A reação do mercado e dos grandes investidores, expressa na manutenção da tranquilidade conforme expressa pelo bom comportamento dos indicadores financeiros, seja o preço do dólar, seja o índice da Bolsa de Valores, parcialmente esperada, não deixa de ser curiosa.
Afinal, não custa recordar que a trajetória explosiva da dívida pública e o descalabro das contas públicas a partir do último ano do primeiro mandato do governo Dilma foram alguns dos argumentos utilizados como justificativas para o golpe institucional que tirou do poder uma presidenta legitimamente eleita, para colocar em seu lugar um governo golpista, ilegítimo e a soldo dos grandes interesses de minorias, como os grandes capitais privados, nacionais e internacionais.
A falta de reação ao anúncio de proposição de nova meta para o déficit das contas públicas, cujos impactos sobre a administração da economia e a trajetória da dívida pública não são triviais, serve apenas para indicar que tal decisão já havia sido precificada pelo mercado, no fundo um eufemismo para indicar que o mercado foi convencido da necessidade imperiosa do rombo.
A esse respeito, registre-se que foram os representantes desse mercado que exigiram do governo um significativo corte de despesas, como se as despesas do governo não tivessem o caráter de difícil ou impossível compressão, seja para não levar a prestação de serviços públicos a completo colapso, seja para não provocar uma queda na demanda agregada e nas expectativas dos agentes produtores.
Com os cortes de gastos transformados em mera ameaça, tendo em vista a necessidade de o golpista temer comprar sua permanência no poder mesmo suspeito de uma série de graves crimes, e a perspectiva de continuidade de um ambiente incapaz de estimular a retomada da produção e do emprego, a frustração da receita tributária projetada alcançou valores significativos, de mais de 47 bilhões, que deveria ser compensada, ou por aumento do déficit previsto - a imobilidade- ou por ampliação da receita, ou pela melhoria da fiscalização e cobrança de impostos sonegados, ou por aumento de tarifas.
Desnecessário dizer que, dada a pesada carga de tributos já paga pela maioria dos brasileiros, dada a regressividade e injustiça que são sua característica, a majoração de impostos deveria, agora, alcançar justamente àqueles que são os beneficiários das injustiças e os mantenedores do governo usurpador. O que não seria tolerado, da mesma forma que nem se abre espaço ao debate de melhoria da fiscalização e da cobrança de impostos não pagos, alguns já inscritos na dívida ativa da União.
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Nesse panorama, a saída teria de ser a de aprovação da alteração da meta fiscal, e o silêncio daqueles que, mais que se preocuparem em consertar o país, se preocupam na manutenção de seus privilégios e benefícios.
Razão do silêncio de agora e do barulho das panelas, provenientes apenas do contato com as trempes dos fogões.
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Associada à proposta de mudança da meta, o anúncio de algumas medidas, que mostram bem a pusilanimidade do governo, como a de obrigar o respeito e cumprimento da lei do teto de salários, próximo de 33, 7 mil reais. Ou a extinção de 60 mil cargos no serviço público que, em alguns setores irá apenas representar uma deterioração total da qualidade. Ou ainda, mais uma vez, tomar-se o servidor público como bode expiatório da crise, tão somente por ser o lado mais fraco e mais fácil de ser penalizado. Tudo isso, por ter tido o mérito de ter estudado, ter feito e sido aprovado em um concurso, ou seja, por ter tido méritos não aceitos por uma sociedade de mercado, assentada no discurso da meritocracia.
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Claro, ninguém discute que há aberrações salariais no Poder Público, principalmente no Judiciário e no Legislativo, que seguem sendo verdadeiras caixas pretas, independente das leis existentes.
Mas, como a mídia não quer ter trabalho de pesquisar e fazer um jornalismo investigativo, de qualidade e verdadeiro, a imprensa em geral, não destaca as diferenças gritantes entre as várias categorias e órgãos públicos, preferindo, por ser mais fácil e cômodo, colocar tudo em um saco só. E acusar os interesses corporativos, seja lá a que se referem quando utilizam tais argumentos.
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Ainda teremos condições de retomar esse tema, de forma mais detida.
Até lá, deixo-os com o discurso proferido ontem, na colação de grau da turma do primeiro semestre de 2017, de Ciências Econômicas do Centro Universitário Una, de que tive a honra de ser paraninfo.
