quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Histórias que nossos pitacos não contavam ... uma farsa sobre os crimes do bem e crimes do mal

Dizem que o uso do cachimbo faz a boca torta.

O que significa que o hábito faz maravilhas, como vestimenta dos religiosos ou modos e costumes.

E que a sabedoria popular, mesmo não erudita ou formal,  consiste em importante ativo possuído por qualquer povo, de qualquer nacionalidade, em várias circunstâncias e ocasiões.

Nem sempre, entretanto.

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Para nossa reflexão, e a título de exemplo, analisemos a seguinte situação totalmente hipotética.

Vamos supor, que alguém, dotado de alguma pretensa liderança e nenhum tipo de pudor ou juízo, se lance candidato, como representante da categoria da qual é oriundo e com a qual se identifica.

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Para dar a esse indivíduo maior grau de complexidade, tornando-o menos superficial e mais próximo do que sabemos ser qualquer ser humano, com suas falhas, fraquezas, crenças, expectativas, desejos, ambições, sentimentos, digamos que desde sua juventude ele frequentou, estudou, conviveu, praticou esportes, se destacou e até se formou em instituições de formação e treinamento militar.

Para evitar que nosso personagem se assemelhe a mero invólucro, sem uma identidade, vamos atribuir-lhe um nome. Quem sabe JaiMe, para já ir nos acostumando...

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Em seguida,  vamos supor que, em defesa da melhoria de seu soldo, JaiMe se envolve em movimentos de reivindicação que, caso atendidos, resultem em melhora de remuneração de todos os seus colegas de armas.

Imaginemos que, desconhecendo qualquer limite de bom senso e disciplina, e incapaz de controlar seu gigantesco ego e de resistir a qualquer facho de luz, seja de uma lanterna, seja de qualquer holofote, JaiMe se envolva em tais movimentos obtendo algum destaque. Muito,  em razão de suas ideias sempre estapafúrdias, cômicas, risíveis ... insanas.

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Fruto de tal perfil e comportamento, vamos admitir que nosso personagem se exponha a ponto de acabar sendo punido por quebra de hierarquia, da disciplina, pelo desrespeito às normas que deveriam moldar seu comportamento.

Apenas como pano de fundo, vamos dizer que o país de nossa história acaba de sair de um duro regime ditatorial, contrário aos direitos e à dignidade humana, patrocinador de torturas e tolerante com um amplo esquema de corrupção, tudo sob o manto da defesa da decência e da moralidade. Sob a inocente desculpa da preocupação com a coisa pública: os guardiões da Re(s)-Pública.

Por trás de tantas e tais atrocidades, falsidades e falácias,  os militares. Responsáveis por 21 anos de domínio absoluto exercido por aqueles, constitucionalmente detentores do monopólio das armas: os militares.

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Então, tal qual o despertar de uma longa noite de pesadelos e apesar de todos os seus inúmeros defeitos - e por causa deles-,  a sociedade civil resolve se insurgir e retira dos autores do golpe autoritário, o apoio que um dia lhe assegurou.

Nesse momento, de volta aos quarteis para o cumprimento de sua nobre missão constitucional (a ver, qual, na realidade!!!), os militares sentem-se desprestigiados. Abandonados. Desrespeitados. 

Sem apoio, acusados e mal remunerados.

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Para redimi-los, em meio a uma campanha eleitoral, surge uma voz. A mesma voz capaz de ecoar e difundir um amontoado de inverdades, mentiras, disparates, falácias. Sempre uma voz dissonante.

Uma voz que, junto aos seus antigos companheiros de farda, soa agora como a voz de um injustiçado. Um perseguido. Um homem expulso da tropa, apenas por defender a honra (e a grana) do conjunto dos fardados.

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JaiMe se elege e, dado seu perfil, passa a conviver com os ratos que habitam os porões e a rede de esgotos onde vai se instalar e se manter pelos próximos e longos 30 anos.

