terça-feira, 31 de dezembro de 2019

O longo pitaco que tenta uma retrospectiva de um ano que nem deveria ter começado


Atendendo a um pedido especial, o pitaco de hoje procura servir como uma retrospectiva do ano que, felizmente, se encerra hoje.
Ano marcado pela palavra DIFICULDADES, assim mesmo, no plural, conforme pesquisa popular que o Jornal da Cultura difundiu em sua edição de ontem, seguindo tradição trazida do estrangeiro e que já vai se consolidando em nosso país,  que busca selecionar uma expressão para sintetizar o sentimento popular em relação ao ano que se esgota.
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Ano cujo início mostrou total incapacidade ou desinteresse das forças policiais em investigar e identificar os responsáveis pelo crime político de execução da vereadora Marielle Franco e seu motorista Ânderson.
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Letargia, de certa forma compreensível.
 Afinal, Marielle era a expressão, a representação de tudo que o país, a partir do resultado das eleições de outubro de 2018, escolheu demonizar: mulher; negra; homossexual; vereadora de partido de esquerda; originária e moradora da Comunidade da Maré, no Rio.
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Nesses pitacos, sempre nos referimos à execução, aos seus desdobramentos, e à inércia das investigações como algo deliberado. Vergonhoso. Indigno de uma sociedade que se deseja democrática, livre, civilizada.
Marca da vergonha de uma sociedade invadida pela ação das milícias, em substituição à presença PELO VAZIO, do Estado.
Esse mesmo Estado que, nesse ano de 2019, a sociedade resolveu reduzir a suas dimensões mínimas. Liberando espaço para os avanços do crime organizado. Símbolo, talvez, do empreendedorismo que se deseja implantar, na sanha de se eliminar qualquer formalização do trabalho e do trabalhador.
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Não é demais lembrar que, como um todo, o ano foi marcado por ações, projetos e propostas vindas do Executivo, com a finalidade de usurpar os direitos conquistados em anos de lutas, pela classe trabalhadora.
Tudo isso, no afã de reduzir os custos dos empresários. Reduzir os ditos pesados encargos sociais, a maioria direitos sociais.
Tudo para baratear a folha de pagamentos das empresas e permitir aumento das margens de lucro.
Tudo isso disfarçado pelo discurso oficial da “intenção de estimular o empresário a contratar mais trabalhadores”, medida que já se provou falsa desde que a presidenta Dilma tentou substituir a contribuição previdenciária sobre a folha, por um percentual cobrado sobre o faturamento de empresas de uns poucos setores selecionados e responsáveis pela maior geração de empregos.
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Fazendo apenas um parênteses, a medida do governo Dilma acabou sendo expandida, no Congresso para quase todos os setores da indústria nacional, abrindo uma fenda gigantesca nas contas públicas e contribuindo para levar o o país para a crise das finanças públicas que caracterizou o período que se seguiu.
Claro: tudo sem que nenhuma contrapartida por parte dos empresários beneficiados fosse cobrada. Ou seja, sem obter o resultado que se esperava.
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Mas, o ano de 2019 começou com um desastre sócio-cultural: a posse de Bolsonaro. A elevação da “arminha com as mãos” a símbolo de um novo governo.
E como no caso dos terremotos, onde o principal tremor se faz seguir de outros secundários, de menor intensidade, assistimos a um desfile de banalidades e falta de seriedade na posse dos ministros indicados.
Assim, para a Casa Civil, foi empossado Ônix Lorenzoni, sob suspeita aliás confirmada da prática de Caixa 2. O que Moro, outro comparsa de Ministério, tratou de contemporizar, sob a alegação de que o colega já teria vindo a público reconhecer o erro e se desculpar.
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Para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a escolha recaiu sobre uma estilista, que chegou já definindo que “menino veste azul, menina veste rosa”. Algo que deve ter deixado a indústria de corantes e têxtil bastante insatisfeita.
Sinal de que ao subir no pau da goiabeira, e enxergar a figura de Cristo a lhe aconselhar, a ministra deve ter perdido o equilíbrio e caído ao solo. Talvez, nunca tenha se recuperado da pancada sofrida na cabeça.
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O mineiro Marcelo Álvaro Antônio, assumiu o Ministério do Turismo, disposto a fazer a plantação de laranjas desbancar o cajueiro como monumento turístico do país.
