quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Noite de derrubada de vetos e reflexões sobre a luta dos servidores da Justiça

Por meros 6 votos, já que obteve 251 e precisava de 257, em reunião de senadores e deputados, o Congresso manteve o veto da presidenta Dilma ao projeto de aumento de 53% a 78%, a ser concedido aos servidores do Judiciário, de forma escalonada até 2019.
Mais animada e importante que a partida da seleção brasileira contra o fraco time do Peru, que acontecia no mesmo instante, confesso que preferi ficar assistindo aos debates, discursos, e finalmente à votação da manutenção ou não do veto.
E admito que é muito difícil emitir qualquer juízo em relação à demanda dos servidores do judiciário, ao trabalho por eles desenvolvido junto aos representantes do povo, à aprovação do reajuste e ao veto e, agora, à sua manutenção.
Até por não ser isento, na questão, já que funcionário público, embora já não da ativa.
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Mas há alguns comentários que julgo necessário fazer, como um desabafo, quem sabe, e como registro de uma série de aspectos que o tema evoca, e que invadiram minha mente, enquanto assistia o debate, focado sempre na questão do ajuste fiscal e da discussão de quem seriam os agentes sobre os quais recairia o ônus desse ajuste.
Devo começar afirmando que acho o papel dos servidores do judiciário e sua reivindicação mais que justa, oportuna e correta. 
Afinal, ao contrário de outras categorias profissionais e carreiras, algumas incrustadas no próprio serviço público, que tudo fazem para "entender" o drama do governo, o momento de dificuldade que o país atravessa, a necessidade de o ajuste fiscal ser feito para obtenção de um superávit primário, etc. etc. abrindo mão de lutar por seus direitos, não vejo outro papel possível de ser exercido e desempenhado pelos sindicatos de trabalhadores ou de funcionários, capitaneados por suas lideranças. 
Vale dizer que as lideranças dignas do papel que cabe ao líder, em minha opinião apenas servem de representantes do movimento que é de toda a categoria ou classe de trabalhadores, os quais devem ser os primeiros interessados em obter o justo reconhecimento de seu valor e respeito à sua dignidade.
Sempre acreditei que há certas lutas e movimentos que você deve encampar e entrar de sola, com fome de vencer a jogada, não por convicções pessoais, mas em defesa da posição e do cargo que você ocupa. 
Ora, considero que aquele que não luta em defesa de seu cargo, de sua posição, de seu ponto de vista, de suas ideias, do conjunto de colegas que representa é o primeiro a estar desrespeitando a todos, inclusive a si mesmo. E o primeiro adversário na trajetória da conquista dos objetivos de todos.
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De mais a mais, lembro-me que há pouco, na tevê a cabo, tive a oportunidade de assistir ao filme francês As Neves do Kilimanjaro, de 2011, recomendado pelo excelente programa Contraponto, cuja história nos leva a questionar justamente a respeito do papel dos sindicatos e suas lideranças. Para descobrir ou fazer refletir algo que deveria ser óbvio e, por esse motivo, esquecido: na sociedade, cada um, seja pessoa ou instituição, tem um papel a cumprir e deve cumpri-lo. Ao limite. 
Sem dar espaço a qualquer confusão entre o que é função de um e de outro. 
No filme, uma empresa em crise e em vias de demitir alguns operários, solicita que o Sindicato aponte os que deverão perder o emprego. Bem intencionados, mas negando o papel que deveriam assumir, o Sindicato vê uma oportunidade de fazer um processo de dispensa mais justo e assume o ônus de tomar a decisão que a direção da empresa, espertamente evita. 
Líderes sindicais, por mais bem intencionados que possam ser, pagam quando agem como patrões, tomando as decisões amargas que cabe aos que lucram com o processo de exploração do trabalho. E são cobrados quando passam a raciocinar no lugar do outro, o que prova que nem sempre a empatia é positiva.
O papel do sindicato deveria ser exigir a manutenção de todos. Brigar para que, nas horas ruins, a empresa abrisse mão de seus ganhos e margens, para não punir aqueles que, nas horas boas, não tiveram compensação extra por ajudarem no enriquecimento dos acionistas.
Deixemos o filme de lado e voltemos à realidade.
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O sindicato e a categoria dos funcionários do Judiciário lutaram com as armas que tinham, dentro do respeito como foi falado no próprio plenário do Congresso, onde se faziam presentes, de forma civilizada. 
E se foram insistentes, se souberam demonstrar e comprovar suas reivindicações, merecem tão somente os cumprimentos. 
E tiveram méritos em sua luta. Que é justa, já que a defasagem salarial, não apenas deles, mas de toda a categoria do funcionalismo é cada vez mais evidente. 
Observo que muitos falam de salários muito elevados, exorbitantes dos "marajás", mas poucos sabem da real condição de salários da grande maioria do funcionalismo. E pior, dos contrastes grotescos existentes entres as categorias. Porque não vamos tapar o sol com a peneira. Tem sim, salários astronômicos e absurdos, mas são a minoria. 
O mais são injustiças flagrantes e injustificáveis. Além de compromissos que, uma vez assumidos, nunca são cumpridos, o que agrava mais ainda o quadro. 
