segunda-feira, 11 de março de 2024
Banco Central: independente e com autonomia financeira ampla ou uma Instituição Pública de Estado?
Nosso país vive um curioso paradoxo: de um lado, anuncia-se um crescimento de 2,9% do PIB no ano de 2023, supreendendo positivamente aos “mercados” (leia-se os donos do poder econômico). A taxa de desemprego de 7,8% em 2023, é a menor desde 2014 e mantém viés de baixa neste início de ano. A renda de cada morador dos domicílios brasileiros ficou maior em 16,5% na média familiar mensal (sem descontar a inflação). A própria inflação caiu, puxando para baixo os juros. O Brasil manteve o posto de 9ª maior economia do planeta, o que não é pouco.
A Petrobras apresenta o segundo maior lucro líquido de sua história, de 124,6 bilhões de reais, o terceiro maior entre as companhias petrolíferas do mundo. Assim, vai poder criar um Fundo de 1 bilhão de dólares para investir em projetos de baixo carbono. Isso, sem prejuízo de pagamento normal de dividendos a seus acionistas.
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Apesar dos resultados, pesquisas de opinião pública revelam que 38% dos entrevistados acham que a economia piorou (Instituto Quaest), o que é contraditório.
A menos que a população esteja com o pensamento, correto, de economistas como Eduardo Giannetti, para quem o PIB não é uma boa medida de riqueza e desenvolvimento do país (Exame, 16 de junho de 2022), ou do professor Stiglitz, Nobel de Economia, que busca desenvolver o FIB, índice de Felicidade Interna Bruta.
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Quanto à Petrobras e seus acionistas rentistas, a reação não causa estranheza. Estranho foi uma empresa PÚBLICA, optar por pagar dividendos elevados aos capitalistas em anos anteriores, sem se preocupar em assegurar recursos para financiar fontes alternativas de energia, que permitissem ao país e ao povo brasileiro se beneficiar de processo essencial de transição energética.
Afinal, os acionistas (rent seekers) só desejam auferir e extrair os maiores ganhos possíveis, para suportarem, cheios de grana, o derretimento do planeta causado pelas mudanças climáticas, resultado do aquecimento global, que eles negam.
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Parte da explicação para o contrassenso pode ser atribuída ao grau polarização que experimentamos, alimentada por extremistas e fascistas que sonham em adequar a democracia a seus valores, princípios (se existentes!) e preces. A teologia da dominação avança em todo mundo, e manipula a população brasileira, cujo tempo para fazer leituras criíticas e se informar acaba sendo consumido em ações voltadas à garantia de sua sobrevivência. Dessa forma, a população não se dá conta do objetivo do projeto a que serve de massa de manobra.
Outra explicação consiste no fracasso da nossa democracia dita representativa dar conta de, pela via eleitoral e em meio ao ambiente dominado pelo neoliberalismo e individualismo exacerbados, atender aos reclamos e demandas dos mais desfavorecidos.
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Para estes mais miseráveis e famintos (de tudo!), as eleições servem somente para permitir um rodízio de nomes no governo, a cada dois ou quatro anos, além da renovação de promessas e de seus estoques de sonhos e ilusões, transformados em frustrações logo em seguida.
Privada de educação formal, essa população intui que, qualquer que seja o eleito, de qualquer ideologia partidária ou viés político, as medidas por ele adotadas irão beneficiar sempre a um mesmo público: os super-ricos, os rentistas, a minoria privilegiada, dona do poder que sua fortuna o permite comprar sem qualquer pudor.
Em minha opinião, essa pode ser uma das causas da decisão de voto tomada sob o argumento do desespero, a influência de caráter extremamente autoritário e messiânico, vendedor de ilusões, hierarquia e ordem.
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Enquanto isso, Brasília acompanha a utilização de vários instrumentos e mecanismos de pressão e chantagem praticados pelo Congresso e seus membros centrais. O que dá tempo ao Legislativo para manter o governo refém de suas vontades e arrebatamentos, e agravando mais a avaliação negativa do governo.
Tal situação faz com que, embora fossem urgentes o encaminhamento pelo governo das propostas para discussão e regulamentação da Reforma tributária aprovada, e o exercício de sua liderança no aprofundamento desta reforma, para etapas de discussão de alterações na tributação da renda, grandes fortunas e propriedades, o executivo passa seu tempo negociando, não sem dar passos atrás em projetos de incentivos, enquanto grupos de deputados apresentam propostas de regulamentação que visam abrandar mais o texto que resolver o problema de caixa do governo.
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Nessa direção, da discussão de o que fazer com o bode propositalmente colocado na sala, Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central e seus colegas de Diretoria Colegiada, cuja remuneração situa-se abaixo de ridículos 20 mil reais, elabora e entrega a um senador que passa a agir como seu preposto, uma Proposta de Emenda Constitucional, a PEC 65, já apelidada de 64+1, em homenagem aos 60 anos do golpe da ditadura militar.