Como notícias ruins vêm sempre aos borbotões, os nomes indicados, incluindo Moro, o juiz arbitrário e mau intencionado pelo partidarismo com que guiou suas ações nos processos da Lava Jato, formaram todos, uma das piores equipes de ministros de todos os tempos, desde a redemocratização.
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Fenômeno percebido pelo próprio Bolsonaro que já no início de seu mandato se desfez do ministro Gustavo Bebianno, por uma mau contada história que poderia envolver ao próprio presidente, relacionada ao laranjal do PSL do ministro do Turismo.
Apenas um adendo: toda a plantação de laranjas tinha a mulher como a figura a ser explorada, ou sacrificada.
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De ministros da Educação, não é possível falar: tivemos a indicação de dois, e não tivemos nenhum. Tanto que a Educação não fez desenvolver qualquer projeto, salvo aquele que procura cortar verbas das Universidades públicas, estabelecer regras menos democráticas para indicação de reitores, a que procura reduzir o Fies.
Tudo bastante compatível com o ministro ou sinistro liberal desde a época de Pinochet e sua sanguinária ditadura, o posto Ypiranga: Guedes. Ou melhor, no caso, bastante conveniente para sua irmã e o papel por ela exercido junto às entidades de ensino superior privadas.
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Como o ministro das Comunicações efetivo foi Carluxo, o filho, e o das Relações Exteriores, uma composição entre Eduardo, o 03, e o astrólogo Olavo Carvalho, o Brasil, durante o ano beijou o chão pisado por Trump e suas idiossincrasias, para amargar apenas o cheiro e sabor da lama que o americano amassou.
Não fomos recomendados para a OCDE; não melhoramos as relações comerciais com os americanos; estamos sendo constrangidos a não entrar na tecnologia 5G, dominada pela Huawey, chinesa. Para coroar, esse comportamento nos trouxe a ameaça de contratempos com nossos parceiros comerciais árabes e chineses.
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Mas ainda não falamos dos desastres naturais, que tanta dor e sofrimento trouxeram ao país em 2019, como o desastre da barragem da Vale em Brumadinho, em janeiro.
Os desastres do desmatamento que avançava no país, denunciado por órgãos públicos como o INPE e que valeram a crítica de Bolsonaro ao cientista de reconhecimento internacional que presidia o Instituto.
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Acusando o cientista de estar ao lado da esquerda, Bolsonaro o demitiu, como faria com gerente de marketing do Banco do Brasil, por causa de uma propaganda que pregava inclusão social.
Mas o que esperar de quem, como uma das primeiras medidas, cobrou punição para o fiscal do Meio Ambiente que o multou. Alega o presidente que não estava pescando, embora segurasse artefato de pesca. Mas se o presidente não pescava, porque estava com sua embarcação estacionada em lugar que é proibido ao acesso de qualquer tipo de barco?
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Confesso que estou tentando, mas não dá para fazer um texto mais cômico, quando os fatos ao longo do ano vieram se atropelando: fogo na Amazônia, com acusação a Leonardo DiCaprio e desmantelamento da fiscalização das agressões à natureza; avanço da fronteira agrícola junto com a área desmatada na região do Pantanal e da própria Amazônia; avanço de mancha de óleo nas praias do litoral do nordeste.
Tudo isso com a complacência do condenado em São Paulo por crimes ambientais e que não é outro senão o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
E some-se a tais lembranças o genocídio de grupos indígenas, incluindo a destruição de sua cultura, seu estilo de vida, suas terras; o genocídio da raça negra, a mortandade de jovens negros, sua demonização, junto com a das religiões de matriz afros.
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Mas não posso negar ter havido fatos engraçados: a fala do presidente em relação à esposa do presidente francês, Emmanuel Macron (acompanhada por comentário tão jocoso quanto deselegante desse exemplo de modernidade e visão cosmopolita, Guedes); a fala em relação à defensora do meio ambiente, a pirralha Greta Thunberg; o “golden shower” do carnaval; o discurso fake a favor do meio ambiente desde Davos, culminando na ONU.
As respostas grosseiras, ríspidas, homofóbicas, misóginas, aos repórteres postados na passagem do Palácio da Alvorada. As piadinhas com o tamanho do órgão sexual dos japoneses.
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Mas preocupa, e não dá para ficar feliz, o retorno da censura, desde a propaganda do BB, até a crítica ao filme Bruna Surfistinha; à ideia de acabar com a TV Escola, com a ANCINE, a suas escolhas sempre destinadas a colocar em alguma instituição justamente a pessoa capaz de provocar sua destruição, como tem sido na área da Cultura, na Fundação Palmares, na Secretaria de Cultura.
