quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

"Dorme minha pequena, não vale a pena despertar": retrato do Brasil da diplomação de Bolsonaro e do que antevejo de seu discurso

Em cerimônia na tarde da última segunda feira, 10 de dezembro, o Tribunal Superior Eleitoral- TSE procedeu à solenidade de diplomação do presidente eleito pelo voto de mais de 57 milhões de votos, Jair Bolsonaro. 
Antes da cerimônia e para não perder a oportunidade de causar situações inusitadas, repetindo uma situação que parece que vai se tornando padrão, o eleito convidou um pastor da igreja frequentada por sua mulher, para realizar uma oração em sala reservada do Tribunal. 
O fato polêmico criou algum constrangimento, sendo objeto da crítica de alguns poucos presentes por ter tido lugar em dependência de um prédio público, de um Estado que se define como laico.
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É interessante recordar que antes, já no seu primeiro pronunciamento depois de divulgada sua vitória, na porta de sua residência, o deputado passou a palavra ao senador e candidato derrotado, Magno Malta, para a realização de mais uma oração.
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Claro, nada contra a demonstração de fé por parte de alguém que julga ter recebido de Deus a graça de ter sobrevivido à facada que de que foi vítima na campanha eleitoral, na cidade de Juiz de Fora.
Mas, é no mínimo estranho que tal manifestação ocorra justamente em um ambiente onde o discurso realizado pelo diplomado trouxe o compromisso de, a partir de 1º de janeiro, ser o presidente não apenas dos que o elegeram, mas de todos os 210 milhões de brasileiros.
Afinal, são suas palavras e sua promessa que,
"A partir de 1º de janeiro serei o presidente de todos, dos 210 milhões de brasileiro. Governarei em benefício de todos sem distinção de origem social, raça, sexo, cor, idade, ou religião."
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Bem se vê, então, que ao menos no que se refere à questão religiosa o tratamento será semelhante ao dispensado a outras questões já abordadas pelo eleito e sua equipe. 
Ou seja: o presidente tratará a todos como iguais, e aos desiguais como diferentes.
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Talvez essa seja a forma mais adequada de entender, por exemplo, a formação da equipe de seu governo que irá/iria promover "uma ruptura com práticas que historicamente retardam nosso progresso, NÃO MAIS A CORRUPÇÃO... não mais as mentiras, não mais a manipulação ideológica..."
E o que revela a análise dos indicados para os ministérios e, mais importante, como reage o presidente eleito?
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A verdade é que, cada nome escolhido e anunciado, com raras exceções, é sempre o nome de algum indiciado ou investigado, deixando de fora talvez apenas os ministros militares - que não são poucos. 
E como reage o agora diplomado, ao ser confrontado pela imprensa com as informações de tais acusações?
Adota a posição arrogante que consiste em afirmar que aqui no Brasil, todos são investigados e que até ele é réu no Supremo. 
E conclui com a frase que revela menosprezo, se não pelos 210 milhões de brasileiros, ao menos por  parte daqueles 57 milhões que o elegeram, até para se tornar Mito.
Isso porque, em minha opinião, um governo que se deseja o bastião da moral não deveria iniciar sob nenhuma suspeita, seja em relação ao Caixa 2 de seu ministro da Casa Civil, seja sob a suspeita de atuação de seu ministro indicado pelo Meio Ambiente, seja de seu Posto Ipiranga, Paulo Guedes, suspeito em questões vinculadas aos Fundos de Pensões; seja de si mesmo e sua própria família.
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Mas antes de voltarmos a esse tema, é importante comentar um outro comportamento adotado pelo diplomado, no mínimo curioso.
Óbvio que, em meio a uma solenidade de celebração, no interior do TSE, o diplomado não poderia adotar comportamento distinto. 
Mas é interessante observar como será, daqui em diante, o comportamento do eleito em relação às urnas eletrônicas, tão criticadas por ele e agora merecedoras de elogio,  que se estendeu a toda a família da Justiça Eleitoral, pelo extraordinário trabalho realizado. 
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Aqui no caso, confesso que me intriga mais a reação de todos os apoiadores e eleitores do capitão, que foram para as redes sociais manifestar seu repúdio e atacarem as urnas eletrônicas, todas viciadas, e tão sujeitas a manipulação. 
