quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Enquanto o governo não cumpre a meta fiscal e os mercados fingem tranquilidade, apresento mais um discurso de colação de grau

Completamente inertes. Foi assim que os mercados e o país reagiram ao anúncio, pelo governo golpista e ilegítimo instalado no poder, de alteração da meta fiscal, propondo uma ampliação do déficit primário no montante de 20 bilhões para esse ano de 2017 e de 30 bilhões para o ano de 2018.
A reação do mercado e dos grandes investidores, expressa na manutenção da tranquilidade conforme expressa pelo bom comportamento dos indicadores financeiros,  seja o preço do dólar, seja o índice da Bolsa de Valores, parcialmente esperada, não deixa de ser curiosa.
Afinal, não custa recordar que a trajetória explosiva da dívida pública e o descalabro das contas públicas a partir do último ano do primeiro mandato do governo Dilma  foram alguns dos argumentos utilizados como justificativas para o golpe institucional que tirou do poder uma presidenta legitimamente eleita, para colocar em seu lugar um governo golpista, ilegítimo e a soldo dos grandes interesses de minorias, como os grandes capitais privados, nacionais e internacionais.
A falta de reação ao anúncio de proposição de nova meta para o déficit das contas públicas, cujos impactos sobre a administração da economia e a trajetória da dívida pública não são triviais, serve apenas para indicar que tal decisão já havia sido precificada pelo mercado, no fundo um eufemismo para indicar que o mercado foi convencido da necessidade imperiosa do rombo.
A esse respeito, registre-se que foram os representantes desse mercado que exigiram do governo um significativo corte de despesas, como se as despesas do governo não tivessem o caráter de difícil ou impossível compressão, seja para não levar a prestação de serviços públicos a completo colapso, seja para não provocar uma queda na demanda agregada e nas expectativas dos agentes produtores.
Com os cortes de gastos transformados em mera ameaça, tendo em vista a necessidade de o golpista temer comprar sua permanência no poder mesmo suspeito de uma série de graves crimes, e a perspectiva de continuidade de um ambiente incapaz de estimular a retomada da produção e do emprego, a frustração da receita tributária  projetada alcançou valores significativos, de  mais de 47 bilhões, que deveria ser compensada, ou por aumento do déficit previsto - a imobilidade- ou por ampliação da receita, ou pela melhoria da fiscalização e cobrança de impostos sonegados, ou por aumento de tarifas.
Desnecessário dizer que, dada a pesada carga de tributos já paga pela maioria dos brasileiros, dada a regressividade e injustiça que são sua característica, a majoração de impostos deveria, agora, alcançar justamente àqueles que são os beneficiários das injustiças e os mantenedores do governo usurpador. O que não seria tolerado, da mesma forma que nem se abre espaço ao debate de melhoria da fiscalização e da cobrança de impostos não pagos, alguns já inscritos na dívida ativa da União.
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Nesse panorama, a saída teria de ser a de aprovação da alteração da meta fiscal, e o silêncio daqueles que, mais que se preocuparem em consertar o país, se preocupam na manutenção de seus privilégios e benefícios.
Razão do silêncio de agora e do barulho das panelas, provenientes apenas do contato com as trempes dos fogões.
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Associada à proposta de mudança da meta, o anúncio de algumas medidas, que mostram bem a pusilanimidade do governo, como a de obrigar o respeito e cumprimento da lei do teto de salários, próximo de 33, 7 mil reais. Ou a extinção de 60 mil cargos no serviço público que, em alguns setores irá apenas representar uma deterioração total da qualidade. Ou ainda, mais uma vez, tomar-se o servidor público como bode expiatório da crise, tão somente por ser o lado mais fraco e mais fácil de ser penalizado. Tudo isso, por ter tido o mérito de ter estudado, ter feito e sido aprovado em um concurso, ou seja, por ter tido méritos não aceitos por uma sociedade de mercado, assentada no discurso da meritocracia.
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Claro, ninguém discute que há aberrações salariais no Poder Público, principalmente no Judiciário e no Legislativo, que seguem sendo verdadeiras caixas pretas, independente das leis existentes.