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Para concluir, em 2019, ao menos descobrimos que os Beatles eram espiões comunistas da KGB, infiltrados na cena musical inglesa; que o rock é fábrica e inspiração para abortos; que o governo não teve nenhuma acusação da prática de atos de corrupção. Descobrimos, enfim, que o filé mignon, embora caro, deve ser reservado aos filhos; e que a experiência como ilegal na terra do Tio Sam é suficiente para nos representar, na nova dinâmica que se exige de quem precisa apenas ser capacho de Trump e do Tio Sam.
É isso.

sábado, 21 de dezembro de 2019

Pitacos vários de um ano que já está passando da hora de ir embora: Guedes e a economia dos ricos

Provável Veto de Bolsonaro ao Fundo Partidário

Há muito tempo, assisti a um filme em que, se não me falha a memória, uma moça cega é a vítima de uma tentativa de assassinato.
Depois de tentar fugir sem êxito, ela descobre que seu algoz já estava no interior de  sua residência.
Em desespero, a única ação que lhe ocorre é a de quebrar as lâmpadas,  de forma que a escuridão do ambiente pudesse eliminar a desvantagem de sua escuridão permanente.
Além disso, a ausência de claridade favorecia seu conhecimento do ambiente em que a se travava a luta.
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Cito a cena, porque é sob sua inspiração que encontro motivo para que Bolsonaro, um típico influenciador digital, possa cumprir sua ameaça de vetar a verba aprovada em Orçamento, de 2 bilhões para o financiamento do Fundo Eleidtoral.
Sem  a certeza de ter seu partido aprovado em tempo hábil para participar da distribuição dos recursos, nada melhor que igualar o jogo, ou seja: negar a todas as outras siglas, acesso ao dinheiro para campanha que seu partido pode não ter direito de utilizar.
Nada a favor da sociedade. Nenhuma medida para combater esse comportamento perdulário do Congresso, com dinheiro público, em detrimento de saúde e educação, por exemplo, que atenderiam às demandas da grande maioria da sociedade.
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Guedes e suas teimosias

Guedes não perde a oportunidade de tentar fazer descer goela abaixo da população a aprovação e criação de um imposto cuja operacionalização em nada seria distinta de um retorno da CPMF.
Derrotado já em outras oportunidades, há que elogiar sua insistência, destinada a fazer a nova tributação vencer pelo cansaço.
Apenas que, a cada vez, usa um argumento um pouco mais ou menos palatável.
O argumento da hora é o de que o novo tributo iria incidir apenas sobre as transações financeiras realizadas por meios digitais. A princípio alcançaria o crescente número de operações realizadas por meio de celulares e computadores.
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Ou o ministro gostaria de caminhar em diração contrária à da modernidade e da redução de custos, induzindo a população a frequentar as agências bancárias, abandonando as funcionalidades que se tornariam mais caras, da vida digital, ou então, já que mesmo nas agências, nos caixas, as transações se completam por meio de registros digitais, acabaria a cobrança se generalizando para toda e qualquer transação financeira, por meio bancário.
Sendo assim, que diferença tem o novo tributo, da antiga e malvista CPMF?
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Por outro lado, o ministro não se cansa de evidenciar a quem deve obrigações, quem é seu verdadeiro patrão.
E seguramente seu patrão está longe de ser a população brasileira a quem ele deveria servir.
Senão como entender sua fala de que o mais cruel e perverso imposto ser a cobrança de encargos trabalhistas, que recaem por óbvio sobre os empresários?
Dessa forma, para que o empresário possa ter essa carga reduzida, que se amplie a base e se faça toda a população pagar o valor que o empresário terá de isenção.
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Talvez o ministro não tenha conhecimento ou em conhecendo, não dê valor ao trabalho de Michal Kalecki.
Em seu ensaio onde desenvolveu as Equações Marxistas de Reprodução, o economista polonês conclui, magistralmente, com sua afirmação célebre de que enquanto os trabalhadores gastam o que ganham, os capitalistas ganham o que gastam.
O ministro pode não concordar com o princípio da demanda efetiva, mas afirmar que se reduzidos os custos dos encargos, isso permitiria que salários aumentassem ou que mais trabalhadores fossem contratados, é no mínimo, desconhecer que, a redução de custos pode também aumentar a margem de lucros.
E que talvez seja esse o único resultado da sua política para melhor o ambiente para as classes mais favorecidas de nossa sociedade.