E agora? Com que cara ficam esses eleitores? 
Afinal, que resultado iria, em sua opinião, definir se as urnas e seu resultado eram mesmo, frutos de manipulação ... "ideológica"?
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Outra observação a respeito do discurso é a lista do que ele denomina a pauta histórica de reivindicações da população brasileira, em especial, no tocante à "igualdade de oportunidade com respeito ao mérito e ao esforço individual". 
Nesse caso, o que me intriga é o tipo de interpretação que deve ser dada a tal frase. Porque ainda em campanha, não foram poucas as vezes que o discurso do mérito e do esforço individual não foi utilizado para justificar sua atitude contrária às políticas ativas em favor de populações com quem a sociedade brasileira, ou grande parte dela, admite que temos uma dívida social imensa. 
Mais claramente, o que parece estar em pauta é o fim de políticas de cotas, por exemplo, para negros, pretos, índios, estudantes egressos do ensino público. 
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Ora, ao tempo em que fala de igualdade de oportunidade e respeito ao mérito e esforço individual, há uma série de discursos contrários à categoria do funcionalismo público, aos que aprovados em concursos onde o mérito é a principal arma, acabam ganhando a estabilidade para não poder desempenharem suas funções em prol da sociedade, sem depender da boa vontade de qualquer governante de plantão. 
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De mais a mais, como medir meritocracia e dispêndio de esforços quando a corrida é desigual e enquanto alguns têm que sair no meio da massa de atletas inscritos para a maratona da vida, outros podem se dar ao luxo de iniciarem sua corrida sem ter de disputar espaço com quem quer que seja, e a apenas alguns passos da faixa de chegada?
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O que a população de 210 milhões de brasileiros poderá esperar de fato?
A continuidade de políticas que visem oferecer à população o que lhe cabe por dever do Estado e da generosidade e solidariedade social, ou o desmantelamento dessas políticas, para poder  reduzir o Estado -essa quimera - a um mínimo, capaz de não necessitar de grandes recursos para poder sobreviver e, com isso, reduzir os impostos por ele arrecadados?
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É importante, nesse sentido, observar que o eleito se impõe a obrigação de "oferecer condições para que o empreendedor crie empregos e gere renda ao trabalhador".
E, embora não forçando muito a barra para não ficar apelativo, a verdade é que em meu modo de ver, a atenção do eleito e seu discurso é sempre mais focado no empresário do que na maioria da população, composta pelos trabalhadores.
Aliás, não foi ele mesmo quem já afirmou várias vezes que o trabalhador deve fazer uma opção entre ter direitos e não ter emprego ou ter empregos, com direitos mínimos?
Também não foi ele que, há poucos dias, em uma de suas falas à mídia, falou que tentou ser empresário no Brasil, em várias ocasiões, e sabe o quanto sofre o empresário em nosso país?
O quanto sofre aquele que deseja empreender?
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Infelizmente não me lembro do nome do cartunista que fez a mais sábia crítica a tal discurso. Mas a verdade é que se sofre tanto assim o empresário, e unindo ambas as falas, o melhor mesmo é ser escravo em nosso país. 
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Mas mais significativo em toda a fala o presidente diplomado, é a frase em que afirma que "o poder popular não precisa mais de intermediação, ... [já que] as novas tecnologias permitiram uma relação direta entre o eleitor e seus representantes."
Para prosseguir dizendo que, nesse novo ambiente a crença na liberdade é a garantia de respeito aos ideais ... 
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Talvez por isso, a presença e a cortesia feita pelo capitão a Collor. 
O presidente com quem guarda muitas semelhanças e que, entre elas, estava a das mensagens nas camisetas, em momento em que a internet ainda engatinhava e as redes sociais ainda não tinham a força e o poder que têm hoje. 
Porque ou muito me engano, ou também Collor tinha um perfil que pode ser classificado como mais direto. Para falar direto ao povo, sem precisar de intermediários tradicionais. 
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Nesse sentido, dá para entender o tipo de negociação que Bolsonaro vem fazendo com bancadas e interesses diversos, sem passar pela intermediação dos partidos tradicionais. 
