Confesso que há muito tempo eu queria ter condições de dar alguns pitacos em outras esferas de nossa realidade, distante das baixarias da besta-fera que ocupa o Planalto.
Acho
necessário enfatizar e qualificar a frase acima, “que ocupa”, uma vez que o faz
apenas ocasionalmente, já que não é dado a trabalhar, preferindo a emoção da vida ao ar livre. Ainda
que o ambiente em que opte por estar seja sujeito a todo o tipo de poluição,
seja a sonora dos roncos de escapamentos de centenas de motos, seja a provocada
pela emissão de gases combustíveis expelidos por estas mesmas motos.
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Admito
e entendo a preferência do ex-militar por eventos de natureza agressiva ao ambiente,
como as motociatas; os passeios de
jet-ski, como Collor; ou as alegres tardes
de passeios de lanchas, acompanhado ou não de outras embarcações deixando
rastros de óleo nas águas marinhas, tudo sob a influência de trilha musical repleta
de funks e danças desengonçadas.
No
fundo, a poluição daí proveniente é preferível àquela causada pelos incêndios
que consomem a nossa Floresta Amazônica, que ele finge não ver e não adota
medidas para impedir de acontecer. Ao contrário, elogia.
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O
problema é, como dizia um seu comparsa em relação ao meio ambiente, a
necessidade e urgência de que se aproveitar a porteira aberta para que o cowboy
frustrado de nossa Roliude, possa tanger e passar a boiada.
Se
o gado opta por ir de moto poluente e barulhenta, pouco importa. A festa é a mesma.
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Mas
o pitaco hoje é para tratar de questões mais amenas e registrar feitos mais dignificantes.
Quero
tratar aqui, com destaque especial, do gesto do jogador Moisés do Fortaleza, em
partida contra o Flu. Gesto que revela a capacidade de grandeza de que são dotados os seres humanos.
E que nos orgulham de sermos desta raça, que não campeia pelos campos e pastagens.
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Desnecessário
descrever o lance, mostrado por todas as tevês e programas esportivos do país,
desde que, na disputa de uma jogada, com o Fortaleza em situação crítica na competição,
o defensor do time adversário sentiu uma fisgada na coxa, parando de correr e,
incontinenti, pedindo por substituição.
Ao
invés de se aproveitar da situação que lhe favorecia às custas da contusão de
um colega de profissão, o jogador optou por paralisar a jogada, deixando de
correr em direção a um gol que poderia assegurar a vitória ao seu time.
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A
torcida do Fortaleza não deve ter ficado satisfeita, é bem verdade. Ou parte
dela. Mas, Moisés, naquele momento, se preocupou mais em ser solidário. Como
querendo transmitir a noção de que a vitória tem mais significado quando
respeitadas as condições de igualdade na disputa.
Agindo
assim, pode não ter ajudado seu time a vencer aquele jogo, mas alcançou vitória
muito maior: a da capacidade de empatia, solidariedade, companheirismo da raça
humana.
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Muitos
falam da existência de uma lei do retorno. No paredão, a bola de tênis volta na
hora do treino com a mesma intensidade que o atleta solitário a lançou. Se o lançamento
foi muito forte, a violência do retorno pode atingir e até ferir o jogador
desatento.
Pois
a lei do retorno funcionou ontem: Moisés foi autor de 2 dos 4 gols que
classificaram o Fortaleza à fase seguinte, de mata-mata da Libertadores.
Feito
de toda a equipe do Fortaleza que merece
destaque, seja por ter sido esta a primeira participação do clube no torneio sulamericano,
seja por ter sido protagonista de uma arrancada digna de reconhecimento, em
razão da garra rumo à classificação, uma vez que poucos confiavam na capacidade
de reação do time, considerado derrotado depois de “jogos de ida” de
insucessos.
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Parabéns,
Fortaleza.
Parabéns
a você Moisés, que reabilita a questão de que o esporte não é, não deve, não
pode ser tratado exceto como o que ele é: uma competição para ampliar as relações
entre todas as pessoas.
O
esporte não é uma guerra. Não pode levar a brigas, confrontos, selvageria e
mortes.
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Mais
ligado à morte, infelizmente, é a ação da polícia militar despreparada do Rio
de Janeiro, que parece estar constantemente em disputa para ver que corporações,
que policiais, de que estado, são capazes de bater o recorde de assassinatos e execuções
de criminosos das periferias.
No
mais recente e triste episódio, mais de 25 mortos... mas todos criminosos. E
acentuo a adjetivação dada pelo porta voz da PM às vítimas. Exceto uma mulher, que
parece carregar a culpa de estar ali, no local errado e hora errada, como
testemunha da selvageria dos policiais.
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De
minha parte, permaneço na opinião de que criminosos ou não, de alta ou baixa
periculosidade, todos merecem ser tratados como seres dotados de direitos.
Ao
argumento de que eles não respeitam direitos de outros, e merecem o que a lei
do retorno lhes propicia, contraponho o argumento de que a força do Estado, em
nome da sociedade não deve e nem pode ser usada em cumprimento da Lei atribuída
a Talião do olho por olho e dente por dente, ausente de nosso sistema de
regramento social.