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De mais a mais, também é questionável que a demanda cresça e leve os empresários a desejarem investir no país, se os trabalhadores não têm crescimento de sua remuneração.
Afinal, gastando tudo que ganham, é a partir da expectativa de demanda de consumo dos trabalhadores que os empresários podem desejar correr os riscos de adiantatem dinheiro em circulação, para obterem algum rendimento dessa ação, no futuro.
A ideia contrária a essa tese, do ponto de vista econômico, caracteriza o retorno da lei de Say.
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A lógica de se favorecer o empresário, mantendo o trabalho no estágio em que já se encontra é o retorno da política econômica do Chile de Pinochet. Que parece ser o paradigma do ministro de Bolsonaro.




sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Pitacos de um ano que não tem pressa de ir embora: Crime e Castigo de Queiroz; novas agressões à Educação e Humor, pela porta que quiser entrar

Finalmente Fabrício Queiroz, o personagem mais enigmático e difícil de ser encontrado no Brasil, deu o ar da graça no dia de ontem.
Na verdade, o policial militar aposentado, ex-motorista, ex-assessor legislativo de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio, ex-faz tudo da quadrilha instalada no gabinete do atual senador pelo Rio, não apareceu fisicamente.
Assim, como não se fez presente em situações anteriores, em que não atendeu à convocação do Ministério Público para depor, também ontem, não “deu as caras”.
Como também, em respeito à exatidão, não esteve presente,  ao vivo e a cores em qualquer programa de televisão ou evento público.
O que não impediu de personagem de perfil tão secreto ter sido destaque das manchetes e ocupado a atenção de toda midia e das redes sociais.
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Afinal, depois de decorrido tempo suficientemente longo, o Ministério Público do Rio promoveu, no dia de ontem, uma ação envolvendo busca e apreensão em endereços ligados ao desaparecido famoso, e ao seu ex-patrão, o senador Bolsonaro.
No caso do senador, a ação se estendeu, inclusive aos endereços de irmãos e da ex-mulher do atual presidente da República e pai do senador, todos em tese envolvidos no esquema de desvio de recursos públicos (peculato?) vinculado a funcionários fantasmas e na contumaz prática da “rachadinha”.
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No entanto, de toda a operação, o assunto que mereceu o maior destaque, tendo se tornado uma importante matéria levada ao público pelo Jornal da Globo à noite, foi o conjunto de mensagens de conversas trocadas entre Queiroz e funcionários do gabinete de Flávio.
Mensagens que mostram e ratificam a hipótese de utilização de recursos públicos para pagamento a funcionários fantasmas, como é exemplo a situação de Danielle, ex-mulher do ex-soldado e atual chefe de milícia, o “capitão” Adriano.
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Mensagens que não deixam dúvidas quanto ao conhecimento de Flávio de todo o esquema que tinha seu gabinete como local de execução, e que levaram à preocupação de Queiroz em demitir a fantasma Danielle, substituindo-a pela mãe do miliciano.
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Não há também como fingir que Adriano – que, parece, também recebia valores da devolução do pagamento feito a sua ex – não mantinha relações de grande amizade com o então deputado Bolsonaro, de quem chegou a receber a indicação para ser homenageado pela ALERJ,  por relevantes serviços prestados ao Rio.
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Como, apesar de toda a destruição a que o país está submetido, não conseguiram acabar com alguns ditados tradicionais, nunca é demais lembrar de um que afirmava:  ‘diga-me com quem andas e eu te direi quem és’.
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Agora, confirmada a presença de Flávio em meio a tanta falcatrua, e sua participação em rachadinhas, contratação de fantasmas, lavagem de dinheiro (na loja de chocolate que instalou), espera-se apenas que prossigam as investigações, incluindo os pagamentos de supostos empréstimos feitos envolvendo Jair Bolsonaro, a sua atual esposa e o nosso sumido favorito, o Queiroz.
E que se faça justiça, com as devidas penalizações.
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O que deveria fazer o presidente Ja ir temendo por sua permanência no cargo.
Afinal, como seu outro filho, Carlos,  já tinha postado em mensagem do Twitter, como é possível que alguém que tenha todos os familiares envolvidos em escândalos e ilícitos, possa alegar inocência e não saber de nada???
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Novas agressões à Educação

Enquanto isso, o presidente Jair prossegue sua tática de diversionismo, sempre levantando temas controversos em suas redes sociais e declarações dadas na mais completa sem cerimônia.
