quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Círculo vicioso da necessidade de se promover um ajuste fiscal e, simultaneamente, adotar medidas que agravam a questão fiscal

A queda recorde na arrecadação do governo federal em outubro passado, que atingiu a cifra de 103,5 bilhões de reais correspondentes a 11,3%, descontada a inflação, que o valor arrecadado no mesmo mês de 2014 deveria servir como base para que uma discussão séria fosse feita sobre a política econômica atualmente em curso, principalmente sobre sua preocupação primeira, o ajuste fiscal.
Isso porque, entre as medidas anunciadas para que o ajuste possa ser realizado constam, de forma insistente, a elevação de impostos, por um lado, medida que não encontra muito respaldo junto aos políticos e aos empresários, e o corte de gastos, sempre o mais difícil de ser feito e o mais demandado pelos analistas.
Mas, é importante observar que quando se fala em corte de gastos, não passa pela cabeça desses analistas, a redução das desonerações concedidas pelo governo no primeiro mandato da presidenta Dilma, cujo valor em outubro foi de 87,4 bilhões, quase 8,5% mais elevado que o valor em 2014.
Menos ainda há qualquer menção ao elevado gasto representado pelo pagamento das transferências de juros, considerado como pagamento sagrado e, dessa forma, intocável.
Afinal, o primeiro dos motivos de frustração na arrecadação trata de recursos de impostos que os empresários foram dispensados de recolher, como forma de o governo estimular que eles mantivessem o nível de investimentos, de produção e de emprego.
Pena que, como acontece costumeiramente em nosso país, ao tempo em que adotava as medidas de desoneração, destinadas a estimular a classe empresarial, o governo não se preocupou em estabelecer metas de resultados a serem atingidas, de forma a que o programa de desoneração pudesse ser interrompido, caso o empresariado não reagisse como o esperado pelo governo.
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Quanto ao pagamento dos juros, entende-se a preocupação do mercado em mantê-los intocado. Especialmente por tratar-se de respeito às regras do mercado, aos pactos contratados, e à manutenção de nossa boa imagem junto aos setores financeiros, tanto internacional quanto nacional, de quem dependemos para obter os recursos que permitem que nossa economia continue funcionando, mesmo que a marcha cada vez mais lenta.
O problema é que os juros pagos são contratados a taxas que são estabelecidas pelo governo, e na política de combate à inflação adotada em nossa economia, independente da causa real da aceleração de preços, o governo adota ou é constrangido a adotar pela própria sociedade por meio dos analistas que falam em seu nome, a elevação dos juros como principal medida corretiva.
O que nos leva à situação tantas vezes abordada, paradoxalmente, inclusive pelos analistas que cobram a elevação de juros como medida para contenção da inflação: ao elevar as taxas de juros o governo acaba dando um tiro no próprio pé.
Eleva os gastos e a necessidade de geração de superávits, resultados positivos em seu orçamento, de forma a ter recursos capazes de tranquilizarem os donos do capital, para que continuem emprestando seus recursos ao governo. Por outro lado, acabam levando os empresários a optarem por usar seus recursos em aplicações financeiras, mais lucrativas que aquelas aplicações eivadas de riscos e incertezas, que poderiam esperar obter caso se decidissem pelas aplicações produtivas.
Com isso, cai o nível de investimento, arrastando consigo o nível de emprego. Cai a demanda derivada daqueles setores produtores de insumos que, sem ter para quem vender preferem reduzir a produção, dispensando trabalhadores.
Nesse meio tempo, máquinas já depreciadas ou já obsoletas não são repostas ou substituídas, e o setor produtor de bens de capital também paralisa seus planos de produção. O que, entre outros efeitos, irá provocar, quando da retomada da economia brasileira, em futuro incerto e não sabido, defasagens tecnológicas, de produtividade e competitividade.
