quinta-feira, 30 de maio de 2024
Razões para um Banco Central independente e a cientificidade da Economia
link Youtube:https://youtu.be/gso17tSsIX4
De quando em vez, levanta-se o questionamento da cientificidade das ciências sociais, com destaque para a ciência econômica. A crítica diz respeito à constatação de que a ciência social não admite a utilização do controle (do ambiente e suas variáveis), da repetição e da refutação do experimento, da validação da prova, com a consequência da ruptura e da perda da objetividade do mito do método.
Isso decorre de o cientista, ser humano dotado de dada cosmovisão ser, simultaneamente, sujeito e parte do objeto em estudo, o que retira dele a necessária isenção na condução da análise e na extração de suas conclusões.
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Por este motivo, as ciências sociais seriam atravessadas pela ideologia, negando-lhes o status, falsamente atribuído às ciências naturais, físicas, exatas ou biológicas. (Quanto ao status falso vale assinalar os avanços tecnológicos que ajudaram a desmontar a versão, então inquestionável e “científica”, que apresentava o átomo como a menor partícula da matéria!).
Possível exceção seria a Economia, pela presença da matemática em vários aspectos de seu objeto de pesquisa: preços; relações de combinação de insumos ou fatores produtivos frente ao resultado da produção – as funções de produção; uso de relações matemáticas funcionais e gráficos para expressão de certos comportamentos observáveis.
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Daí a crença de a Ciência Econômica esar mais próxima ao campo das ciências naturais, o que permitiu o desenvolvimento de modelos teóricos do tipo marginalista e suas derivações, a partir da definição de pressupostos cujo desenvolvimento levaria a conclusões precisas.
Conclusões passíveis de aceitação, não fosse o completo irrealismo das hipóteses irrealidade dos pressupostos que tenham servido como ponto de partida (por exemplo, o do papel das forças impessoais do mercado; ou o que atrela a necessidade de poupança anterior à realização de investimento; ou a teoria que que explica a inflação como resultando exclusivamente de emissão monetária).
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Conclusões que se mantêm sujeitas a críticas semelhantes, por mais que frutos do emprego de modelos estatísticos e econométricos cada vez mais sofisticados, que pretendem servir de guia para o futuro, a partir de manipulações ou tratamento de observações passadas.
Como dizia Keynes (e Knight antes dele) o “conhecimento do futuro é vago, oscilante e incerto” e as decisões econômicas são sempre cercadas de expectativas incertas.
O que abre espaço à lembrança do saudoso professor Chico de Oliveira e sua tese de que, justamente a existência e a interferência da ideologia é que dão às ciências sociais seu caráter científico, criando a oportunidade para que as distintas formas de visão do mundo e de classes sociais possam se manifestar e ser levadas em conta, para promover o melhor juízo do funcionamento das sociedades.
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É nesse ponto que deve ser feita a referência à obra “A Ordem do Capital – Como os economistas inventaram a austeridade e abriram caminho para o fascismo”, de Clara Mattei, em especial quando analisa o período de crise do capitalismo que se seguiu ao final da 1ª Grande Guerra. As necessidades da guerra levaram diversos Estados a adotarem medidas que, visando a vitória, promoveram alterações profundas em dois dos pilares em que se assentavam as sociedades capitalistas então existentes: a noção de propriedade privada e das relações de trabalho e de assalariamento entre capital e trabalho.
Para dar sustentação ao esforço de produção preferencial dos bens destinados à máquina de guerra, o Estado promoveu desapropriações de instalações, que permitissem livre acesso a recursos de todo o tipo; promoveu processos de estatização e desnacionalização; e alterações nas relações de assalariamento, aumentando o recrutamento de homens via incentivo de aumento de remunerações.
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O final da guerra representou período de grave crise para os proprietários capitalistas, cujas bases sociais foram objeto de questionamento. Vencedores, os trabalhadores “invadiram o palco da história com ideias para uma sociedade alternativa".
Para restaurarem a velha ordem sob risco de destruição, a principal arma utilizada foi a adoção do conceito da austeridade, a partir de uma estratégia dupla: coerção – dos trabalhadores - e consenso. Para desarmar as classes trabalhadoras e pressionar a queda dos salários, e assegurar a sequência do processo de acumulação do capital, foram adotadas três tipos de políticas de austeridade, para impor o comportamento adequado à maioria das pessoas: fiscal, monetária e industrial.
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Do ponto de vista fiscal, o objetivo de manutenção de orçamentos equilibrados - via cortes de gastos sociais e a preferência por tributação regressiva (onde os que têm menos recursos pagam proporcionalmente mais)-, permite canalizar recursos para as classes mais aptas a pouparem e investirem. Além disso, a redução de gastos do governo contribui para a redução da demanda agregada que, ao lado das políticas monetárias da limitação do crédito e juros elevados, contribui para o combate à inflação.
Isso permite à austeridade assegurar a inviolabilidade da relação social do capital e manter a força das bases das relações de salário e propriedade privada, subjugando a classe trabalhadora às leis impessoais do mercado e reforçando a noção de divisão entre ECONOMIA, (científica, sujeita ao rigor formal), e a POLÍTICA (ideológica).
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Daí que a despolitização e o retorno da divisão entre política e economia, serem o resultado principal, senão o objetivo da austeridade. Despolitização que, induzindo ao recuo do estado de objetivos econômicos, permitiu: i- a retomada de subjugação das relações de produção às forças impessoais do mercado, enquanto esmagava a contestação política de relações de salário ou propriedade privada. ii – a construção de um consenso, ao reforçar a imagem da economia como ciência objetiva (não subjetiva) neutra.
Para este pitaco, mais importante foi a oportunidade dada para a exclusão das decisões econômicas da análise e da discussão democrática, materializada pela criação de instituições econômicas INDEPENDENTES, de governança controlada. Razão porque a TECNOCRACIA - a crença do poder dos economistas como guardiães de uma ciência inquestionável - foi sua primeira aliada e mais fiel parceira.
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Estes TECNOCRATAS, especialistas econômicos ocupando altas posições na máquina do Estado foram responsáveis pela construção de consensos, usando modelos econômicos que tratavam o capital como um dado ou constante e não uma variável; justificam o lucro pelo funcionamento do livre mercado, sem menção à classe trabalhadora; atribuem a direção da economia às decisões de investimento dos empresários, ou empreendedores, em sentido mais amplo.
Agindo assim, os tecnocratas justificam a formação social ou ordem capitalista como a única benéfica a toda a sociedade, misturando e confundindo o interesse do empresário privado com o de toda a sociedade.
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Podemos avançar neste pitaco indicando que, em momentos de crise do capitalismo (estágio inerente a esta formação social) SEMPRE prevaleceram os princípios da austeridade; a visão tecnocrática de independência entre o econômico e o político; a adoção de medidas de corte liberal (vide Thatcher e Regan pós crise dos anos 70 e 80); podendo a tecnocracia, se necessário, contemporizar, quando não prestar apoio explícito, à implantação de um regime de restrição às liberdades sociais de inspiração democrática.
Esse é o fundamento da campanha, catastrofista e histérica, encabeçada pela mídia ao lado de seus parceiros no mercado financeiro, em relação à necessidade da manutenção de um equilíbrio fiscal. Também essa é a base da proposta da independência do Banco Central, PEC 65, destinada a criar um 4º e mais importante PODER no ambiente econômico: o poder do Mercado por seu porta-voz, o BC.
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