quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Punição de aecim, mesmo de forma light, é ótima notícia, mas péssima medida para o Estado de Direito

Tenho que admitir que, se ainda não chegamos, estamos chegando a um ponto em que as fissuras entre as pessoas, grupos sociais, classes sociais em nosso país estão ficando tão amplas que será difícil, no futuro, conseguir colocar as distintas facções sentadas a  uma mesma mesa, tentando negociar um mínimo que seja, que possibilite a construção de um novo Brasil.
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Não que  tal construção coletiva tivesse sido possível algum dia, em nosso passado caracterizado sempre pelos acordos espúrios de elite, feitos à revelia da grande maioria da população. Fato revelador,  por si só, de que a construção de um país, ou a conformação de um projeto para o país, sempre foi mero discurso vazio, quando não apenas uma oportunidade para alcançar uma nova acomodação das distintas frações das classes dominantes.
O povo mesmo, esse sempre ficou de fora de qualquer tratativa de se construir um país mais justo, mais igualitário, não um país de benefícios iguais para todos, necessariamente, mas ao menos de iguais oportunidades. 
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Ao longo de nossa história, o que vimos sempre foi o acerto destinado à manutenção de alguns privilégios dos senhores de engenho, desde que eles não viessem a interferir ou atrapalhar a acumulação de capital, riqueza e patrimônio dos barões do café. Ou a transformação dos barões do café na classe política dominante dos PR's dos primeiros anos de nossa República Velha. Ou ainda a substituição da hegemonia da classe vinculada ao capitalismo agrário, pelo novo capital industrial burguês, de cunho urbano, mais moderno e consumista, mas também ele, apesar de sua modernidade, capaz de manter os olhos fechados para a forma de exploração do trabalhador rural no campo.
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Embora Caio Prado Jr. tivesse tratado da dualidade brasileira no contexto dos interesses dos senhores de engenho, liberais para os contatos com o mundo exterior, mas escravocratas nos limites de seus domínios, juntando a modernidade com a mais atrasada e ultrajante forma de exploração do trabalho, que ao final das contas era o que lhe dava sustentação, percebe-se que tal dualidade nunca deixou de existir em nosso país, onde a classe mais sofisticada e moderna apenas consegue assumir até ares internacionais, em face da manutenção de suas absurdas regalias e formas de exploração íntimas ou domésticas. 
Situação que tragicamente apenas mostra a grandeza do intelectual que foi Caio Prado, tantas vezes esquecido. 
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Para não nos perdermos muito em questões históricas ou da formação econômica de nosso país, basta lembrar de como, mais recentemente, empresários nacionais se uniram a grupos de capitais forâneos e, amparados por militares de viés sempre conservador, acabaram abortando a possibilidade de participação de qualquer movimento popular na discussão e na construção de uma nação capaz de atender aos anseios de todos os seus filhos. 
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Ah! é verdade que sempre foi dito e vendida a ideia de que a participação da ampla maioria da população não seria possível, por sua falta de visão, de capacidade de percepção e análise da situação do país, de sua incapacidade de elaboração de um diagnóstico mínimo das agruras do país, tudo em função da falta de educação atávica de nosso povo. 
Em alguns casos, os mais cínicos inclusive alegando para explicar tal situação de falta de educação e formação de base, mínima para o exercício da cidadania, existência de uma característica inata de nosso povo, mais dominado pelo caráter indolente obtido de herança de nossos antepassados e suas tradições, fossem índios, negros, etc. 
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Mas, a verdade é que, se função primeira e maior de qualquer Estado Democrático, a tarefa de fornecer Educação para o povo sempre ficou na contra mão das prioridades listadas pelas classes mais capazes de elaboração de um diagnóstico e da apresentação de alternativas de solução para os problemas do país. 
Como se o fato de se passar fome e necessidades básicas mínimas não já capacitassem qualquer um, a ter condições de discutir os principais problemas de sempre, de nosso país: a fome, a miséria, a falta de oportunidade, o desrespeito, a negação do acesso às condições de produção (a negação do acesso aos meios de produção). Importante destacar que tal impossibilidade de acessar os meios de produção é uma das principais explicações para a decantada indolência ou preguiça do povo, que não quer saber de trabalhar ... para os outros. Embora se disponha a trabalhar em prol de seus próprios interesses. E, não apenas de seus interesses individuais, mas de grupo, os interesses da comunidade, como o demonstram os famosos mutirões - típicos das comunidades da periferia e tão pouco vistos nos bairros mais favorecidos. 
O que mostra que solidariedade não é um sentimento que se adquire nas melhores escolas do país, nem mesmo naquelas mais caras e famosas. 
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Também é interessante observar que, em várias ocasiões do dia-a-dia, a inteligência ou a percepção do ignorante formal, é a chave da solução para problemas que a técnica não havia ainda conseguido resolver, o que pode ser reconhecido por vários de nós, classe média ou de nível de educação superior, caso queiramos admitir que a ignorância formal não retira do ser humano a capacidade de contribuir, com soluções muitas vezes brilhantes até, para a superação de problemas de vários matizes. 
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Bem, estou me alongando, não respeitando como deveria o conselho dado por minha cunhada e leitora Neuza, para quem seria melhor que eu escrevesse textos mais sucintos, com maior frequência, para seu (dela) deleite. 
Prometo que vou fazer isso Neuza, encurtando os pitacos para dar a oportunidade de apresentá-los com maior constância. Alías, para ser honesto, para que os (poucos) amigos que me lêem possam terpaciência para saber, e discutir o que estou pensando. 