Ali, usa e abusa do poder de manipular verbas públicas com a contratação de assessores e funcionários fantasmas, cuja remuneração sai do pagamento de impostos de toda a população tomando a direção final do caixa único, ou bolso único, de JaiMe.

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A tramoia é tão rentável que JaiMe lança toda sua família, seus filhos (mesmo incompetentes), suas ex-mulheres, seus parentes e amigos, no exercício da profissão mais antiga do mundo. (Não, não é a prostituição. Essa é a mais antiga das formas honestas de ganhar a sobrevivência).

Forma-se o clã político, dos Bestialli, sob o comando do capo JaiMe.

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Mas, não é apenas JaiMe. Todos os seus colegas do baixo clero da Câmara agem da mesma forma: contratam um número elevado de assessores pagando-lhes um rendimento muito acima daqueles recebidos pela ampla maioria da população trabalhadora do país. Em seguida, obrigam tais assessores a devolverem parcela da remuneração que lhes é devida.

Todos locupletam-se, se enriquecem e tornam regra o mau uso do dinheiro público.

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Talvez, diferente de seus colegas,  JaiMe não peça propinas para aprovar projetos. Afinal, ele nem tem, nem apresenta ou defende qualquer proposta de projeto de lei.  Por absoluta inapetência ou só mesmo falta de tempo.

Talvez ele nunca tenha sido indicado para participar de qualquer comissão importante, das que são formadas com a obrigação de discutir temas como a lei orçamentária. Com todos os benefícios das barganhas aí tratadas.

Talvez Jaime não tenha ganho 211 prêmios consecutivos em loterias oficiais, por um olhar benévolo a ele dirigido por Papai do Céu.

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Não tendo participado de desvio de recursos, roubos, cobrança e pagamento de propinas, ele está apenas fazendo o que é costume. O que todos fazem. O que explica porque a população não enxerga em seu comportamento qualquer crime.

Muito mais grave, por não ser prática unânime, é o fato de um político se beneficiar de propinas, presentes, agrados, pagos por quem, de forma explícita,  majora o preço de obras públicas, pratica sobrepreços ou frauda concorrências.

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Afinal, a obra que poderia ter sido feita por metade do valor do orçamento, ou aquela que não foi concluída por falta da revisão de valores, ou da aprovação de aditivos de preços – essa, o contribuinte tem convicção de que foi fruto do desvio de seu suado dinheiro (do seu, do meu, do nosso dinheirinho!).

Isso é crime. Com rastro e digitais. E esse merece ser punido. Com cadeia. Condução coercitiva, algemas. Condenação para toda a eternidade. Haja ou não provas (e não indícios!).

Essa é a exceção.

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A regra é cada gabinete do Legislativo já contar com dotação orçamentária para a contratação de equipe de assessores, qualquer que seja sua finalidade.

Reservada a verba, se ela vai ser gasta com assessores autênticos, competentes, peritos, ou com parentes, dá no mesmo. Se vai voltar para o bolso do representante do povo ou não, não é objeto de crítica.

Afinal, já está lá mesmo, na previsão. Logo, deverá ser gasta. Em benefício próprio ou não.

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O problema é que o cidadão comum, dono de imensa sabedoria que conforma o senso e o conhecimento comum, não entende que, se não houvesse tais contratações de simulacros de assessorias, o gasto das casas do povo poderia ser reduzido.

Com menor orçamento para o Legislativo, menor seriam os gastos públicos. O que liberaria recursos para serem utilizados em prol de melhoria da qualidade dos serviços públicos. Ou ainda melhor, com mais e melhores serviços sendo prestados a menores custos. E menores cargas tributárias.

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O que me leva a questionar, o porquê da existência de crimes que podem, e crimes que não são tolerados. Todos com os mesmos vícios de origem.

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Mas o povo prefere ver outros políticos, até ex-presidentes, acompanhados de seus filhos e companheiros na cadeia.

E ficam indignados com tanta perseguição feita a JaiMe e aos seus filhos, por essa extrema imprensa, dominada por comunistas e interesses escusos, em movimentos globalizantes de complô contra o país. 

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