Tal proposta não discutida com o corpo funcional do Banco, com técnicos do governo, nem com a sociedade, visa transformar o Banco Central, de autarquia especial, em empresa pública especial, com poder de polícia, e principalmente: autonomia financeira para poder fixar os salários sem estar sujeito à determinação do Orçamento Geral da União – OGU.
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Esta empresa passaria a ter como receita própria ou principal, a receita definida de forma incorreta como senhoriagem (como o demonstra o professor José Luiz Oreiro em publicação de 8 de março), além de rendimentos de títulos mantidos em seu poder para fazer política monetária e rendimentos de variações cambiais sobre as reservas mantida pelo país.
Pelo projeto, senhoriagem não é o valor de face da cédula de papel moeda que o BC determinou que a Casa da Moeda imprimise, para circular pelo seu valor de face subtraído o custo da impressão desta cédula, mas seria dada pelo custo de oportunidade de agentes financeiros manterem títulos que rendem juros no lugar do papel moeda que nada rende.
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Fosse essa a receita de senhoriagem, bastaria o BC puxar sempre para cima a taxa de juros ou Selic, paga pelos títulos, para expandir o interesse das instituições financeiras em manter menos moeda e gerar mais receita.
Ou seja: para bancar seus salários de mais de 100 mil (da diretoria, não necessariamente de seus auditores), bastaria o BC elevar os juros via Copom e, i) quebrar a economia do país e impossibilitar seu crescimento, via investimentos, criação de emprego e renda); ii) dados os juros elevados, provocar o aumento do déficit global e da relação Dívida/PIB, colocando cada vez mais o governo dependente dos donos de recursos em condições de bancarem os empréstimos ao governo; iii) atrair o influxo de capitais externos especulativos e rentistas para nosso país, promovendo queda do valor do dólar frente a nossa moeda.
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Ou seja: o BC controlaria não só a política monetária mas, indiretamente, política fiscal (de juros sempre necessariamente maiores), a política cambial e até a política industrial vitimada pela destruição da indústria nacional.
Sob a desculpa de elevar salários, se esconderia a verdadeira vontade dos economistas liberais ou do mercado: tirar do governo democraticamente eleito, e passar aos interesses do mercado, a capacidade de governar e adotar as propostas que o fizeram vencer as eleições.
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Este projeto seria mais reforçado por retirar o BC do controle do CMN (dominado pelo governo) e passar seu controle e fiscalização para o Congresso e os representantes eleitos sob o patrocínio do poder e a influência de pesados e escusos interesses financeiros e da mídia corporativa.
A teoria da captura, e sua evolução posterior, teria laboratório privilegiado para aplicação prática e experimentos que permitissem o avanço do conhecimento na área.
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Diz a Ciência Política que ao Estado está assegurado o MONOPÓLIO da violência institucional, da violência armada, exercido por meio de suas forças militares, de defesa e segurança. Também é reconhecido o MONOPÓLIO da arrecadação de tributos pelo Estado, sob a Receita Federal. Pode se admitir que, por delegação do Presidente da República, a Constituição Federal dá ao Itamaraty poder de representação externa do país.
Esquece o malfadado projeto que também o BC, por força do contido no artigo 164 de nossa Constituição detém a competência exclusiva ou o MONOPÓLIO da emissão monetária e controle da liquidez, equiparando-se aos outros tipos de monopólios e órgãos que os exercem, na definição do que são as INSTITUIÇÕES TÍPICAS DE ESTADO. Jamais uma empresa.
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Um comentário:
Assisti um telejornal na noite de ontem que confirmou parte do seu “pitaco” publicado horas antes do fechamento da bolsa, com significativa queda no valor das ações da Petrobrás. O motivo da queda, de acordo com alguns analistas, foram as críticas que o Presidente Lula fez aos acionistas da estatal: “A Petrobras não é apenas uma empresa de pensar nos acionistas que investem nela. A Petrobras tem que pensar no investimento e pensar em 200 milhões de brasileiros que são donos dessa empresa, ou são sócios dessa empresa”.
Pelo que pude observar a ênfase dada pelo telejornal à queda no valor das ações se sobrepuseram à pertinência da fala do Presidente. Talvez este fato auxilie a compreender os indicadores de popularidade do governo: as pessoas não param para refletir, para analisar... acreditam naquilo que lhes é dito, em especial quando é bem embalado, simplificado e repetido. Não quero dizer com isso que o governo seja maravilhoso, mas os avanços são inegáveis, aliás bem identificado no Pitaco. Mas a “teologia da dominação” não perde oportunidades, além de fabricar falácias.
Talvez o Governo precise pensar melhor em suas decisões, bem como na sua comunicação com a sociedade.
A forma como as coisas estão acontecendo me lembra a obra de Hanna Arendt, “A banalidade do mal”; só que nestes anos obtusos passou por algumas metamorfoses, podendo ser classificada como a sofisticação do mal. Que avança globalmente, sem câmaras de gás ou a construção de vários campos de concentração, mas tão ou mais letais: mata-se no presente e condenando o futuro dos mais necessitados.
Fernando Moreira
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