A mais recente, risível se não fosse trágica, aquela em que taxou a figura do Patrono da Educação do Brasil, de energúmeno. Ou desequilibrado.
Segundo o presidente paspalhão, o autor de método mundialmente reconhecido de alfabetização como parte integrante da teoria construtivista, apenas tem reconhecimento por suas ligações com a esquerda, de quem é ídolo.
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Pior! O audaz e intrépido 03, o ex-futuro e fracassado representante do Brasil nos EUA, o deputado federal Eduardinho, ainda teima e insiste em questionar o que fez e quem foi Paulo Freire.
Confirmando ser ignorante de pai e mãe, em suas redes sociais se gaba de que o filósofo deles tem presença constante nas redes. O filósofo deles... o astrólogo autoproclamado filósofo, Olavinho...
Pândego! Não há outra forma de tratar da metralhadora giratória de asneiras com que a família nos brinda.
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E de risos e humor
Não vi ao episódio de Porta dos Fundos, sobre A Primeira Tentação de Cristo.
Mas tenho lido e me divertido com as colunas de Duvivier, na Folha, nas quais, com ironia, critica aos que querem censurar a obra, apenas por tratar da sexualidade do filho de Deus.
E tratar tal questão a partir da hipótese de uma experiência, uma iniciação e um relacionamento homofóbico de Cristo.
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Acho improvável que eu fosse ter rasgos de risos e gargalhadas, com tal tema.
Que, como foi objeto de comentários lúcidos de Reinaldo José Lopes e Contardo Calligaris, ambos na Folha, nem é capaz de ser uma novidade.
Já não de pouco tempo, a relação de Jesus com Madalena foi objeto de estudos e análises.
O próprio Código Da Vinci de Dan Brown faz alusão à ligação entre ambos.
Por outro lado, não escapa também a quem tenha um mínimo de leitura, a relação especial que havia entre Jesus e João.
Mas uma coisa é tecer comentários sobre a qualidade do humor, a necessidade de usar de recursos apelativos, de apelar para piadinhas de gosto duvidoso. Outra, diferente, é fazer apologia da censura e pedir, sob a desculpa que for, que uma obra não possa ser divulgada.
Principalmente quando a crítica parte de praticantes de religiões que têm tanto telhado de vidro: religiosos que se aproveitam de sua posição para cometer crimes sexuais; pedofilia; a intolerância, chegando à agressão contra fiés de outras religiões, etc.
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Que a nossa sociedade não ceda a tais artimanhas capazes de instaurarem cada vez mais, uma mentalidade e um estado fundamentalista.
E que o humor possa continuar sendo feito ou sendo tentado por qualquer grupo, que entre pela porta da frente ou dos fundos.
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quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Pitaco de professor estressado, em um país estressado, que se definha - bem como suas relações sociais no desgoverno a que estamos relegados

Já se aproximando o fim da primeira metade de dezembro, confesso que não sei como outros colegas, professores como eu, estão se comportando para dar conta de toda a correria de final de semestre.
É certo que alguns trabalham em escolas cujo calendário, feito de forma mais racional e humana, já permitiu que eles encerrassem o tumultuado período caracterizado por correção de trabalhos, provas finais, provas de segunda oportunidade e trabalhos de conclusão de curso. 
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Também é certo que vários dos colegas devem ser mais, bem mais organizados do que eu, chegando ao final do período de aulas com toda sua tarefa avaliativa concluída. 
Seja o primeiro caso, do calendário, seja o da organização pessoal, a verdade é que, para mim, é completamente estressante esse período. 
De tal forma que chego a pensar em alguns momentos que não existe nada mais além do mundinho de trabalhos, provas, lançamento de notas, atendimento de reclamações ou apenas de pedidos de alunos por alguma ajuda extra. 
Razão porque, pode o pau estar quebrando no mundo ou no nosso país; nosso governo pode prosseguir em sua sanha avassaladora de desconstrução, destruição, até barbárie, e apenas consigo estar atento aos prazos que me oprimem.
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O que não significa que não há coisas demais acontecendo, que mereceriam mais atenção de minha parte. Quem sabe até mais estudo, análise, comentário ou pitacos. 
Claro que a vida de nosso país não parou e nem a capacidade escandalosa de continuar criando atritos e problemas de nossas autoridades. 
E nem apenas de nossas autoridades. 
Afinal, democraticamente eleito pela maioria dos votos válidos, já que com percentual que não lhe assegura qualquer maioria quando considerado mesmo o número de eleitores, a verdade cristalina é que mais uma vez vigora a máxima: o povo escolhe sempre alguém que ele tem a certeza de que será capaz de representá-lo.
