponsável.
Indica
que haverá consistência entre o que recomenda o corpo técnico, com a sensibilidade
do político eleito. Não haverá usurpação de poder do eleito.
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De
mais a mais, os poderosíssimos interesses dos rentistas e especuladores dos capitais
financeiros não terão condições de captura do Banco Central, instituição reguladora
do funcionamento do mercado financeiro e seus agentes, e não mero aplicador das
políticas que mais beneficiem a esses grupos.
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Da
outra visão contrária a essa linha de pensamento, trataremos em um próximo
pitaco.
Um comentário:
Excelente!!!! Didaticamente bem escrito e fundamentado. De fato um tecnocrata pode não estar alinhado com as metas sociais, econômicas e monetárias de um novo governo. Especialmente se o tempo de mandato não coincide e são agravados por abordar linhas de pensamento distintas quando abordam o mesmo fenômeno. Como é o caso do Presidente Lula e seu par do Banco Central. Suspeito que esta dissonância de mandatos tenha sido proposital, parte de um jogo mais perverso. Como também é perversa a cobertura de grande parte da imprensa, que não se presta ao seu papel de informar a sociedade, de forma transparente e isenta.
O que torna a presente leitura fundamental.
Fernando Augusto Moreira
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