quarta-feira, 26 de abril de 2023

Juros elevados, limitação de gastos públicos e nova regra fiscal: o que está por trás da ida do presidente do Banco Central ao Senado

 



https://youtu.be/8sn6K1TdeP8

Ouvido na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado no dia de ontem, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, declarou não ser possível afirmar a partir de quando os juros poderão começar a cair em nosso país.

Justificou alegando que tem direito a apenas um voto no Comitê de Política Monetária – COPOM, em meio a 9 votos.

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Fosse eu mais maldoso, poderia achar que o problema é não ter sido ainda autorizado ou recebido a ordem de reduzir os juros de seus patrões, os grandes magnatas do capital financeiro rentista, especulativo e estéril.

Mas não seria deselegante a tal ponto. Afinal, o neto do paladino do liberalismo nacional, Bob Fields, mostrou que não é presidente do Banco Central à toa e que sabe bem a importância da questão e do debate dos juros, que ele classificou de meritório.

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Pelo que vi nos jornais da noite, chegou até a falar que Lula tem o direito de criticar os juros, situação que me dá tranquilidade:  ao saber que o presidente do BC autoriza o presidente eleito do país a se manifestar sobre política econômica.

Mas Roberto Campos mostrou que entende de seu ofício: fazer a inflação convergir para a meta ou trazer a inflação para a meta, sem elevado custo social.

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Em sua defesa,  argumentou com a obviedade de que a inflação é o mais importante elemento de corrosão social, de desorganização do ambiente econômico e gerador de concentração de renda e aumento do grau de desigualdade.

Em suma: a inflação penaliza os mais pobres, cujos rendimentos não lhes asseguram acesso aos bens mais necessários, ao contrário da camada social mais privilegiada, que consegue aplicar as sobras de sua renda no mercado financeiro, aplicados a taxas de juros capazes de assegurarem remuneração apropriada ao seu risco.

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Por seu discurso, ao presidente do BC, pouco importa que a relação entre juros e a decisão de investimentos seja negativa, ou seja, maior os juros, menores os investimentos produtivos: aqueles que geram emprego, produção e mais bens e serviços no mercado.

Em sua opinião,  para crescer o país deverá atrair investidores – e investimentos. E, não reconhecendo a relação citada acima, insiste em que basta ao governo cortar gastos e reduzir ou estabilizar a proporção de dívida bruta em relação ao PIB, que estará feito o passe de mágica para o crescimento.

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Em outro momento de sua fala, explicou a mecânica da calibragem da tomada de decisão quanto aos juros pelo COPOM baseada no sistema de metas, afirmando “ser muito difícil hoje um país seguir o sistema de metas que a gente segue sem ter um regime de disciplina fiscal.”

Lembremos que esse sistema de metas, cuja única ferramenta disponível é a taxa de juros é hoje muito questionado, inclusive por aqueles que consideram ser a inflação causada apenas por excesso de demanda, o que está longe de ser nosso caso atualmente.

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Recordemos que tal sistema se insere no conjunto de políticas propostas no âmbito do pacote ideológico do neoliberalismo, que condena qualquer ação do Estado no ambiente econômico, de forma a criar cada vez mais espaço para a atuação sem limites (e exploração da sociedade) pelas garras do capital.

Além disso, há que se destacar que, parte da argumentação em que se assenta o sistema de metas é a influência das expectativas de inflação feitas pelo mercado.

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Daí a razão de o BC pesquisar e publicar semanalmente as expectativas que os agentes e instituições poderosas do mercado criam e que impõem a todos.

Aí é que entra a questão das expectativas trazidas pelo “arcabouço fiscal” que ele considera ter sido um movimento na direção certa. Embora candidamente tenha admitido não haver relação automática entre a apresentação da nova regra e o corte de juros.

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E essa é uma questão que me preocupa. Muito.

Até aqui defendi a nova regra fiscal proposta em comparação à fatídica regra do teto de gastos. Afinal, a outra nunca foi cumprida nem pelos liberais do último governo (como bem sabe o bolsotário que dirige o BC).

Tenho afirmado que melhor uma regra que nenhuma. Que melhor uma regra que incorpora o crescimento vegetativo da sociedade para definir valores mínimos para variação dos gastos públicos, sociais principalmente.

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Condicionar gastos públicos ao comportamento da arrecadação, limitando o crescimento das despesas a 70% da variação da receita é algo com que não concordo. Mas, vá lá: no momento é o que a correlação de forças permite ser aprovado.

Ruim. Mas melhor que o que tinha. Ainda mais se tivermos uma reforma tributária progressiva, taxando pesadamente grandes fortunas, heranças, grandes rendas. E liberando as classes mais pobres de pagar impostos pesados que incidem sobre consumo.

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Mas, quando o presidente do BC e os representantes do capital financeiro manifestam-se favoráveis à nova regra, desvinculada da Reforma Tributária que necessita ser feita (e que dificilmente será a possível!), começo a perceber que a luta para tornar o país mais justo e menos desigual ainda está longe de ser enfrentada.

Volto ao tema dos interesses do capital financeiro na limitação dos gastos públicos em outra oportunidade.

Até lá, resta-nos o topo do ranking infeliz de juros reais mais elevados do planeta.




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