Mas, como a mídia não quer ter trabalho de pesquisar e fazer um jornalismo investigativo, de qualidade e verdadeiro, a imprensa em geral, não destaca as diferenças gritantes entre as várias categorias e órgãos públicos, preferindo, por ser mais fácil e cômodo, colocar tudo em um saco só. E acusar os interesses corporativos, seja lá a que se referem quando utilizam tais argumentos.
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Ainda teremos condições de retomar esse tema, de forma mais detida.
Até lá, deixo-os com o discurso proferido ontem, na colação de grau da turma do primeiro semestre de 2017, de Ciências Econômicas do Centro Universitário Una, de que tive a honra de ser paraninfo.
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Prezados afilhados, agora, e finalmente, economistas
Tal como as Instituições de Ensino preocupam-se em recepcionar seus calouros oferecendo-lhes uma Aula Magna, por analogia pode-se considerar o discurso do paraninfo como a aula derradeira, frise-se, apenas dessa etapa do longo processo de aprendizagem de nossas vidas.
Começo pois, citando Schumpeter, que destacou o caráter de processo evolutivo do capitalismo, que é  “por natureza, uma forma ou método de transformação econômica”, que tem como causa as inovações como sejam novos bens de consumo, métodos de produção ou transporte, novos mercados e formas de organização industrial criadas pela empresa capitalista”. Dessas inovações resulta um   “processo de mutação, que ele denominou de destruição criadora, pois “que revoluciona incessantemente a estrutura econômica a partir de dentro, destruindo incessantemente o antigo e criando elementos novos”. Processo responsável pelo desenvolvimento e modernidade.
Criatividade: essa a palavra-chave, símbolo de uma qualidade que nós brasileiros sempre fomos convencidos de  sermos suficientemente bem-dotados. O que me dá a oportunidade de citar o poeta mineiro de Uberaba, Antônio Carlos de Brito, Cacaso, para quem
 “Ficou moderno o Brasil,
ficou moderno o milagre.
A Água já não vira vinho.
vira direto vinagre.”
Mensagem que se encaixa à perfeição ao nosso espírito inventivo, à busca de inovação. É que, desejando ser diferentes invertemos a equação dos alquimistas: no Brasil, transformamos riquezas em excrementos.
E embora a afirmação possa chocar, abundam exemplos de sua veracidade. Como o fato de nosso país ser governado por um presidente ilegítimo que, fruto de um foi flagrado em prática de atos criminosos de máxima gravidade, como prevaricação, corrupção, lavagem de dinheiro.  E nem vou me referir aqui àquele que foi indicado para agir como seu preposto, homem de sua mais estrita confiança, flagrado correndo por São Paulo com uma mala cheia de dinheiro de pagamento de propinas.
Como não vou me referir à situação de nossa Segurança Pública, e ao dado estarrecedor de que apenas no Rio um policial é morto a cada 2 dias e que no primeiro semestre deste 2017, enquanto 30 valorosos policiais perderam sua vida, 459 pessoas foram mortas em São Paulo por policiais civis e militares, cujo dever era o de proteger o cidadão.
Choca a alguém que a maioria de mortos fosse de jovens negros de comunidades de periferia, em uma realidade onde 2 de 3 presidiários são negros. Homens de 18 a 29 anos. Tratados como todos concordam que não devem ser tratados nem os animais?
Tamanha injustiça provoca alguma indignação?
Se me permitem um conselho, tenham sempre em mente a lição extraída do diálogo ocorrido entre um pai e seu filho pequeno que lhe perguntou:
Papai, se conseguirmos matar todos os bandidos só sobrarão os homens bons?
Ao que o pai respondeu: Não. Sobrarão os assassinos.
Por falar em Justiça, qual o sentimento nos domina ao tomarmos conhecimento do caso de Breno Borges, preso em flagrante com 130 quilos de maconha e vasta quantidade de munição de fuzil, e cuja prisão foi relaxada com sua transferência para tratamento em uma clínica psiquiátrica, um autêntico spa de luxo, apenas por ser filho da desembargadora Tânia Garcia de Freitas Borges, presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso?
Fato ainda mais grave quando se sabe pela imprensa de que Bruno, o filho mais velho da magistrada, foi preso em 2005 por roubar um automóvel a mão armada, em um caso marcado pela proeza de o inquérito, a denúncia, o julgamento e a sentença de condenação terem transcorrido no prazo de meros 7 dias. Aliás, preso é maneira de dizer, já que desde o primeiro instante também ele havia sido transferido para uma clínica.