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Por outro lado, ao elevar os juros para conter a inflação, o governo acaba fornecendo ao setor bancário uma desculpa para que possa elevar as taxas cobradas nas operações de crédito, dando mais força a que o setor, extremamente concentrado, possa aumentar suas margens e seus lucros. Que alcançam cifras astronômicas, principalmente se lembrarmos que eles atuam em um país em crise econômica.
Com juros extorsivos praticados pelos bancos, é interessante indagar duas questões: o que justifica a elevação de juros nas operações com o público, se a principal atividade desses bancos consiste nas operações de tesouraria, a saber, o carregamento, sem qualquer risco aparente, dos títulos emitidos pelo próprio governo?
E, porque, senão a sanha avassaladora de manutenção de lucros cada vez mais espetaculares, os bancos elevam de forma tão avassaladora as tarifas cobradas pelos serviços prestados?
Porque, como se sabe, foram esses os principais motivos apresentados para justificar lucros bilionários de Itaú e Bradesco, e mesmo Banco do Brasil, a cada trimestre.
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Mas, com elevação das taxas de juros, elevação da inadimplência, incerteza em relação à manutenção do emprego, quando não já desempregados, a população retrai sua demanda de consumo, o que já vem afetando, mês após mês, o nível de vendas de alimentos e outros produtos no comércio varejista, nos supermercados, no setor de serviços.
Agrava esse quadro o fato de a inflação, aquela que os juros deveriam derrubar para patamares civilizados, de até 4% ao ano, cada vez mais dar mostras de ter fôlego para continuar crescendo e se espalhando para todos os setores e produtos da economia.
Situação que reduz a renda real do trabalhador brasileiro, e prejudica ainda mais o gasto em consumo, de resto, incapaz de tirar a economia, de forma sustentável do marasmo. O gasto de consumo, ainda mais o de bens não sofisticados, já que os bens de consumo de maior conteúdo tecnológico atingiu sua saturação ainda nos anos de governo Lula, oferece apenas a perspectiva de um vôo de galinha. De saltos e solavancos.
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Com tudo isso, caem as vendas, e com ela a arrecadação do governo. Razão de valores ínfimos de receita divulgados, por mais que essa bobagem que considero ser o impostômetro indique o contrário
E, a queda leva ao fecho do círculo vicioso do governo propor a elevação da carga tributária, com a criação de novos impostos, não aceitos pela sociedade, especialmente pelos empresários, que no caso da CPMF não terão como escapar do pagamento, conforme já tratei anteriormente nesse espaço.
Só lembrando, embora vá incidir de forma muito pouco significativa nas finanças da população e até na inflação, por ser um imposto em cascata, por ter uma alíquota reduzida, a CPMF tem a qualidade de pegar a todos os contribuintes, sem distinção. O que obriga até aqueles não acostumados a pagar impostos, a ter de pagá-la.
Claro, nessa caso, atingindo os estratos de renda mais ricos, inclusive os empresários, que tanto choram e pouco pagam.
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Mas, seja pela elevação de impostos, seja pela proposição de cortes selvagens na despesa do governo, o que teremos e os manuais mais toscos de economia nos mostram é a redução ainda maior da demanda agregada, com os efeitos deletérios que daí advêm.
Entre outros efeitos, do corte de despesas, a não contratação de pessoal para trabalhar nas unidades de saúde, ou nas escolas dessa pátria encantadora, já que nada tem de educadora. Ou a ausência de fiscais ambientais que fazem com que as barragens das mineradoras sejam fiscalizadas por empresas contratadas pelas próprias donas das minas e das barragens. Em situação típica de o lobo tomando conta do rebanho de ovelhas.
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Mas tais questões não são objeto de discussões mais sérias, de forma a que possam ser analisadas outras medidas para que o país possa conseguir dar ordem às contas públicas, de resto ação necessária, mas contando com o apoio e a compreensão, e porque não dizer, o sacrifício de toda a sociedade.

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