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Prezados afilhados, agora,
e finalmente, economistas
Tal como as Instituições
de Ensino preocupam-se em recepcionar seus calouros oferecendo-lhes uma Aula
Magna, por analogia pode-se considerar o discurso do paraninfo como a aula
derradeira, frise-se, apenas dessa etapa do longo processo de aprendizagem de
nossas vidas.
Começo pois, citando
Schumpeter, que destacou o caráter de processo evolutivo do capitalismo, que é “por natureza, uma forma ou método de
transformação econômica”, que tem como causa as inovações como sejam novos bens
de consumo, métodos de produção ou transporte, novos mercados e formas de
organização industrial criadas pela empresa capitalista”. Dessas inovações
resulta um “processo de mutação, que ele denominou de
destruição criadora, pois “que revoluciona incessantemente a estrutura
econômica a partir de dentro, destruindo incessantemente o antigo e criando
elementos novos”. Processo responsável pelo desenvolvimento e modernidade.
Criatividade: essa a
palavra-chave, símbolo de uma qualidade que nós brasileiros sempre fomos
convencidos de sermos suficientemente
bem-dotados. O que me dá a oportunidade de citar o poeta mineiro de Uberaba,
Antônio Carlos de Brito, Cacaso, para quem
“Ficou moderno o Brasil,
ficou moderno o milagre.
A Água já não vira vinho.
vira direto vinagre.”
Mensagem que se encaixa à perfeição ao
nosso espírito inventivo, à busca de inovação. É que, desejando ser diferentes invertemos
a equação dos alquimistas: no Brasil, transformamos riquezas em excrementos.
E embora a afirmação possa chocar,
abundam exemplos de sua veracidade. Como o fato de nosso país ser governado por
um presidente ilegítimo que, fruto de um foi flagrado em prática de atos criminosos
de máxima gravidade, como prevaricação, corrupção, lavagem de dinheiro. E nem vou me referir aqui àquele que foi
indicado para agir como seu preposto, homem de sua mais estrita confiança,
flagrado correndo por São Paulo com uma mala cheia de dinheiro de pagamento de
propinas.
Como não vou me referir à situação de nossa
Segurança Pública, e ao dado estarrecedor de que apenas no Rio um policial é
morto a cada 2 dias e que no primeiro semestre deste 2017, enquanto 30
valorosos policiais perderam sua vida, 459 pessoas foram mortas em São Paulo
por policiais civis e militares, cujo dever era o de proteger o cidadão.
Choca a alguém que a
maioria de mortos fosse de jovens negros de comunidades de periferia, em uma
realidade onde 2 de 3 presidiários são negros. Homens de 18 a 29 anos. Tratados
como todos concordam que não devem ser tratados nem os animais?
Tamanha injustiça
provoca alguma indignação?
Se me permitem um
conselho, tenham sempre em mente a lição extraída do diálogo ocorrido entre um
pai e seu filho pequeno que lhe perguntou:
Papai, se conseguirmos
matar todos os bandidos só sobrarão os homens bons?
Ao que o pai
respondeu: Não. Sobrarão os assassinos.
Por falar em Justiça, qual o sentimento
nos domina ao tomarmos conhecimento do caso de Breno Borges, preso em flagrante
com 130 quilos de maconha e vasta quantidade de munição de fuzil, e cuja prisão
foi relaxada com sua transferência para tratamento em uma clínica psiquiátrica,
um autêntico spa de luxo, apenas por ser filho da desembargadora Tânia Garcia
de Freitas Borges, presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso?
Fato ainda mais grave quando se sabe
pela imprensa de que Bruno, o filho mais velho da magistrada, foi preso em 2005
por roubar um automóvel a mão armada, em um caso marcado pela proeza de o inquérito,
a denúncia, o julgamento e a sentença de condenação terem transcorrido no prazo
de meros 7 dias. Aliás, preso é maneira de dizer, já que desde o primeiro instante
também ele havia sido transferido para uma clínica.
Enquanto isso, em 2013, em um dos
protestos no Rio, Rafael Braga, foi detido por portar material incendiário em
embalagens plásticas: um desinfetante e uma água sanitária. Embora afirmasse
não ter interesse político, não estar participando da manifestação e estar
passando no local por que levava o material de limpeza para sua tia, foi
condenado e preso. Liberado depois de ter cumprido parte da pena, foi novamente
preso sob a alegação de portar 0,6 gramas de maconha e 9 gramas de , apesar do relato
de testemunhas de que ele estava de mãos vazias. Na semana passada, o Tribunal
de 2ª Instância confirmou sua prisão.