Essa é, afinal, a beleza e o problema do sistema de democracia representativa. 
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Assim, se ao final do ano passado, Bolsonaro foi eleito para presidir o país, apesar de toda sua ignorância, seu comportamento preconceituoso, desrespeitoso, incapaz de aceitar a existência de diferenças e conviver com elas; de seu comportamento homofóbico, misógino, autoritário e, além disso, de toda sua convivência saudável e por anos a fio com pessoas que poderiam ser consideradas  a escória da sociedade humana, como os milicianos, é porque,  grande parte de nossa gente, senão a maioria, se identifica com uma ou algumas dessas facetas desprezíveis. 
E tanto conseguem se identificar que o elevaram ao pedestal dos mitos.
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Pois bem, no exercício do poder e sem qualquer condição ou qualificação para o cargo que ocupa, o presidente apenas se destacou por colocar o país em situações de verdadeiro ridículo no cenário internacional, começando por não apenas correr para bajular e se submeter aos caprichos de Trump, mas chegar ao cúmulo de indicar seu filho 03 para o cargo maior da representação diplomática de nosso país na terra do Tio Sam. 
E olhe que as credenciais de 03 eram tão portentosas quanto ter trabalhado, talvez como ilegal, como chapeiro em lanchonete servindo hambúrgueres. 
O que explica o porquê de, em meio à fumaça da chapa, aos gritos dos colegas e fregueses ou da ditadura das comandas, não conseguiu aprender a língua inglesa. 
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Mas, tratávamos do pai, Bozó,  que para bajular o seu ídolo Trump, talvez sob influência do demente autointitulado filósofo, Olavo de Carvalho ou pior, de Steve Bannon, o manipulador de ultradireita, imediatamente ao assumir rompeu a tradição brasileira de longo período, de manter minimamente de  neutralidade em relação aos conflitos no Oriente Médio. 
O que levou o país a sempre condenar a invasão, a ocupação e o estabelecimento de colônias israelenses em terrenos da Palestina; e a considerar a cidade de Jerusalém, cidade sob regime internacional especial.
E, em sua primeira manifestação sobre aquela região conflagrada do mundo, Bolsonaro anunciou que o Brasil iria reconhecer toda a cidade de Jerusalém como capital de Israel, transferindo para lá sua embaixada. 
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Felizmente, como vários outros assuntos e decisões, Bolsonaro voltou atrás e apenas decidiu instalar um escritório comercial na cidade berço de todas as religiões.
Mas isso não o impediu de continuar manifestando solidariedade total às causas de Trump, seja na guerra comercial contra a China, seja quanto às relações dos Estados Unidos com vizinhos nossos, como a Venezuela, a princípio, ou mais tarde a Bolívia, ambos os países sofrendo tentativas de golpe e execução de golpes para fazer prevalecer os interesses americanos na região. 
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Todo esse comportamento de submissão para que? 
Para ao final, acreditar na promessa de que Trump iria apoiar a entrada do Brasil no conjunto da OCDE, ou de uma relação comercial preferencial entre os dois países.
Ambas com o resultado desastroso e risível para as pretensões do sabujo: a indicação feita para fazer parte da OCDE foi da Argentina (logo quem?) e, agora, a decisão de sobretaxar aço e outros produtos brasileiros pelos Estados Unidos. 
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Ingênuo, por ignorante, o que Bolsonaro não conseguiu perceber foi que política internacional se faz com decisões estratégicas e fundamentadas em cálculo econômico, sob a égide dos interesses nacionais. 
Não com o presidente idiota batendo continência para a bandeira americana. Isso para defender nossa soberania, segundo suas manifestações em redes sociais. 
Política internacional não se faz com o fígado, ou com ideologias que mais se caracterizam como fantasias amalucadas, capazes de enxergarem conspiração comunista em todo lugar. 
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Além disso, para países maduros, sérios e com política externa digna do nome, e representantes qualificados, bem diferentes de nosso chanceler Ernesto Araújo, o comportamento de apoiar, participar, querer interferir e até criticar a eleição de políticos de outra vertente ideológica em nações parceiras e vizinhas é, no mínimo, um equívoco. 
Criando uma situação vergonhosa, capaz de permitir que políticos de mesma linha ideológica que a de Bolsonaro, se vissem em condição de manifestar até mesmo um tipo de censura velada à sua postura.