Não é demais destacar que ambos, Collor antes, e agora o capitão, criaram partidos nanicos para os elegerem, o que demonstra que são mais, muito mais personalistas. 
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Também não é preciso entender muito de ciência política para saber que os líderes que insistem em falar direto ao público e eleitores, sempre foram os maiores tiranos. E sempre protagonizaram verdadeiras atrocidades. 
A comunicação direta ao público, é arma possibilitada fortemente pelas redes sociais, mas acaba com uma das principais forças da representação da sociedade civil: a capacidade de se peneirar as verdadeiras e mais autênticas demandas populares. Não de apenas um grupo que mais tem capacidade de manifestação e esperneio. 
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E então, feitos tais comentários, chegamos a um complexo tema: os cheques voadores que frequentavam a conta corrente de ex-assessor legislativo de um filho de Bolsonaro.
Valores que coincidem com aqueles que foram pagos a outros 7 contratados pelo gabinete de Flávio Bolsonaro, para serem transferidos para o policial agora aposentado. 
Em viagem cujo destino final foi, ao menos em um caso já apresentado, parar na conta da esposa de ... o mito: Bolsonaro. 
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E o que preocupa é que o eleito já declarou que era o pagamento por um empréstimo vultoso feito ao ex-assessor/motorista, ao menos por uma pessoa física e não uma instituição financeira. 
Pois bem, aceitemos a versão mais simplória. 
E o que faz Moro, o super-deus da luta anticorrupção? O suprassumo da moralidade em nosso país?
Age como o fez no caso das denúncias de Ônyx: reconhece que houve alguma irregularidade, mas que não vai agir, já que houve o reconhecimento do erro, o pedido de desculpas, ou a explicação já foi dada e é convincente. 
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Como foram convincentes os reclamos até agora apresentados por Aécio, Andréa e seu primo Fred. Como não foram convincentes as demonstrações e afirmações de Lula e da família Bittar, de que o sítio, como o triplex, não são propriedade do ex-presidente. 
O que levou à condenação de Lula.
Para mostrar que Moro não é imparcial. 
Parece-me que algum dia descobriremos que ele é apenas desonesto mesmo.
Ou muito rápido, quando lhe interessa o que, para um juiz (agora ex) está mais para a desonestidade mesmo.
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Enquanto isso, a população e os eleitores de Bolsonaro, repousam inertes. 
Curtem o maior torpor do sono dos justos. 
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E o médium João, agora desaparecido, não se materializa para dar explicações de seus maus feitos.
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E a ministra dos direitos humanos deseja pagar um salário para que as mulheres estupradas possam comprar sua paz e o esquecimento da violência sofrida (talvez como castigo de Deus!), com os míseros trocados de um salário que nem tem recursos para ser pago.
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Enquanto isso, o povo dorme. 
E como diz Chico Buarque: dorme minha pequena, não vale a pena despertar. 

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito apropriada sua análise sobre os feitos do ex-capitão.
Aos poucos a face do "mito" vai sendo revelada, pelo menos para aqueles que acreditaram naquele discurso rasteiro e mambembe. Me parece que vivemos de 30 em 30 anos uma maldição: Jânio Quadros, Fernando Collor e Jair Bolsonaro: todos fizeram uso de discursos simplistas de combate à corrupção, moralidade e eficiência em gestão. Sabemos bem como terminaram os dois primeiros, curiosamente todos com grande vocação totalitária.
Os dois primeiros fizeram governos pífios, apesar da aclamação popular. Ambos esperavam o apoio popular para saírem fortalecidos de crises... e se deram mal! Renunciaram sem deixar saudades.
O ex-capitão já se mostra enrolado por situações criadas pelos herdeiros, bem como por alguns daqueles que escolheu para o primeiro escalão, o que representa no mínimo contradição. O super-herói dos desinformados e ingênuos (moro) se omite... e o pior passa a concentrar enorme poder (Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, SENASP, SENAD, FUNAI, Comissão da Anistia, COAF - grife-se -).
O que é pra lá de temerário, sem contar os generais...
Os versos do grande Chico Buarque, "apesar de você, amanhã há de ser outro dia", soavam esperançosos para os nebulosos anos 1970... mas agora nem tanto, pelo menos para mim. Afinal o vice é um General.
Fernando Moreira