Sob
o risco de, ao admitirmos a racionalidade de aplicação da lei espúria, nos
transformamos todos, ao final, numa sociedade de assassinos.
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Que
o militar expulso das Forças Armadas acusado da prática de atos de terrorismo tenha
se manifestado elogiando a ação dos policiais na comunidade de Cruzeiro, morro
da Penha, acentua apenas e mais uma vez sua verdadeira índole: a de mensageiro
ou porta-voz da Morte.
Do
que são testemunhas todos os parentes das mais de 666 mil vítimas de Covid que
ele ironizou e acusou de estarem de mimimi.
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Outros
eventos poderiam ser abordados nesses pitacos. Infelizmente, a maioria deles sem
a mesma inspiração e nobreza do comentário da atitude do jogador Moisés.
Refiro-me
ao ataque, mais um, protagonizado por um rapaz desajustado e vítima de bullying
por ser gago, Salvador Ramos, no estado do Texas, como relatam ex-colegas.
Até
a invasão de uma escola de crianças, na faixa etária de 5 a 10 anos, portando armas pesadas como dois rifles, de fácil
aquisição para promover um massacre que culminou com mais de 21 mortos deve nos
servir á reflexão.
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Afinal,
mistura-se aqui uma questão de educação e escola, de ensino e respeito às
diferenças. De diferenças e agressões verbais sob a forma de críticas ao diferente.
De falta de cuidado e atenção aos alunos, mesmo que eles estejam dando sinais
evidentes de estarem se sentindo agredidos.
Da
falta de um olhar de afeto, talvez por ser a vítima do bullying, um rapaz estranho, nesse
sentido, forasteiro, de fora. E, como tal, não merecedor da atenção dispensada
aos que nos são iguais.
Mesmo
que seja falsa, é corrente a noção de que as crianças são, sem educação, ensinamentos
e limites autênticos tiranos.
Atitude
que nelas se explica pelo desconhecimento da diversidade do mundo. E da riqueza
acoplada a tal diversidade.
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Nada
justifica a barbárie, e o massacre. E menos ainda a morte, em sacrifício por
uma sociedade doente, de crianças.
Mas
se estes episódios podem ser classificados como exceções, a facilidade de aquisição,
de acesso e porte de armamento tem parcela fundamental de contribuição para que
o que era eventual cada vez mais vá se incorporando à normalidade – ainda que
doentia – de nossa vida em sociedade.
Justo,
e importante, registrar sempre, quando o inominável que nos desgoverna faz
campanha para o armamento de nossa população.
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E
o que justifica a exacerbação de atos discriminatórios nas Câmaras e
Assembleias de São Paulo, contra negros, contra mulheres, contra pessoas transfóbicas?
O
que justifica tanta agressão no espaço que é de representação da sociedade, exceto
a constatação de que a sociedade, ao que parece, está muito bem representada, por
um conjunto de bárbaros selecionados e reunidos em um antro.
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E
o que justifica a agressão ampliada às mulheres, vítimas de ataques, agressões e
crimes contra a vida, tentados ou consumados.
Até
que ponto a doença que grassa em nossa sociedade e que as coloca como vítimas
pode ser tratada como provocada ou atribuída, tal qual na época de condenação da bruxas às
fogueiras, às mulheres, seu legítimo direito de conquista da liberdade, de
condições de trabalho, renda, respeito, ao direito de não serem preteridas em
locais de trabalho, de não serem importunadas em meios de transporte ou vias
públicas, culminando até com o direito exclusivo sobre o seu próprio corpo.
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Que razão tem levado tantos homens a se assenhorearem da
vida daquelas que alegam ser a inspiração de sua vida, que lhe transmite a falsa
sensação de terem o direito de propriedade sobre outras vidas?
A ponto de se julgarem autorizados a matarem como última
atitude em defesa desse direito que se julgam detentores?
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Termino com o lema que não pode cair no esquecimento, na luta
pela preservação das condições de vida para as gerações futuras de nossa
cidade:
Tira o pé da
minha Serra.
Um comentário:
De fato, a cena de Moisés merece aplausos e deveria ser reprisada muitas vezes, a começar pelas escolas, mas também nas empresas, em casa, etc. Afinal representa que há jeito para a humanidade e que vencer tem muitos significados, a vitória deve ser a do respeito ao próximo, antes de mais nada. Respeito... artigo cada vez mais raro por estas paragens, basta assistir o noticiário trágico desta semana, de agressões a mulheres, assédio sexual a crianças, violência cada vez maior daqueles que deveriam zelar pela segurança pública. Mas estamos em um país onde a autoridade maior é também o principal defensor da violência, em todas as suas dimensões e o pior permanece impune... o que inspira muitos monstros que estavam travestidos de gente, escondidos em armários, porões, fardas, jalecos, etc. Me junto ao coro: tira o pé de minha serra.
Fernando Moreira
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