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Só em questões de política internacional, a lista é longa e exaustiva, razão porque esse pitaco para por aqui, abordando apenas dois últimos pontos: a reação às críticas em relação às queimadas na Amazônia e ao seu desmatamento recorde, e sua reação à crítica da postura do país em relação à não adoção de políticas sustentáveis voltadas para o meio ambiente, que o levou a tentar desmerecer ou diminuir uma ativista adolescente, ainda mais portadora de autismo, como Greta Thunberg, a quem tratou por Pirralha. 
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No cenário interno, as medidas todas favoráveis ao relaxamento da fiscalização e das punições de transgressores de leis protetivas de terras indígenas, somam-se às invasões de terras e práticas de queimadas para fins de expansão da área agrícola cultivada, todas com um mesmo resultado: a violência contra os silvícolas, contra seus direitos às terras e reservas já demarcadas, à sobrevivência de seu "modus vivendi", o respeito a sua cultura. 
Não à toa, as críticas às agressões feitas, indiretamente sob sua responsabilidade por força de sua indiferença, à preservação do meio ambiente e de nossas raízes étnicas, sociais e culturais. 
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Claro, esses pitacos poderiam resvalar para o baixo nível dos representantes de nossa área da Cultura, onde o do diretor de órgão, cujo nome nem merece referência, foi capaz de agredir uma senhora de 90 anos, considerada uma das maiores atrizes de nossas artes cênicas. Ou abordar o infeliz que, escolhido para dirigir a Fundação Palmares, mostra apenas o quanto ser servil, para obter indicação para cargos públicos, pode gerar comentários contra sua própria história e passado.
Ou ainda outro, que acusou Caetano Veloso, autor de um monumento como a composição da música Língua, de favorecer o analfabetismo. 
Isto, para não concluir citando o desprezo ao reconhecimento internacional a Chico Buarque, vencedor de um dos maiores prêmios, senão o maior da Literatura Portuguesa; ou a acusação que agora todos temos condições de verificar, da influência dos festivais de rock na questão do aborto, ou dos comunistas da KGB, que atendiam pelo nome de Beatles. 
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São disparates demais, que poderiam até parecer propositais, para criar uma cortina de fumaça para esconder medidas adotadas muito mais graves, relacionadas à implantação da censura em nosso país. 
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Não podemos ficar calados, ao menos enquanto o golpismo e autoritarismo de Bolsonaro e sua tropa buscam avançar na tentativa de implantação de um regime autoritário, uma ditadura por meio de um golpe, alicerçado em atos e medidas de exceção.
O QUE ESTAMOS VENDO SÃO AS RAÍZES DA CENSURA A TODA FORMA DE MANIFESTAÇÃO POPULAR. 
E é contra isso que temos que lutar.
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Censura, transferência de todo poder da sociedade civil para o aparato policial-militar, propostas de armar a população, proposta de adoção de excludente de ilicitude para ações militares, tudo se adéqua à máxima: atire e mate antes. Interrogue depois. 
Claro, a realização de investigações, nem pensar.
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Situação que explica a liberdade para cometer crimes, sob a proteção do Estado, como o cometido contra o músico, metralhado no Rio, quando transitava com sua família; ou a morte da menina por bala perdida, em razão do policial, alegando estar sob forte comoção, ter atirado contra quem levava algo que nem de longe poderia ser confundido com uma arma.
A situação de desvario e agressão consentida e até estimulada chegou a tal ponto que fica até difícil listar as Ágathas, Ketellens, ou as nove mortes do pancadão de Paraisópolis. 
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E tudo isso acontecendo enquanto o Ministério Público, sob forte apoio da Globo e outras redes de desinformação, dá curso a uma campanha de perseguição e desmoralização pública de Lula e seus familiares, requentando uma investigação iniciada há longa data. 
Enquanto isso, Queiroz continua sumido, comandando a massa e empregando a moça, e continua dando as ordens no terreiro (parafraseando a impagável Aquele Abraço de Gilberto Gil). Os porteiros do condomínio da morada de Bolsonaro revisam suas declarações, Carlos, Flávio e agora o 03, Eduardo, não sofrem qualquer investigação por suas ligações espúrias, declarações e postagens, idem. 
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E Marielle continua uma alma penada, sem descanso, à espera de que se faça a justiça, se cumpra a justiça. Ou no mínimo, que a Polícia investigue. 
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Não há como não atribuir a Bolsonaro, e seus rompantes e pensamentos (se algum!), as práticas instauradas por Witzel ou Dória, de total descompromisso com a vida humana, mesmo que de jovens de periferia, pobres, pretos. 
