Este pitaco é para tratar do Brasil. Esse Brasil tão bem descrito na coluna de Sérgio Rodrigues, na edição impressa da Folha de hoje, como um país dividido, de forma maniqueísta em Brasil A e B, respectivamente o país das forças pró-vida e pró-morte. De forma tão simplesmente binária quanto organizada e oposta.
E, no entanto, é tudo um país único: Brasil. Brasil A.D ou
D.D., antes ou depois da destruição.
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Mas, começo por registrar um evento ao qual ainda não fiz
referência e que, de forma inequívoca, causou uma profunda cicatriz em minha
forma de refletir nosso país e o mundo.
Trata-se da exclusão da deputada Liz Cheney, filha do ex-vice presidente republicano Dick
Cheney, da cúpula de líderes (ela ocupava um dos três cargos mais importantes)
daquela bancada.
Pelas notícias e análises veiculadas, a deputada foi
ferrenha advogada do impeachment do presidente derrotado Trump, após a invasão, por ele incentivada, ao Capitólio.
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Curioso é o fato de a deputada adotar comportamento neocon,
ou seja, de cunho conservador, considerado à direita do partido dos vermelhos
(os republicanos, o que mostra que a cor, em si, não pode ser responsabilizada
por qualquer posicionamento político!).
Isso antes da eleição de um populista da direita ultra-radical,
que exigiu a destituição da deputada da liderança: Donald Trump.
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Levando em conta o histórico de fanfarrão de Trump, mais
preocupado com o mundo das celebridades, mesmo que em níveis mais rasteiros do
ponto de vista cultural, confesso ter sérias dúvidas quanto ao posicionamento
político que imputam a Trump, de direitista extremado.
Ao contrário, minha opinião é que, atraído pelos holofotes
proporcionados pelo cargo, e em função de seu desmesurado ego, Trump era o
idiota ou o fantoche mais adequado para se envolver em uma luta, a princípio
vista como derrotada, dentro de seu próprio partido.
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Por trás de Trump, as ligações espúrias, nefastas, dos
irmãos Koch com Steve Bannon, o ideológo e responsável pela eleição do
fanfarrão.
Creio que, ao longo de seu mandato, as ações de Trump foram,
na maior parte das vezes, orientadas pela troica, ao menos até a morte de David
Koch, em 2019.
Mas, é indiscutível que Trump conquistou, contra a maioria
das apostas, não apenas a indicação de seu partido para a corrida eleitoral à
presidência, como foi eleito, com manipulações ou não.
Claro, para tanto, muito contribuiu o movimento do Tea
Party, já bastante robusto, desde a indicação de Sarah Palin como candidata a
vice de John McCain, em 2008 (ou desde antes, das obras de Ayn Rand).
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Voltemos ao nosso país. Aqui, como na matriz, o miliciano
genocida que ocupa a presidência da República sempre foi um boquirroto, um fanfarrão,
capaz de abrir a boca para manifestações completamente toscas, abjetas, baixas,
grosseiras.
Um idiota que se gabava de nunca ter feito nada na vida, de
relevante, exceto ameaças, a maior parte das vezes, infundadas por delirantes
ou espetaculosas.
Desde a ameaça terrorista de instalar artefatos explosivos na
cidade do Rio de Janeiro, quando militar, até depois de sua expulsão por meio
do “convite para se retirar”, na carreira
de representante do povo.
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Como deputado, sua folha corrida é como o grau de sua inteligência:
nula.
Mas, se apresenta sinais de deficiência cognitiva e de
intelecto, o deputado miliciano sabia como se comportar para, no esgoto e nas
sombras, ganhar apoio, fazer fortuna e apropriar-se de dinheiro dos outros em
favor próprio, seja por meio de contratações de funcionários fantasmas, seja
por rachadinhas.
Esperto, logo encaminhou os filhos para, sob a governança de
Queiroz, reproduzirem a apropriação indébita de recursos privados ou públicos.
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Além disso, é inegável sua vaidade, típica da personalidade
de portadores de psicopatias ou sociopatias graves.
E o indivíduo com tal perfil foi escolhido, assim como
Trump, para servir de invólucro para as ideias de um astrólogo com pretensões a
filósofo mor e guru político, como Olavo de Carvalho. Personagem que mantém vínculos
de amizade com Steve Bannon e Dugin.
