Link: https://youtu.be/lD5EKz46bgg
Foi aprovado ontem, por nosso vetusto
Senado (vetusto não no sentido de respeitado, mas de deteriorado pelo tempo), o
Projeto de Lei nº 2 903, que estabelece, entre outras barbaridades, o marco
temporal como referencial para a demarcação de terras indígenas.
Embora a questão do marco
temporal seja a mais discutida, o projeto promove outras alterações prejudiciais,
de semelhante grau de periculosidade, que podem ser consultadas no site da
Agência Pública, apublica (https://apublica.org/2023/08/em-10-pontos-entenda-como-projeto-que-trata-do-marco-temporal-afeta-direitos-indigenas/),
destinadas a eliminar a ação de políticas públicas para os povos originais.
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A lista das alterações contém: i)
veda ampliação de terras indígenas, demarcadas antes da definição de critérios
claros na Constituição de 88, servindo contra os interesses dos povos
originários; ii) permite questionar-se o processo de demarcação em qualquer de suas fases; iii) assegura o uso e gozo, por não indígenas da área, objeto de
demarcação até o encerramento do processo; iv) considera de boa fé toda benfeitoria
feita, mesmo depois de iniciado o processo de demarcação, assegurando o direito
à indenização; v) permite a cooperação e contratação de terceiros não indígenas para
exercício de atividades econômicas em terras indígenas, com permissão para o
cultivo de transgênicos, atividades de mineração; vi) limita o usufruto integral da terra dos indígenas, subordinando-o ao interesse da política de defesa e soberania
nacional, como intervenções militares, expansão da malha viária e exploração de
alternativas energéticas estratégicas. vii) finalmente, estabelece que a implementação será feita independentemente de
consulta às comunidades envolvidas ou à Funai e autoriza o poder público a
instalar equipamentos e construções necessárias à prestação de serviços
públicos.
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Antes de avançar, convém
esclarecer o que se entende por marco temporal. Significa que serão válidos ou “tolerados”
apenas os processos de demarcação daquelas terras ocupadas por indígenas, ou
que estivessem sendo objeto de litígio, em
5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Cidadã, de 1988.
A razão para tal defesa é singela:
limitar a demarcação àquelas áreas em
que não houve interesse ou não foi possível ao invasor se valer do procedimento
adotado ao longo de todo período de nossa colonização, e que se valeu de
ataques, agressões e mortes, expulsão ou “convites para que os povos indígenas
se retirassem de suas terras.”
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É também simplória e ignora o
fato de as atividades produtivas dos povos originários implicarem o
deslocamento por parte do território ocupado, em uma espécie de rodízio.
Ignora as atividades que abrangiam áreas
sagradas, destinadas ao culto dos antepassados, de seus espíritos, de seus
mortos e da própria Mãe Terra. E áreas de atividades culturais e sociais:
jogos, artesanato, etc.
Nunca foi apenas por disputa de
terra e propriedades.
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Mas, a aprovação vexatória desse PL
do marco, em momento em que o Supremo Tribunal Federal já proclamara a
inconstitucionalidade de tal interpretação não é e não pode ser interpretada
como apenas uma reação desrespeitosa ao STF ou uma posição de confronto aberto
com o Poder Judiciário.
Tampouco pode ser vista como o
interesse do Legislativo de retomar o exercício de suas atribuições
institucionais, preenchendo espaços vagos, de forma a impedir que outros
poderes venham a usurpar sua função, por absoluta inação. Na verdade, a
existência de espaços sem regulação atendem aos interesses daqueles que optam pelo
uso da força ou do poder econômico ou político, ou ambos, que detém.
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O PL faz parte de uma estratégia
maior, muito mais antiga, de supressão
pelas elites e classes produtivas dominantes, de eliminação de qualquer
vestígio da existência de povos originais, tal qual aconteceu com os povos
escravizados – que se tentou embranquecer.
No caso dos indígenas, capaz de se
expressar em alto e bom som, por intermédio de um deputado autoritário, mais tarde eleito presidente, cujo
ideário ou raciocínio (se existente!) demonstra estreitas afinidades com ideias
fascistas, de defesa da eugenia e supremacia branca, e defesa da sociedade de
valores do homem branco e hetero.
Desse nazifascista, golpista fracassado
e, sobretudo, covarde, é a frase dita em discurso na Câmara do dia 16 de abril
de 1988, em que afirmava: “ Até vale uma observação neste momento: realmente a
cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a Cavalaria
norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse
problema no país".
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Em seu respeitado livro Justiça –
O que é fazer a coisa certa, o professor de Harvard, Michael J. Sandel (Civilização
Brasileira, 2022) dedica todo um capítulo a discutir o tema Desculpas e
Indenizações onde trata da questão: ‘Devemos pagar pelos pecados de nossos
predecessores?’.
Abordando a questão pelo ângulo do
utilitarismo, do individualismo moral e da vontade autônoma de Kant ou de Rawls,
ele advoga a existência da condição de solidariedade e de ser membro de um
grupo, de pertencimento ou solidariedade, nos permitindo concluir que, se somos
parte, somos fiéis e pertencemos a uma sociedade, devemos sim, desculpas por
tudo o que fizeram os nossos antepassados, de quem herdamos o espírito e tudo
que possuímos como grupo, hoje.
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Na contramão da ideia de Aldo
Rebelo e outros mais pobres de espírito, de que não podemos nos culpar do que
nossos antepassados fizeram, de bom ou não.
Mas, no sentido do proprietarismo tão
citado por Piketty, que obriga à indenização aos não índios que usurparam –
mesmo sem ter a intenção – terras que não lhes pertenciam. Nem com as
indenizações aos que de boa fé ocupam tais terras, meras manobras para apor
obstáculos às demarcações.
Afinal, como os africanos do Haiti
que tiveram de pagar aos colonizadores pela independência e nunca foram pagos
pelos sofrimentos sofridos; ou os afro americanos que não receberam nem os 16
hectares e o animal que lhe foi prometido, mesmo combatendo pela formação dos
Estados Unidos, também o Brasil apenas indenizou os fazendeiros que perderam sua
mão de obra escravizada.
Nunca nem os povos pretos
escravizados, nem os povos originários foram indenizados por suas terras e suas
vidas invadidas e tratadas como descartáveis.
Um comentário:
Os "vetustos" só representam os interesses deles e daqueles que os financiam. Esta é a cara da chamada democracia liberal. Como nos foi ensinada a história da colonização? o fascitinha foi punido ao estimular o genocídio? Não!.
Agro é pop, agro é tec... agro é top top...
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