Enquanto isso, em 2013, em um dos protestos no Rio, Rafael Braga, foi detido por portar material incendiário em embalagens plásticas: um desinfetante e uma água sanitária. Embora afirmasse não ter interesse político, não estar participando da manifestação e estar passando no local por que levava o material de limpeza para sua tia, foi condenado e preso. Liberado depois de ter cumprido parte da pena, foi novamente preso sob a alegação de portar 0,6 gramas de maconha e 9 gramas de , apesar do relato de testemunhas de que ele estava de mãos vazias. Na semana passada, o Tribunal de 2ª Instância confirmou sua prisão.
Rafael é suburbano, pobre, de pouca vida escolar e egresso do sistema prisional. Causa alguma consternação dizer que ele é negro?
E de que adianta o Direito, a ideia de Justiça, até mesmo o preceito de nossa Constituição, que consagra o princípio fundamental da função social da terra, assegurando a prevalência da produção de alimentos para atendimento à necessidade da população frente à mera manutenção da terra como objeto de especulação,  quando se sabe das chacinas de pequenos agricultores no Norte do país?
Nessa hora, lembro-me de uma passagem de Quincas Borba, do grande Machado, onde de forma otimista e profundamente irônica, o autor filosofa sobre a utilidade das catástrofes e o benefício que advém de desastres ou  crises como a que o país atravessa.
No texto, uma choupana ardia em chamas na estrada. Sentada ao chão a poucos passos, a dona chorava seu desastre. Foi quando aproximou-se um homem bêbado, e vendo o incêndio perguntou à mulher se a casa era dela.
— É minha, sim, meu senhor; é tudo o que eu possuía neste mundo.
— Dá-me então licença que acenda ali o meu charuto?”
Acompanhando Machado, uma coisa que sempre me impressionou no texto é o respeito ao princípio da propriedade, a ponto de o bêbado “não acender o charuto sem pedir licença à dona das ruínas.”
Propriedades, riquezas constituem o objeto de estudo de nossa ciência, desde seus primórdios, quando se preocupava mais em entender o processo de sua produção que o de sua distribuição.
Propriedades de bens cuja acumulação por alguns - ou mesmo o simples acesso-  transformavam-se em instrumento de opressão e de imposição da vontade de um indivíduo, grupo social ou até um país em relação a outros, dotados de menores condições de produção.
Propriedades que são a base das trocas e que vão servir como representação esquemática da vida social por meio de um sistema de mercado, concorrencial e individualista por excelência, em detrimento de uma visão mais social, mais coletiva, mais cooperativa. Concorrência individual que induz à noção equivocada da prevalência do ter sobre o ser e culmina na criação de um sistema de exclusão deplorável.
Exclusão que gera a desumanização das pessoas, seja sob a  forma de sua invisibilidade social, até sua degradação e que, mais cedo ou mais tarde, há de explodir em violência, insegurança e conflito.
Caros formandos, é esse o ambiente que os espera nesse mercado a que, por serem considerados aptos, vocês são lançados agora. Um mundo de relações menos harmoniosas e calorosas, menos amistosas e estimulantes que aquelas que vocês desenvolveram em suas relações familiares e de amizade e companheirismo, sob a marca do incentivo,  da confiança, do amor.  
Relações que permitiram a vocês alcançarem conquistas, entre as quais a dessa colação de grau. Imprescindível reconhecer e destacar a contribuição, sacrifício, esforço, incentivo que vocês receberam de seus pais, irmãos, parentes, amigos, a quem aplaudo e parabenizo nesse momento.
Mas não é bastante olhar para trás, quando há um mundo e um enorme futuro que vocês, mesmo inseguros, estão preparados para construir e enfrentar. E principalmente, para transformar para melhor. Baseado no resgate e na difusão de valores que foram sendo deixados de lado, que consagram o respeito ao outro, às diferenças e divergências.
Precisamos retomar o sonho de que o processo de destruição criadora nos permite construir um mundo que aniquile os preconceitos, os hábitos arraigados, o medo da mudança, os ideais de acumulação de bens e riqueza como base para o exercício do poder pelo poder.
Levem com vocês a lição de que as pessoas não param de sonhar porque ficam velhas. Elas ficam velhas porque param de sonhar.
De carona em parte de estudos da física quântica, acreditem que vocês são energia e que sua vibração pode alterar o ambiente. Para criar um mundo melhor, mais igualitário, mais justo e feliz.
Vocês podem. Basta que continuem sonhando e lutando juntos, para construírem seus sonhos.

Parabéns. E mãos à obra. 

2 comentários:

Unknown disse...

Gostei muito!

Fernando Henrique disse...

Paulo,
Mais uma vez um belo discurso.
Lembro na minha formatura, 6 anos atrás, que seu discurso também chamou atenção de todos.
Orgulho ter tido você como professor e como exemplo a ser seguido.
Grande abraço