quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

O presidente Lula está certo, o Banco Central deve ter autonomia, não independência.

 




https://youtu.be/wuKdi_IVzb8

Fazendo parte do campo das Ciências Sociais, a Economia não poderia de deixar de sofrer a influência de tentar entender fenômenos que afetam a cada um de nós, que lidam com nossas necessidades, sonhos, expectativas, e visões de mundo.

Ou seja, não pode ser isenta, imparcial, alheia à ideologia. Afinal, o analista responsável por identificar uma situação problema e suas causas, e de propor as soluções ou políticas que ele julga mais recomendáveis, sabe que ele é parte do problema e que as soluções sugeridas podem afetar sua vida.

***

Um indivíduo nascido em lar de classe favorecida, que nunca passou fome, que teve os brinquedos e roupas que desejou e pôde viajar e estudar nas melhores instituições de ensino, muitas vezes não será capaz de perceber como o esgoto a céu aberto, a falta de calçamento em sua rua,  de comida em casa ou o ônibus lotado para ir ao trabalho é crucial. Tampouco tem ideia do que é conviver em um ambiente onde a escassez é violenta, o que naturaliza a violência em todos as relações humanas.

Por outro lado, aquele vindo de família menos favorecida nunca vai conseguir entender a preocupação de alguns com local de estacionamento para seus automóveis, ou a queixa de impostos exorbitantes cobrados sobre jet skys ou jatinhos. Ou a queixa de ter de contribuir – pagando impostos -, para o atendimento de tratamentos de alto custo no SUS.

***

Sem rodeios, indo direto ao assunto, há duas grandes linhas de pensamento na Economia. Uma, que é a mais tradicional, desenvolvida já há muito mais tempo por economistas originários das elites, que prega o liberalismo. Com o liberalismo, a meritocracia, que dá a cada um, de acordo com seu esforço pessoal, o acesso aos bens e serviços que lhe darão prazer.

Para essa escola denominada neoclássica ou novoclássica, ou neoliberal, todos os problemas sociais, em especial, relativos a 'o que, quanto, para quem produzir', deverão ser resolvidos pelo deus Mercado, onde se realizam trocas (supostamente entre iguais).

***

De um lado, o produtor e a sua oferta. De outro, o interessado no produto, o consumidor e sua demanda.

No mercado, vale a lei da Oferta e da Procura. Se tem muita gente querendo um bem de quantidade restrita, ocorre uma espécie de leilão e o preço do bem sobe.

Se o governo, para ser bem aceito por toda a população, distribui a todos os indivíduos poder de compra, ou os recursos para que comprem tudo que desejem, vai haver falta de produtos generalizada e todos os preços irão subir. Vai surgir a inflação.

***

Nessa ótica, a inflação é sempre explicada por uma causa única: excesso de demanda. E o excesso  de demanda depende de políticas populistas, de cunho demagógico do governo, representadas por emissão de muito poder de compra - ou dinheiro e crédito; ou por política fiscal irresponsável, com o governo gastando muito, ou cortando impostos para deixar mais dinheiro para todos gastarem.

Para os neoclássicos, em geral, o governo, usando política monetária inadequada, expansionista, frouxa, e política fiscal irresponsável de gastos públicos, para dar à população, especialmente a mais carente, os produtos que ela não daria conta de comprar por seu mérito seria a causa da elevação da demanda.

***

Em síntese: o Estado e o governo gastador e irresponsável, tentando ajudar à população é que acaba  prejudicando a todos.

Daí a ideia liberal de reduzir o Estado a um mínimo, para não exigir o financiamento via tributos extraídos sobre os ombros dos mais poderosos, nem interferir no funcionamento do deus mercado. Para não gerar inflação.

***

A título de observação, apenas não se vê ou se ouve empresários e a elite reclamando com mesma veemência de incentivos e/ou subsídios, sempre bem vindos, SE e quando DESTINADOS A APOIAR O NOSSO SETOR DE NEGÓCIOS. E SÓ ELE.

