terça-feira, 30 de setembro de 2025

O discutível impacto dos juros sobre preços de alimentos e mapa da fome e a falácia da austeridade

https://youtu.be/-ons166y51A. Atribuir à política monetária - de juros pornográficos – do Banco Central parte da responsabilidade, ainda que subsidiária, da redução da alta dos preços dos alimentos, em razão da criação de um ambiente de estabilidade de preços fruto de uma política monetária responsável, como o faz Paulo Gala em seu artigo “Inflação de Alimentos e mapa da fome: Impacto Social e o Papel do Banco Central”, publicado em 26 de setembro último em seu site, expressa muito mais que apenas boa vontade com o Banco Central e sua diretoria. Professor de Economia da FGV-SP, além de gestor de fundos e CEO de instituições do mercado financeiro, a abordagem do professor quanto ao papel do Banco e ao efeito da elevação da Selic na contenção da inflação entre 2021 e 2023, provocando a estabilidade de preços e reduzindo a alta de preços dos alimentos de 14% ao ano para menos de 3% em 2024 merece cautela. *** Afinal, defender a política esquizofrênica de juros praticada no Brasil, que interessa e beneficia apenas aos agentes do mercado financeiro, permite ao professor defender a sua manutenção futura, sob o argumento de risco de “nova aceleração dos preços de alimentos”, que deve ser monitorado com atenção redobrada. Embora se reconheça a existência de uma correlação negativa entre taxas de juros e níveis de preços, com preços e juros se movendo ao mesmo tempo, isso não assegura a existência de causalidade dos juros para os preços. Ou, a elevação dos juros não provoca, necessariamente, queda de preços, que podem responder a outras causas implícitas. O professor e seus colegas do mercado sabem disso. No entanto, o senso comum diz que “business is business”. *** Partindo da informação do peso relevante do gasto com alimentação no orçamento das famílias mais pobres (algo próximo a 47% da população ou cerca de 100 milhões de pessoas), o professor argumenta que mesmo variações reduzidas nestes preços podem ter consequências em seu poder de compra, sua percepção de bem estar e até na avaliação do governo e na confiança no chefe do Executivo, o que representa um risco para a manutenção da estabilidade política. Com base nesse raciocínio, o professor atribui um papel importante à inflação dos alimentos para a segurança alimentar da população, apontando à redução de preços dos alimentos entre 2022 e 2024, a explicação para a saída do país do mapa da fome, e a redução do número de pessoas em insegurança alimentar grave, de 33 milhões para 18 milhões de pessoas. *** Aqui a análise do professor avança em terreno movediço ou escorregadio, uma vez que atribui papel de relevância nesse combate à fome, ainda que coadjuvante, à política de juros praticada pelo Banco Central. O professor não deixa de reconhecer papel preponderante ao conjunto de políticas públicas praticadas pelo governo, visando expandir o crescimento econômico e elevar o nível de emprego e renda, catalisadas por políticas sociais e programas de transferência de renda, como a política de aumento real do salário mínimo e o programa do Bolsa Família, que permitiram às famílias recuperarem seu poder de compra e terem um acesso mais efetivo aos alimentos. Assim, atribuir um papel auxiliar à política de juros pornográficos do Banco Central, parece mais uma preocupação em amenizar os efeitos da política de juros praticada, que o professor classifica com política monetária responsável. *** Fosse verdadeira a conclusão, os preços dos produtos agrícolas e outros como carne, ovos, e até energia teriam se mantido em baixa desde 2022 até 2024, quando os juros passaram a ser elevados. Não foi esse o comportamento dos preços dos produtos citados em 2024, reflexo do resultado de efeitos perversos da crise ambiental, das mudanças climáticas, dos desastres naturais que provocaram a redução de suas ofertas e aumento dos preços dos produtos, de que são exemplos as enchentes no Rio Grande do Sul; a escassez hídrica ou efeito de queimadas que afetaram a cultura do milho, do café; ou a crise da gripe aviária nos Estados Unidos ou a quebra de safra em outros países, afetando olivais, a produção de azeite, etc. Às tragédias naturais, somam-se a destruição, posta em marcha no governo anterior, das políticas de formação de estoques reguladores, somadas ao desmonte da infraestrutura de estocagem, função da política de caráter liberal de privativação e venda dos armazéns da Conab, de resultados desastrosos. *** Embora os juros não tivessem declinado nesse ano de 2025, os produtos citados passaram a experimentar uma queda em seus preços – embora ainda em patamares elevados – em função do reequilíbrio das condições climáticas, com a normalização do regime de chuvas e a redução danosa de eventos de natureza catastróficas. O que indica que a redução não se deu por influência dos juros e confirma que o movimento simultâneo, em direções contrárias, de juros e preços, não implica necessária causalidade entre elas, mas a presença de variáveis outras, não consideradas no modelo teórico explicativo. *** Admitir um efeito positivo aos juros é adotar a visão dos agentes do mercado financeiro, que se beneficiam da manutenção de juros elevados, às custas dos efeitos disruptivos dos juros sobre variáveis como investimentos, nível da atividade econômica e de emprego, renda, gastos públicos, receitas públicas, resultado primário e resultado nominal, dívida bruta, câmbio, e até mesmo custos (financeiros) e seus impactos nos preços, além da produtividade; e sobre outros importantes setores da economia como o industrial, ou ações de desenvolvimento científico e tecnológico. *** Em acréscimo, os juros elevados aumentam os gastos financeiros do governo, elevando o déficit nominal e afetando o indicador Dívida Bruta/PIB. Assim, alimenta a falsa sensação de descontrole de gastos do governo, o que reforça a demanda de toda a mídia conservadora e da sociedade por adoção de políticas de austeridade, e corte de gastos sempre voltados à redução dos gastos sociais e transferência de renda. Anula-se assim o esforço governamental da adoção de políticas públicas que visam a desconcentração da renda no país. *** Sem esquecer o engodo que o conceito de austeridade contém, considerado a receita infalível para se atingir uma hipotética e falaciosa posição equilíbrio estável, a ser alcançado e se manter em uma economia instável, pois dinâmica por excelência. No fundo, a ideia liberal de austeridade não significa nada mais que a criação de mecanismos que perpetuem e ampliem o grau de exploração do trabalhador e o impeçam de se apropriar dos frutos de seu trabalho - seja pela ampliação do nível de desemprego, seja pela fragilização de sua posição de negociação de salários e direitos. Apropriação dos frutos do trabalho que se transformarão nos lucros dos patrões. Ou seja, a austeridade significa criar mecanismos para perpetuar e ampliar o grau de exploração do trabalhador, possibilitando uma maior apropriação, por parte dos patrões e sob a forma de lucros, dos frutos resultantes de seu trabalho.

2 comentários:

Tarcísio disse...

Há várias formas de se valorizar a moeda, uma delas é pagar mais pelo tempo em que ela dorme na forma de títulos públicos. Prefiro a promoção da confiança, mas isso não depende apenas do banco central. Quanto ao Estado financiar deficits crônicos e, consequentemente, se endividar, é preciso avaliar a qualidade do gasto púbico e o custo de rolagem desta dívida. Sabemos que no Brasil ambos são péssimos.

CELIA MARIA CORREA PEREIRA disse...

Infelizmente, deixei de acreditar no Brasil onde o politiquês corrupto tomou o lugar de leis, ética e moralidade. Estamos morando debaixo de uma grande lona de circo , cercados de hienas, leões e ratos. Salve-se quem ainda pode dizer adeus. !