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Mas, em 1964 o conluio das forças conservadoras e voltadas para a acumulação do capital a qualquer custo impediu, pelas armas e pela implantação de um regime autoritário e de tortura apoiada pelo aparato de Estado, que as forças populares pudessem promover alterações necessárias - e já realizadas nas principais potências econômicas do mundo capitalista, como a reforma fundiária, de forma a permitir a inserção de toda uma ampla categoria de pequenos trabalhadores rurais, na chamada classe média. 
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O resultado, como se sabe, além de tortura, corrupção e ganhos econômicos indiscutíveis de elevação de produtividade e avanços da renda nacional foi uma brutal concentração dessa mesma renda, cada vez mais centralizada na mão de menor quantidade de pessoas. 
Não por acaso, as mesmas pessoas que, ainda hoje, têm renda  maior que a de mais de 95% da população. E, por seu peso e importância, têm tantos benefícios que são os que mais obtém isenções de impostos, de nossa vergonhosa e pesada - NÃO PARA ELES- carga tributária. 
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E aí, ao encerramento desse período negro de ditadura que agora alguns insistem em querer de volta, vimos mais uma vez o acordo de elites funcionar, para fazer os subversivos de antes, chegarem ao poder, Tancredo à frente, para assegurar que sua vitória não iria trazer qualquer mudança nas relações estruturais estabelecidas. 
Principalmente, que investigação alguma de quaisquer crimes, mas principalmente os cometidos por agentes do Estado (já que os porões da repressão já tinham feito a apuração de muitos dos crimes atribuídos aos que eram contrários ao poder instalado e seus objetivos) seria realizada e punição alguma seria adotada, por piores que fossem as ações e maiores os atos de horrores infligidos a  parte dos brasileiros, típicos de crimes contra a humanidade. 
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Mas, sem deixar de me referir ao golpe parlamentar desferido pelos mesmos interesses contrários à maioria do povo, e que não poderiam levar nada melhor ao poder que essa excrecência que atende pelo nome de PMDB e seu chefe, tratado pela Polícia Federal como criminoso, temer, chego ao verdadeiro assunto que me fez começar o pitaco hoje, a dificuldade de sermos minimamente coerentes com o que defendemos: a justiça e a liberdade típicas do Estado de Direito. 
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Porque por mais que não goste de Aécio, e o ache o bandido preferido das classes mais favorecidas, e por mais que ficasse muito satisfeito que ele fosse, finalmente alcançado pelas garras da lei, até para reduzir essa sensação que cada vez mais se amplia de que só se pune o PT e seus líderes, sem que outros partidos e siglas sofram as mesmas sanções, o problema é que não há razão alguma para comemorar a determinação do STF, que afasta aecim do Senado e que o impede de sair à noite. 
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E nem vamos ficar aqui repercutindo as anedotas todas que correm a internet, a pior das quais aquela que diz que o líder da Rocinha estuda se filiar ao PSDB para não ser preso. Tampouco a piada de que o STF deve ter achado que aecim está gripado: precisando de repouso e não tomar sereno. 
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Também acho que, nesse momento, é pouco importante lembrar que aecim, sem qualquer caráter como parece ter se tornado sua forma de agir desde sua derrota em 2014, foi um dos principais elementos incentivadores da votação do Senado que aprovou a prisão de Delcídio, mesmo sem ter sido flagrado cometendo crime, como manda a lei. 
Lembrar disso serve apenas para mostrar que o ditado que o povo consagrou em sua sabedoria convencional ou o senso comum costuma manifestar, de que o feitiço sempre volta contra o feiticeiro é um aforisma que mantém intocada sua força.
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Apesar de tudo e, confesso, até pelo fato de estar vendo, mesmo que por vias tortas algo de justiça ser feita, alcançando o playboy que pretende representar Minas Gerais no Senado, a verdade é que não é possível concordar com a decisão que pune aecim, pelo fato de ser contra a Constituição. 
Mesmo sem ser advogado, pelo que leio e ouço e ouvi, um político com mandato não pode ser afastado do cargo por crime que ele tenha praticado, se não flagrado cometendo o ilícito. No instante do flagrante. O que não se caracterizou no caso do político aecim. 
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Tivéssemos uma outra composição em nosso Legislativo, talvez esse político já teria perdido a prerrogativa de detentor de mandato, o que seria pedir demais a seus colegas, que teriam que cassá-lo, quem sabe por falta de decoro. 
Tudo bem. Na casa legislativa não temos homens para tal comportamento. 
Mas, creio, como o ministro Marco Aurélio, que não há previsão legal para o STF tomar a decisão de que ele foi voto vencido. 
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Como não poderia ter aceitado passivamente o golpe contra Dilma, mesmo que seu (des)governo fosse notório. 
O importante é que se não está no livrinho, como Getúlio se referia à Constituição, não poderia o Supremo se arvorar em legislador. 
Por mais que os legisladores não mereçam a função de criação de leis que é exclusiva deles. 
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Bom aecim estar sendo punido, embora de forma light. Ainda assim, perde mais uma vez o Brasil, a democracia e o Estado de Direito. 
E quem achar que está tudo valendo, porque algum tucano foi finalmente punido, mesmo que parcialmente, está adotando o mesmo comportamento, em minha reles opinião, de quem acha que ainda vale a pena ganhar com gol de mão, impedido, no último segundo do jogo, depois de o juiz dar todos os acréscimos relativos às paralisações do jogo, justos ou não.
É isso. 



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