Quanto a compromissos que acordados e assinados viram letra morta, basta uma olhada na luta do pessoal de nível técnico do Banco Central do Brasil, meus antigos e ainda e sempre colegas, sempre tratados (destratados seria melhor!) com indiferença e desprezo.
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E é verdade, - como diziam os deputados da oposição nem sempre pelos motivos declarados, senão que movidos por interesses políticos como a deputada Jandira Feghali ressaltou corretamente -, que o governo não deveria jogar sobre os ombros de seus funcionários o peso do ajuste, já que não foram eles, os funcionários que levaram à situação de crise fiscal que o país atravessa. Muito ao contrário!
Não foram os funcionários públicos, sem aumento sequer capaz de cobrir a inflação do primeiro mandato Dilma, que promoveram um festival de desonerações e incentivos para o empresariado, de mais de 104 bilhões apenas no ano de 2014. 
Não foram os funcionários, agora punidos, que elevaram os juros de forma tal que o FMI classifica o nosso país como o terceiro maior pagador de juros do mundo, perto de 5% do PIB apenas no ano de 2014.
Aliás, deve ser dito que essa culpa não pode nem deve recair nem mesmo sobre os funcionários do Banco Central, a maior parte deles com defasagem salarial de 27% e curiosamente desdenhados pelo Executivo, que os classifica como funcionários de 3º nível, atrás dos Delegados da Polícia Federal e ainda, dos Auditores da Receita Federal, que atuam na série B desse campeonato de perdedores. 
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Faço um parêntese para comentar o quão estranho é essa classificação que faz os detentores civis do monopólio da violência institucionalizada e monopólio de armas (órgão de Polícia, repressão e investigação), os detentores do monopólio da arrecadação de recursos melhores que os detentores do monopólio da emissão de ... dinheiro, essa coisa que é tão pouco importante que domina todos os temas no Congresso e no país, seja da Lava-jato, seja de aumentos salariais!!!
Mas, continuamos na terceira divisão. E alguns de nossos representantes sindicais continuam lutando para provar como é necessário o sacrifício para que o governo feche suas contas. Afinal, é tudo para o bem do Brasil. 
Ou não?
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Então, confesso ficar em dúvida. Não por achar que o ajuste fiscal exige que o aumento não fosse concedido. 
Mas por achar que ele apenas iria agravar a já complexa situação de todos os funcionários públicos no país. Porque nos comentários que fiz das divisões em categorias capazes de meterem mais medo e por isso serem mais respeitadas pelos políticos (primeiro delegados, depois auditores da receita), nem toquei na diferença gritante de remunerações entre funcionários do Executivo e outros, do Legislativo e do Judiciário.
E lembro-me de que Itamar Franco, quando presidente do país, decidiu conceder um aumento diferenciado para os servidores milsitares, de 28,86%. E o que aconteceu? Uma avalanche de causas na justiça, demandando, e ganhando,  a extensão dos aumentos para todas as categorias. 
O que aliás, independente da vitória, categorias como a do pessoal da Fazenda e do Banco Central ainda não conseguiu receber, mesmo com sentença a seu favor.
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Ou seja, por um lado, torci para que os colegas do Judiciário obtivessem êxito. Por outro, devo confessar que fiquei com inveja de uma categoria que sabe e soube lutar por seus direitos. 
Como era inveja, um sentimento ruim mesmo quando usado no sentido de não querer prejudicar a quem quer que seja, mas apenas de estar no lugar deles, a causa deles não prosperou. 
O veto foi derrubado. 
Mas, que gostaria de ver como seriam os discursos dos deputados e senadores se o projeto de reajuste fosse relativo ao pessoal da PF, ou da Receita, ou do Banco Central, para não falar de toda a categoria, isso eu gostaria. 
Porque, no mínimo, no dia seguinte, vários deles seriam execrados em razão de seus discursos por essa mídia conservadora e venal, que age  sob o comando dos interesses do grande capital, principalmente o financeiro. 
Se é que eles teriam coragem de fazer tais discursos, sendo favoráveis a todo o funcionalismo.
Que é afinal o que deveria estar sendo discutido: não apenas de uma categoria mais organizada, mas de todos: professores, cada vez mais mal remunerados nessa Pátria Educadora, a ponto de abandonarem cada vez mais as salas de aulas; médicos, que abandonam os centros de saúde; pessoal especializado que abandona o setor público, onde muitas vezes aprenderam a trabalhar, para passar para o lado de lá do mercado, lado que antes fiscalizavam. Ou o mais notado nesses dias de lama, fiscais do DNPM, cujo número de servidores e as condições de trabalho evidenciam o desmantelamento do Estado. 
Que agrada à mídia. Que agrada às grandes empresas. Apesar dos desastres que podem vir a provocar, como Mariana e o Rio Doce não deixarão que esqueçamos por décadas. 
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Onde antes eram grotões
hoje o curso de água límpida
vem dos olhos marejados
olhos da terra estatelados
secos
opacos
sem brilho
sem emoção e sentimentos
de onde ecoam só lamentos
olhos desfigurados 
de paisagem arrasada
que apenas choram lama
fedor de morte
e pó.

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