No caso da política monetária, o foco é tirar a instituição estatal que cuida do dinheiro e sua criação, o Banco Central, da dependência e subordinação – via escolha de seus dirigentes – dos políticos, sempre demagógicos.

***

Essa a lógica por trás do Banco Central independente, com diretores com mandato fixo de datas não conjugadas com os mandatos dos políticos. Ou seja, esses diretores não devem qualquer favor ou obrigação a quem os indicou.

E devem adotar a decisão que acharem mais recomendada para manter a inflação sob controle. No Regime de Metas Inflacionárias, cuja única ferramenta disponível é a manipulação das taxas de juros, juros elevados, restrição da circulação de dinheiro, redução da demanda.

***

O efeito colateral é queda da expectativa de venda por parte de empresários produtivos, sua decisão de cortar a produção, resultando na geração de desemprego, queda da renda do trabalhador, aumento da desigualdade e fome e miséria.

Sem produzir o empresário se torna rentista, aplica seu dinheiro a juros e mantém seus rendimentos e benefícios.

***

A questão é que o presidente eleito em um democracia foi aquele que apresentou uma proposta para solucionar os problemas encarados como prioritários pela maioria da sociedade.

Não devemos nos esquecer que a maioria é composta por todos os menos favorecidos, desde os que não têm emprego, até os trabalhadores mal remunerados e explorados.

A ideia então é que,um Banco Central independente terá condições de não submeter suas políticas ao sabor das conveniências do político ou partido eleito. Nem da sociedade.

E a política que será praticada será voltada para atender aos interesses da elite dominante, como juros altos, remuneração tranquila de capitais especulativos ociosos e sem compromisso social.

***

A briga política, enfrentada agora por Lula não é nova e nem uma jabuticaba bem patropi: vários outros países já passaram por tais debates.

Aqueles a quem a sociedade confiou as rédeas das decisões sobre o melhor uso social dos recursos ficam impossibilitados, na prática, de governarem e executarem os planos que permitiram sua eleição.

O eleito e a sociedade perdem poder de comando para um tecnocrata, com visões de mundo de caráter mais elitista que, legalmente deve cumprir uma legislação definidora do papel do Banco Central. Por suas especificidades técnicas, complexas,  papel e funções definidas por todos os vinculados ao poder do capital hegemônico: o financeiro.

***

Em seus mandatos anteriores, em nenhum momento Lula interferiu no comando e na autonomia do Banco Central sob a direção de Henrique Meirelles. Dar autonomia objetiva, necessária, SEM INDEPENDÊNCIA, não significa que a política será populista ou irresponsável.

Indica que haverá consistência entre o que recomenda o corpo técnico, com a sensibilidade do político eleito. Não haverá usurpação de poder do eleito.

***

De mais a mais, os poderosíssimos interesses dos rentistas e especuladores dos capitais financeiros não terão condições de captura do Banco Central, instituição reguladora do funcionamento do mercado financeiro e seus agentes, e não mero aplicador das políticas que mais beneficiem a esses grupos.

***

Da outra visão contrária a essa linha de pensamento, trataremos em um próximo pitaco.


Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente!!!! Didaticamente bem escrito e fundamentado. De fato um tecnocrata pode não estar alinhado com as metas sociais, econômicas e monetárias de um novo governo. Especialmente se o tempo de mandato não coincide e são agravados por abordar linhas de pensamento distintas quando abordam o mesmo fenômeno. Como é o caso do Presidente Lula e seu par do Banco Central. Suspeito que esta dissonância de mandatos tenha sido proposital, parte de um jogo mais perverso. Como também é perversa a cobertura de grande parte da imprensa, que não se presta ao seu papel de informar a sociedade, de forma transparente e isenta.
O que torna a presente leitura fundamental.

Fernando Augusto Moreira