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Só nesse clima de total individualismo agressivo e destemperado, em que se aplica a lei da selva, do mais forte engolindo o mais fraco, dá para entender a expansão de atos de covardia e desrespeito que geram, desde um aumento do número de vítimas de homicídio por ações policiais até, e pior, uma expansão do número de vítimas de feminicídio.
E não apenas o crescimento do feminicídio. Aumentam também, sob um ambiente de conservadorismo cristão hipócrita, os casos de agressões sexuais, estupros, pedofilia. 
Isso, para não falar nos casos de agressões que terminam em mais mortes. 
O que não significa que não existam outros tipos de abusos e desrespeito, de mesma gravidade, como o comprovam a expansão dos casos de homofobia, ou racismo.
Casos como o do Mineirão, onde atleticanos cometeram o crime de racismo por meio de palavras e atitudes (cusparada) contra um segurança. Justo a torcida do Galo, que logo no início do governo, entoou cânticos homofóbicos, dirigidos à torcida do Cruzeiro, em que usavam o nome do "mito" ! Uma verdadeira vergonha!
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Mas os casos se reproduzem: uma atendente de cozinha agredida em BH; outro motorista de táxi, agredido por uma advogada, que ainda se declarou, orgulhosamente, racista; ou ainda o aluno - filhote de alemão com cruz credo, dado seu fenótipo, estudante de ciências sociais, que se recusou a pegar a prova que sua professora lhe entregou, apenas por ser negra.
Danilo, o nome desse aluno infeliz, merece ser expulso da Faculdade além de ir parar atrás das grades pelo crime que cometeu. 
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Nesse meio tempo, a selvageria invade até a área do lazer e da diversão, com torcedores cruzeirenses, poucos, que não sabem perder, se arvorando em justiceiros e promovendo quebra-quebra em pleno estádio ou arena. 
Como se a agressão e quebradeira fosse capaz de promover a volta do futebol que o time não foi capaz de apresentar ao longo de 38 rodadas.... 
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Em um clima desses, como criticar as escolas que, visando a captação de alunos insatisfeitos nos estabelecimentos concorrentes, e a manutenção das turmas cheias e das receitas em elevação, moldam os calendários aos seus interesses?
Seria irracional o calendário que visa o lucro em princípio, mesmo que entrando dezembro a dentro?
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Como criticar a oportunidade que dou, e que cria parcela importante da minha desorganização e correria de última hora, quando aceito que os alunos entreguem trabalhos fora das datas previstas. 
Afinal, mesmo sabendo estar contribuindo para a formação de profissionais que não saberão respeitar princípios como o da pontualidade, como não optar por essa atitude?
Penso eu que é melhor saber que eles, ao final, tiveram que ler ao menos o material utilizado durante o curso, quando nada para obterem pontos de trabalhos. 
Com isso, não cumpri minha função de ensinar-lhes a aprender? De induzi-los a ler e estudar?
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Quanto à economia brasileira, ela cresce no terceiro trimestre e entusiasma a todos.
Alegra desde o liberal, que em governos anteriores criticava a adoção de medidas populistas destinadas a barateamento e expansão do crédito para alavancar o consumo;  até aqueles que agora, no poder, adotam a liberação de recursos de fundos dos trabalhadores, para que esses mesmos trabalhadores possam consumir.
Com a diferença de que agora a medida não é populista. Ao contrário, apenas dá ao seu verdadeiro dono, o trabalhador, o recurso que era seu e estava indevidamente em um Fundo público.
Como cada um usa a desculpa que mais lhe agrada, não dá para discutir quanto às razões.
Apenas reconhecer que os efeitos são os mesmos...
Populistas ou populares. 
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Se antes o crescimento era um voo de galinha, o país precisa, honestamente, que agora o consumo consiga alavancar um processo de retomada. 
Mesmo que em situações cada vez mais precárias de relações de trabalho e emprego. 
Mesmo com a assimetria que caracteriza, cada vez mais, as medidas adotadas pela equipe econômica, sempre em privilégio dos mais ricos e poderosos,  e em detrimento da maioria e mais desamparada da parcela da população. 
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Razão de nosso país estar há tanto tempo experimentando um processo de recuperação que não deslancha. E,  em contrapartida, batendo recordes no grau de desigualdade e de concentração de renda. 
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É isso. Tomara que esse período de provas termine, ainda enquanto resta o Brasil.