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Surge aqui um terceiro nome, Aleksandr Dugin, referenciado
como o guru de Putin.
A ligar os três gurus, uma visão baseada no tradicionalismo com
base em trabalhos de filósofos tidos como esotéricos, como René Guénon e o
italiano Julius Évola.
Em sua leitura dos filósofos responsáveis por estruturar o
tradicionalismo, pontos em comum, como um olhar crítico à idade moderna, de que
desdenham. Para eles, a queda de valores e símbolos da espiritualidade, o
predomínio do raciocínio científico e da razão sobre os valores religiosos, o materialismo
e a organização da vida social em organizações supranacionais, globalistas, são
males que devem ser combatidos e destruídos, pela capacidade de tais valores
estabelecerem comportamentos sociais comuns ou comunistas!!
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Sob tal ideia de manutenção do status quo, ou até da volta
no tempo, para a época de sociedades de castas e direitos não reconhecidos para
todos, sua linha de ação se baseia em negacionismo, construção de realidades
paralelas, mentiras ou “fake news”, ou uma “fake reality”.
Para tocar tal disparate em frente, e transformá-lo em diretrizes
de políticas públicas, só pessoas inteiramente ocas de conteúdo, conhecimento,
ou discernimento.
Aqueles por quem sentimos vergonha alheia, já que incapazes,
de se envergonharem por si mesmos.
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O que me causa estranheza é que tais políticos eleitos não
representam apenas uma embalagem espalhafatosa para ideias esotéricas. Eles têm seguidores. Logo,
representam uma camada de indivíduos que, para mim, representam o pior dos
seres vivos a habitarem o esgoto da sociedade humana.
Pessoas que, provavelmente, nem mesmo tinham consciência de
toda a podridão que continham e vieram cultivando ao longo de uma
vida, provavelmente de frustrações e incapacidade de lidarem com dificuldades,
adversidades. Sempre desenvolvendo teorias conspiratórias centradas em inimigos
que lhes roubaram o que era seu por direito (divino?).
Indivíduos limitados, medíocres, incapazes de extraírem lições
das derrotas e de se tornarem vitoriosos.
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Daí, ausentes de valores mais dignos, passam a pregar e
destilar ódio; discursos de negação da vida, do direito à diversidade, de
proteção aos mais desvalidos e mais fracos; de desrespeito ao meio ambiente, à
mãe Gaia, templo de toda a vida.
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Claro, aí no meio, alguns distraídos, cada vez mais arrependidos
de terem tomado a embarcação que lhes vendeu o sonho utópico da viagem mais mirabolante. Alguns,
como parte dos eleitores de Trump, incompetentes para lidarem com as mudanças
de que se tornaram vítimas, que lhes roubaram o emprego, a renda, a vida digna.
O que lhes acarreta um problema sério, em uma sociedade em
que pessoas sempre foram classificadas como vencedores ou perdedores (losers).
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Em um ambiente em que se vende a ilusão da concorrência entre
iguais, livres, em igualdade de condições, perdedores criam a visão mais trágica
de si mesmo, perdendo o auto-respeito e o amor próprio. Tornam-se, aos seus próprios
olhos, uns párias. Dispostos a tudo.
Aqui a influência de personagens como os irmãos Koch, ou os
magnatas do capital financeiro, os plutocratas que não se preocupam com a utilização de dinheiro para a produção ou a
geração de emprego e renda. Preocupam-se apenas em atividades especulativas,
rent seeking.
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Ninguém fala ou expõe a realidade nua e crua: a concorrência
não é livre nem todos têm as mesmas armas e condições. A meritocracia é apenas
uma falácia.
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Se existem esses perdedores, ludibriados em sua fé no
mercado e nas condições (falsas) de livre concorrência dos mercados, não devemos
nos esquecer que, mais cedo ou mais tarde, o conhecimento das verdadeiras
condições acaba por se impor. O que cria as condições favoráveis para o arrependimento.
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Pior são os que não nutrem essa visão idílica da sociedade em
que vivemos. Os ratos de esgoto que, com o advento da internet e das redes sociais
apropriaram-se do espaço novo, para destilarem suas ignomínias.