quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Reflexões e dúvidas sobre a reação do mercado ao pacote fiscal

https://youtu.be/cpJb4I97H7w Relaxar o freio aplicado sobre a dívida é o pedido feito pelo presidente do Banco Central, para possibilitar investimentos necessários em defesa e infraestrutura. E ele não se refere a juros, mas a aumentos de tarifas. Afinal, aumento das transferências para o governo, tributárias ou não, diminuem a renda disponível ao gasto e o consumo. Criam um ambiente pessimista que contagia aos empresários e promovem queda do investimento. *** Claro. A proposta não é, nem do presidente de saída do Banco Central do Brasil, nem do entrante em potencial, ambos mais preocupados em manter a moeda estabilizada lá fora. Daí não mexerem com câmbio. A proposta é de ninguém menos que o presidente do Banco Central da Alemanha, país do qual pode se dizer tudo, menos que tenha um governo perdulário, gastador, comunista e coisas do gênero. Enquanto isso, os analistas de mercado, e a imprensa que lhes presta vassalagem e pressiona para que mais cortes fiscais sejam aprovados pelo Congresso e grandes federações e associações empresariais, agem como a mãe orgulhosa vendo o filho, fardado, desfilar pela primeira vez, completamente fora do ritmo: “Só meu filho está marchando certo. Todos os outros estão errados”. *** Nesse meio tempo uma curiosidade me assalta: já dissemos aqui que, sendo a dívida pública soberana, de reais tomados pelo governo junto à população, principalmente os bancos e grandes intermediários financeiros, que risco de o governo não pagar aos credores existe? Ele sempre pode trocar as dívidas e seus títulos: ao invés de deixar papeis que rendem juros na mão do mercado (os títulos públicos), pode optar por deixar dinheiro, virtual ou em cédulas, que não pagam juros. Ah, mas isso vai gerar inflação. Será? Vamos lembrar que a proporção de gente que detém tais títulos é muito pequena e ainda menor a parcela que iria correr para aumentar seu consumo, dada sua propensão a gastar menor (os ricos têm menor propensão a consumir, dado que já têm sua vida material bem equacionada). *** Importa dizer que esta ideia, tida como estafúrdia, não é minha. E de toda uma escola de economistas monetaristas críticos à visão da corrente principal de pensamento. Dita principal só por apresentar argumentos e defesa para a todo o status quo que mantém a desigualdade de oportunidades, remunerações, rendas, e propriedades, privilegiando os mais poderosos. Esta corrente principal é que sempre deseja confundir os cidadãos de bem, vendendo-lhes a falsa ideia de que o governo e suas contas devem ser pensadas exatamente como pensamos a vida financeira das famílias, inclusive a nossa. É ela que defende a meritocracia dos mais beneficiados desde o berço; lutam contra aqueles que não querem trabalhar duro para vencer, são contra a redução da jornada 6x1; não querem pagar mais tributos, o que os faz ficar radicalmente contra o pacote do Haddad. Mas sempre defendem a isenção de impostos a título de estímulos. Daí, no nosso país, o pobre paga mais que o rico, mais uma vez, na contramão do resto dos soldados do desfile. *** Correndo o risco de fazer uma comparação semelhante e incorreta, agora dos bancos com um dono de comércio de esquina, vamos admitir que o banco é uma loja que, ao contrário de vender berinjelas (exemplo de Delfim Netto), vende dinheiro. Ninguém irá achar que o banco deseja ficar com suas “berinjelas” , recusando-se a vendê-las, no lugar de obter preço maior que o valor que pagou por elas. O objetivo do banco é esse: ter lucro, como qualquer feirante. *** Por outro lado, cada vez mais os bancos se vêem às voltas com clientes vindos de famíias endividadas, alguns já inadimplentes, tomando dívidas para liquidar outras em uma roda viva que aumenta seu desequilíbrio, já que essa rolagem de dívidas sempre é feita com juros maiores. Os bancos alegam que têm que embutir o risco de calote. Devemos observar que os juros para o banco são fruto de quanto custa para ele convencer às poucas famílias que têm sobras de dinheiro no fim do mês e das muitas empresas pequenas, médias e, especialmente das maiores, a lhe ceder o uso desse valor. Títulos de renda fixa, por exemplo, coisa de 30% a mais que a Selic. Vamos dizer que algo como 1,5% ao mês. Além disso, o banco tem os custos administrativos, como aluguel de espaço físico para agências, pessoal, máquinas, água, luz, etc. Aí entram os riscos de inadimplência, risco de crédito, risco operacional, gastos com publicidade etc. E ao final, o lucro do Banco. O que nos leva a taxas de até 400% ao ano, dependendo do linha de empréstimo. *** Se as famílias estão cada vez mais endividadas, vão evitar tomar empréstimos, até o ponto que literalmente é se endividar ou morrer (de inanimção, sem comida). E os bancos irão sempre preferir emprestar ao governo, cujo risco é zero. Pela classificação de risco adotada em nosso país, aplicações bancárias em título público têm risco zero, o que permite a eles, não necessitarem de reservar parte de seu capital para eventual perda do recurso. Ou seja, não há necessidade de provisão de capital. Outras operações de crédito com as pessoas comuns, o risco chega a 100% e se o banco te emprestou 1000, o dono deve reservar 1000, para alguma eventualidade de não retorno do dinheiro. *** Feitas essas observações, minha dúvida pode ser dita. Qual o interesse dos bancos em evitar gastos do governo acima do que ele arrecada, ou déficits, se eles bancos é que irão financiar essa dívida pública ainda mais sabendo que o risco de perda do dinheiro é zero? O que aconteceria caso o governo emitisse reais e recomprasse todos os títulos de sua dívida? Em que tipo de atividade os bancos, tão zelosos da saúde do governo, iriam aplicar lucrativamente seus recursos? Emprestando a quem ele não confia que irá pagar? Emprestando para grandes empresas seja para capital de giro, seja para investimentos? Investindo em ações na Bolsa? Ou comprando dólares e os enviando para aplicações no exterior? *** As opções acima indicam que se aplicassem emprestando para empresas em nosso país, o país poderia crescer e ter mais estabilidade, emprego, produção e renda. O mesmo se dá com aplicação na compra de ações em bolsa, o que fortaleceria nossas empresas e permitira financiar o crescimento da economia brasileira. Claro, se isso não troxesse uma inflação de ativos capaz de gerar até uma bolha de ativos. Por outro lado, se tirassem dinheiro do país, elevariam o dólar, encareceriam nossas importações e alimentariam um processo inflacionário de produtos como alimentos, roupas, serviços pessoais, etc. Essa opção apenas revelaria a pressão ou chantagem feitas por todos esses agentes patriotas sobre o governo. *** Por quê? Para pressionar o governo a pagar juros maiores sobre os títulos do governo que estão em seu poder e eles terem mais lucros e ganhos, sem riscos e com o dinheiro à sua vista (dentro do pais). Juros maiores que, mais que chantagem permite a eles, forçarem ao aumento das despesas financeiras do governo, aumento dos gastos e mais endividamento, reiniciando o ciclo de enriquecimento de poucos em prejuízo de muitos.

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