Rafael é suburbano, pobre, de pouca
vida escolar e egresso do sistema prisional. Causa alguma consternação dizer
que ele é negro?
E de que adianta o Direito, a ideia de
Justiça, até mesmo o preceito de nossa Constituição, que consagra o princípio
fundamental da função social da terra, assegurando a prevalência da produção de
alimentos para atendimento à necessidade da população frente à mera manutenção
da terra como objeto de especulação, quando
se sabe das chacinas de pequenos agricultores no Norte do país?
Nessa hora, lembro-me de uma passagem
de Quincas Borba, do grande Machado, onde de forma otimista e profundamente
irônica, o autor filosofa sobre a utilidade das catástrofes e o benefício que
advém de desastres ou crises como a que
o país atravessa.
No texto, uma choupana ardia em chamas na estrada. Sentada ao chão a
poucos passos, a dona chorava seu desastre. Foi quando aproximou-se um homem
bêbado, e vendo o incêndio perguntou à mulher se a casa era dela.
— É minha, sim, meu senhor; é tudo o que eu possuía neste mundo.
— Dá-me então licença que acenda ali
o meu charuto?”
Acompanhando
Machado, uma coisa que sempre me impressionou no texto é o respeito ao
princípio da propriedade, a ponto de o bêbado “não acender o charuto sem pedir
licença à dona das ruínas.”
Propriedades,
riquezas constituem o objeto de estudo de nossa ciência, desde seus primórdios,
quando se preocupava mais em entender o processo de sua produção que o de sua
distribuição.
Propriedades de
bens cuja acumulação por alguns - ou mesmo o simples acesso- transformavam-se em instrumento de opressão e
de imposição da vontade de um indivíduo, grupo social ou até um país em relação
a outros, dotados de menores condições de produção.
Propriedades que são
a base das trocas e que vão servir como representação esquemática da vida
social por meio de um sistema de mercado, concorrencial e individualista por
excelência, em detrimento de uma visão mais social, mais coletiva, mais
cooperativa. Concorrência individual que induz à noção equivocada da prevalência
do ter sobre o ser e culmina na criação de um sistema de exclusão deplorável.
Exclusão que gera a
desumanização das pessoas, seja sob a
forma de sua invisibilidade social, até sua degradação e que, mais cedo
ou mais tarde, há de explodir em violência, insegurança e conflito.
Caros formandos, é
esse o ambiente que os espera nesse mercado a que, por serem considerados
aptos, vocês são lançados agora. Um mundo de relações menos harmoniosas e
calorosas, menos amistosas e estimulantes que aquelas que vocês desenvolveram
em suas relações familiares e de amizade e companheirismo, sob a marca do incentivo,
da confiança, do amor.
Relações que permitiram
a vocês alcançarem conquistas, entre as quais a dessa colação de grau. Imprescindível
reconhecer e destacar a contribuição, sacrifício, esforço, incentivo que vocês receberam
de seus pais, irmãos, parentes, amigos, a quem aplaudo e parabenizo nesse
momento.
Mas não é bastante
olhar para trás, quando há um mundo e um enorme futuro que vocês, mesmo inseguros,
estão preparados para construir e enfrentar. E principalmente, para transformar
para melhor. Baseado no resgate e na difusão de valores que foram sendo
deixados de lado, que consagram o respeito ao outro, às diferenças e
divergências.
Precisamos retomar
o sonho de que o processo de destruição criadora nos permite construir um mundo
que aniquile os preconceitos, os hábitos arraigados, o medo da mudança, os
ideais de acumulação de bens e riqueza como base para o exercício do poder pelo
poder.
Levem com vocês a
lição de que as pessoas não param de sonhar porque ficam velhas. Elas ficam
velhas porque param de sonhar.
De carona em parte
de estudos da física quântica, acreditem que vocês são energia e que sua
vibração pode alterar o ambiente. Para criar um mundo melhor, mais igualitário,
mais justo e feliz.
Vocês podem. Basta
que continuem sonhando e lutando juntos, para construírem seus sonhos.
Parabéns. E mãos à
obra.
2 comentários:
Gostei muito!
Paulo,
Mais uma vez um belo discurso.
Lembro na minha formatura, 6 anos atrás, que seu discurso também chamou atenção de todos.
Orgulho ter tido você como professor e como exemplo a ser seguido.
Grande abraço
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